O que fazer quando o coração pára
Dados da Sociedade Portuguesa de Cardiologia revelam que, em média, cerca de 10 mil portugueses serão atingidos pela morte súbita, tendo em conta os números da mortalidade anual associada às doenças cardiovasculares.
De acordo com o Professor Mário Oliveira, Cardiologista e Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, sabe-se que os ataques de morte súbita são responsáveis “por cerca de metade de todas as mortes de causa cardiovascular e de 20 por cento da mortalidade total, o que lhe confere grande importância epidemiológica se considerarmos que, nos países desenvolvidos, são os eventos cardiovasculares a primeira causa de morte”.
As suas causas “são na grande maioria dos casos atribuídas a arritmias ventriculares muito rápidas no contexto de insuficiência cardíaca, na fase aguda do enfarte do miocárdio, em sobreviventes de enfartes do miocárdio ou nas doenças do músculo cardíaco conhecidas por miocardiopatias”.
“Nos jovens podem ocorrer em situações de doenças elécticas cardíacas hereditárias ou em miocardiopatias também de transmissão genética”, acrescenta Mário Oliveira.
A questão da hereditariedade, ainda que rara, nos casos de morte súbita estão assim relacionados a doenças “ditas «eléctricas primárias», em que a situação clínica se associa a canais iónicos das células cardíacas que, por terem mutações genéticas, podem ter a disfunção na sua atividade e facilitar o aparecimento de arritmias malignas causadoras de paragem cardíaca”.
Assinalam-se como fatores de risco, para além da história familiar, a hipertensão arterial, a hipercolesterolemia, a diabetes, o tabagismo e a obesidade.
Mais comum no sexo masculino, está relacionada com “a prevalência da doença coronária aterosclerótica (situação mais frequentemente encontrada em doentes com morte súbita)”.
De acordo com o cardiologista, a prevenção continua a ser a melhor arma. “Em primeiro lugar, é preciso prevenir a doença aterosclerótica com as medidas que estão ao nosso alcance, e que envolvem mudança dos hábitos de vida”, começa por explicar.
A avaliação regular para correção de fatores de risco e deteção precoce de anomalias, assim como a orientação terapêutica e difusão da informação à população de sinais de alerta, são também aspetos essenciais.
Mário Oliveira destaca “episódios de dor no peito, opressiva e acompanhada de sensação de sufoco e/ou sudação profusa ou a ocorrência de desmaios” como sinais que não deve descurar.
Doente de risco sobrevive a morte súbita
Considerado um doente de risco, José Lopes, 52 anos, sobreviveu a um ataque de morte súbita no passado dia 13 de Maio.
“Eu era hipertenso, e já ia a consultas de cardiologia. Tomava medicação para o colesterol, para a hipertensão, fumava, não tinha cuidado com a alimentação e não praticava desporto”, começa por contar.
Definindo-se com um doente despreocupado viu-se “obrigado” a alterar os seu hábitos de vida.
“Desde 13 de Maio que não fumo... E eu comecei a fumar com 13 ou 14 anos. Ainda que tenha feito umas paragens entretanto, regressei sempre ao vício”, afirma.
Quanto ao episódio que lhe poderia ter custado a vida, diz não se lembrar de muitas coisas.
“Eu estava em Lisboa a trabalhar – eu trabalho numa empresa de logística e tinha vindo fazer uma entrega – quando comecei a ter sintomas de um ataque cardíaco. Aí pedi ajuda para ir ao hospital, e quando lá cheguei fiz um electrocardiograma...”, recorda.
Foi enquanto esperava pelo resultados dos exames que José ficou inconsciente. “Ainda estava no hospital, seis horas depois senti um aperto no peito e só me lembro de cair para o lado”, acrescenta.
Os enfermeiros do hospital inciaram de imediato as manobras de reanimação e José acabou por ficar internado durante cinco dias. “A minha sorte foi estar no hospital e os enfermeiros iniciarem as manobras...”, diz.
“O médico disse-me para não viver com este trauma, mas que tinha mesmo de mudar os meus hábitos. Ter uma vida sem stress, não abusar do sal, não fumar...”, explica.
“Para além do pouco cuidado, eu tinha antecedentes familiares. O médico explicou-me que haveria um risco familiar associado, e a verdade é que os meus avós paternos morreram ambos de morte súbita”, revela.
A importância das manobras de reanimação
De acordo com a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, inúmeros casos de morte súbita poderiam ser evitados caso as manobras de reanimação fossem aplicadas de imediato e sugere que a sociedade seja “educada” nesse sentido.
“A nossa mensagem te de incidir sobre a necessidade de educar a população, desde a escola, a executar manobras de reanimação com suporte básico de vida, insistindo na importância de nos locais de trabalho, em zonas de maior aglomerado de pessoas – como os centros comerciais, zona públicas de grande afluência, recintos desportivos – se desenvolverem equipas com sistemas de reanimação de emergência organizados que permitam uma atuação imediata até chegarem os meios de socorro mais diferenciados, que poderão usar um desfibrilhador automático externo”, explica o Vice-Presidente da SPC.
De acordo com o especialista, o suporte básico de vida “é a única forma de manter a circulação por minutos, de modo a permitir a chegada dos técnicos (sejam bombeiros, equipas organizadas com treino adequado ou enfermeiros/médicos em viaturas de emergência devidamente apetrechadas) que possam usas um desfibrilhador e medicação necessária ao suporte mais avançado”.
Para além de salvar vidas, estas manobras permitem reduzir sequelas. “Pode acontecer que, numa reanimação mais prolongada, o doente apresente sequelas neurológicas, mas é tudo uma questão de tempo. Por cada minuto que passa sem intervenção eficaz mais difícil se torna conseguir bons resultados”, explica o cardiologista Mário Oliveira.