Um dos mais mortais

Múmias nos EUA podem conter o vírus da varíola

Em 2011, os trabalhos para a fundação de uma obra na região do Queens, em Nova Iorque, foram interrompidos por uma inesperada estrutura de metal. Perfurando o local, os trabalhadores descobriram que dentro dela havia um corpo, depois identificado por antropólogos da cidade como a múmia de uma mulher afroamericana de meados do século XIX, excepcionalmente bem conservada, com meias e roupas de dormir.

O corpo foi enterrado no que era o cemitério de uma igreja próxima dali, num caixão luxuoso – o que era pouco comum para uma mulher negra na época. Examinando lesões e protuberâncias encontradas no corpo mumificado, o cientista Bradley Adams, chefe de Departamento de Antropologia Forense de Nova Iorque, lembrou-se de fotos de vítimas de varíola. O caixão de ferro, fechado a vácuo, não se destinava a preservar o corpo de algum indivíduo rico, mas a isolar uma infecção.

O caso passou a ser tratado como de potencial risco biológico. Accionado, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças de Atlanta (CDC) enviou uma equipa de cientistas para fazer a autópsia do corpo com uma missão especial; não se sabe por quanto tempo o vírus da varíola pode sobreviver num cadáver humano, e a equipa da epidemiologista Andrea McCollum estava à procura de partículas do vírus no corpo ou no ADN da mulher.

Este mês, a Assembleia Mundial da Saúde, órgão de decisório da Organização Mundial da Saúde (OMS), deve reunir-se em Genebra para decidir quando destruir as únicas amostras conhecidas do vírus da varíola, mantidas em congeladores de laboratórios nos Estados Unidos e na Rússia.
A destruição tem vindo a ser postergada desde os anos 80, e provavelmente será adiada de novo; mas mesmo se esses estoques oficiais forem destruídos, existe a hipótese de que outros focos do vírus estejam escondidos num congelador qualquer, ou de que o agente patogénico da varíola reapareça a partir de um cadáver mumificado, como o do Queens.

“O risco de o vírus voltar a causar uma pandemia é baixo, mas existe essa preocupação”, diz McCollum. A descoberta de espécimes antigos do vírus, mortos ou vivos, pode ajudar os cientistas a montar um plano de defesa caso infecções pelo vírus da varíola voltem a acontecer.

A varíola tem a reputação de ser uma das piores doenças da história: ela propaga-se rapidamente e mata cerca de um terço dos infectados. Embora tenha atingido seres humanos em todo o mundo, americanos e africanos foram vítimas das versões mais extremas: algumas populações foram completamente exterminadas depois de contrair a doença dos invasores europeus, nos séculos XVI e XVIII. Em 1966, quando ainda se registava 10 a 15 milhões de casos por ano em todo o mundo, a OMS decidiu aprimorar as campanhas de vacinação e contenção. Em 1977, a doença estava erradicada.

Vírus remanescentes da varíola estão espalhados pelo mundo. Sintomas da doença, como lesões na pele com partículas e ADN do vírus da varíola foram encontrados em cadáveres humanos de mais de 3.200 anos, inclusive na múmia do faraó egípcio Rameses V. Mesmo assim, não há registos do reaparecimento do vírus a partir de um cadáver. Também na múmia da mulher do Queens, o ADN de varíola encontrado estava bastante degradado.

O vírus da varíola é especialmente estável no tecido humano, segundo D.A. Henderson, cientista que liderou os esforços de erradicação da varíola nos anos 60 e 70, actualmente ligado ao Centro de Segurança de Saúde da Universidade de Pittsburgh, na cidade americana de Baltimore. O vírus presente nas feridas de um doente permanecem nas cicatrizes, mesmo depois que as erupções na pele são curadas.

Peter Jahrling, virólogo no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, concorda que o risco de infecção é baixo, mas existe. “É bom precaver-nos se estiver a escavar cadáveres de pessoas que morreram de varíola”, afirma. “O vírus é particularmente bem preservado em temperaturas baixas. É plausível imaginar que o vírus pode existir em múmias conservadas em criptas frias”.

De acordo com a viróloga molecular Inger Damon, do CDC, a mais antiga amostra viável do vírus da varíola é de 1939. “Obter uma amostra do século XIX seria de enorme importância”, afirma. Estudar a evolução do vírus da varíola pode revelar quando a doença passou a infectar humanos, ou como ela foi evoluindo em variações cada vez mais graves. Essas descobertas podem ajudar no tratamento de doenças como a varíola dos macacos, doença tropical exótica que vem preocupando em certas regiões da África. Corpos mumificados e pedaços de tecido humano são a principal esperança dos cientistas para conhecer o histórico da evolução do vírus.

Fonte: 
Diário Digital
Nota: 
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