Ao longo de mais de década e meia

Mapeadas as trajectórias humanas mais comuns de progressão de uma doença para outra

A análise dos registos hospitalares da população de todo um país, ao longo de 15 anos, permitiu determinar as 1171 “estradas de doença” mais frequentes e perigosas que podem vir a ser seguidas por cada pessoa.

Uma equipa de cientistas dinamarqueses e norte-americanos conseguiu determinar as “trajectórias” mais comuns e perigosas, que ligam as doenças entre si no tempo, à escala de toda a população da Dinamarca, noticia a versão online do Público. Nunca nada deste calibre tinha sido tentado para estudar a progressão das doenças numa população humana. Os resultados, que foram publicados na última edição da revista Nature Communications, poderão abrir o caminho ao diagnóstico precoce e à redução personalizada dos riscos de morte prematura, “desviando” as pessoas que se encontram nessas “estradas da morte”, por assim dizer, para outros percursos, menos arriscados, através de tratamentos ou de mudanças de estilo de vida, por exemplo.

Søren Brunak, da Universidade de Copenhaga, e colegas realizaram o estudo recorrendo à totalidade dos registos de contactos, ocorridos de 1996 a 2010, entre 6,2 milhões de cidadãos dinamarqueses e os hospitais da Dinamarca. Para ter uma ideia da dimensão da massa de dados em questão, basta saber que se trata de 101 milhões de diagnósticos hospitalares individuais.

Foi assim possível determinarem 1171 “trajectórias” – isto é, sequências de diagnósticos específicos que ocorriam numa determinada ordem no tempo – particularmente significativas. A seguir, agruparam as trajectórias que possuíam etapas (diagnósticos) em comum, determinando assim “um pequeno número de diagnósticos-chave que são centrais” na progressão de diversas doenças graves.

A análise permitiu obter 15 agrupamentos, entre os quais “os cinco maiores são os das doenças da próstata, da doença pulmonar obstrutiva crónica [DPOC], das doenças cerebrovasculares, das doenças cardiovasculares e da diabetes”, resumem os autores naquela revista científica.

E explicam, por exemplo, que “uma variedade de diagnósticos, incluindo problemas cardiovasculares, cutâneos, hormonais e comportamentais convergem para a DPOC e, a partir daí, prosseguem para a insuficiência respiratória, a pneumonia, a septicémia e outros diagnósticos”. De facto, escrevem ainda, “todas as trajectórias que começam na aterosclerose [degeneração das artérias] são seguidas de um diagnóstico de DPOC” (…) “e, a partir desse momento, evoluem rapidamente para uma variedade de outros diagnósticos (…), sendo a morte o desfecho mais frequente”. Surge assim uma autêntica cartografia das “estradas de doença” com prováveis desfechos fatais prematuros na população analisada.

Este tipo de abordagem, argumentam os cientistas, permite em particular detectar ligações desconhecidas ou inexplicadas entre as doenças. “Quando olhamos para grandes volumes de dados e para as ‘redes’ de doenças que emergem, conseguimos ver fortes correlações entre uma doença como a gota, por exemplo, e as doenças cardiovasculares”, diz Brunak em comunicado da sua universidade. “É uma correlação surpreendente, que os especialistas têm vindo a debater”, acrescenta. E que os novos resultados parecem vir agora corroborar.

A gota é uma forma de artrite e uma das suas manifestações mais notórias é a inflamação da articulação do dedo grande do pé. “A nossa análise das trajectórias à escala de toda a população confirma a relação epidemiológica entre a gota e as doenças cardiovasculares”, concluem os autores.

Um mapeamento deste tipo poderia permitir diagnosticar precocemente o "rumo" patológico no qual uma dada pessoa pode estar a encaminhar-se. “Os nossos resultados permitem olhar para as doenças num contexto mais alargado”, diz por seu lado o co-autor Anders Boeck Jensen, também citado no referido comunicado. “Em vez de olharmos para cada doença separadamente, podemos falar de um sistema complexo com muitos factores diferentes a interagir entre si. E olhando para a ordem em que as diversas doenças aparecem, podemos começar a descobrir os padrões e vislumbrar as complexas correlações que marcam a direcção em que se encaminha uma dada pessoa.”

“Quanto mais depressa identificarmos um padrão desadequado, melhor conseguiremos prevenir e tratar doenças graves”, salienta Brunak. “No futuro, penso que vamos conseguir prever muitas doenças utilizando testes de diagnóstico simples combinados com padrões conhecidos de progressão das doenças.”

Segundo Lars Juhl Jensen, um outro co-autor, se se acrescentar a isto o facto de se conseguir sequenciar o ADN e as proteínas de cada pessoa – algo que, segundo ele, irá acontecer já nos próximos anos –, “torna-se possível, de repente, ficarmos a conhecer pormenores sobre nós próprios susceptíveis de serem utilizados para prever a progressão das nossas doenças ao longo da nossa vida”.

“Acredito num futuro radioso”, acrescenta este cientista, “porque vamos conseguir, a termo, melhorar a qualidade de vida, prolongar a vida – e, ao mesmo tempo, poupar dinheiro enquanto sociedade – se dermos às pessoas a possibilidade de receber tratamentos mais eficazes e direccionados.”

 

Fonte: 
Público Online
Nota: 
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