Doença das chagas pode afectar 1000 em Portugal
Portugal pode ter pelo menos mil casos de doenças de chagas adormecidos entre os imigrantes latino-americanos. Jorge Seixas, especialista na infecção causada pelo parasita Trypanosomacruzi e transmitido por um insecto parecido com uma barata conhecido no Brasil como barbeiro, defende ao iOnline estar na hora de as autoridades despertarem para o problema de saúde pública que nos últimos dez anos começou a afectar países de destino de emigrantes de zonas endémicas como Brasil e Venezuela.
Apesar de o insecto não existir em Portugal, as mães infectadas que têm filhos no país estão a passar a doença às suas crianças e poderiam ser alvo de tratamentos preventivos. Por outro lado, o facto de não existir um teste de rastreio de chagas nos programas de doação faz com que esta população seja excluída de dádivas de sangue apenas com base num questionário, o que não é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que defende testes para optimizar as colheitas e manter a segurança.
No caso dos transplantes de órgãos, a situação é mais problemática, avisa o especialista e director da Unidade Clínica Tropical do Instituto de Higiene e Medicina Tropical: “o teste devia ser obrigatório pois quem recebe um órgão de um portador infectado corre o risco de ser infectado, mas também devia ser implementado nos casos de doentes latino- -americanos à espera de transplante. Se forem chagáticos e começarem a fazer a medicação imunossupressora poderão ter maiores riscos de a doença acordar e terem complicações”.
Este ano o Dia Mundial de Saúde é dedicado às doenças transmitidas por répteis e insectos, vectores de agentes infecciosos como vírus e parasitas e que todos os anos afectam mil milhões de pessoas e matam um milhão. Jorge Seixas, que há duas décadas estuda a doença de chagas, explica que esta infecção, pelas suas características, acaba por ser das mais negligenciadas.
Em vez de o parasita ser transmitido pela saliva do insecto como acontece com a malária, entra no organismo quando a pessoa mordida esfrega a ferida e empurra as fezes depositadas pelo insecto na pele, onde está o parasita. Neste primeiro momento, há uma infecção que por regra fica resolvida em quatro a oito semanas, como uma mononucleose, mas em alguns casos é fatal. Mas depois desta fase, o parasita aloja-se no músculo do coração e em gânglios e chega a estar décadas sem dar sinal de vida.
Como o paradigma tem sido não fazer desparasitação nesta fase assintomática, muitos dos infectados continuam a ser portadores sem fazer qualquer tratamento e três em cada 10 acabam, 10 a 15 anos mais tarde, por ter manifestações crónicas graves como insuficiência cardíaca ou problemas no esófago e cólon. Os restantes continuarão assintomáticos mas as mulheres durante a gravidez podem transmitir a doença ao feto através da placenta e, em situação de dádiva de sangue e órgãos, já houve reporte de transmissões na Europa e EUA.
Em Portugal, diz o especialista, não são conhecidos casos destes e apenas foram declarados 10 casos crónicos, o primeiro há 15 anos e o último em 2013. Mas os estudos do Instituto de Higiene e Medicina Tropical sugerem que o problema deverá ser maior e pode estar sub-notificado. Tendo em conta os fluxos migratórios e a incidência da doença nos principais países de origem, em 2010 podia pensar-se em 1200 a 3000 casos adormecidos, 54 em mulheres grávidas, o que permite estimar dois recém-nascidos infectados.
O especialista sublinha que nos últimos anos tem aumentado a evidência de que há benefícios na desparasitação sem ser na fase aguda e por isso defende um trabalho de sensibilização dos médicos e de identificação dos portadores da doença, muitas vezes ligada ao estigma de ser uma doença de zonas pobres e rurais. “Temos de inverter esta ideia e chegar junto das comunidades que não falam de chagas para explicar que hoje a tendência aponta para ser vantajoso o tratamento”, diz, sublinhando que esta abordagem pode evitar que a infecção crónica evolua para situações mais graves a longo prazo.