Entrevista | Dra. Margarida Moura Valejo Coelho

A Zona pode ser «prevenida ou minimizada através da vacinação de adultos de risco»

Atualizado: 
28/04/2023 - 14:36
A Zona, também conhecida por “Herpes Zoster”, é uma infeção vírica que surge na pele e que é causada pela reativação do mesmo vírus causador da varicela. O vírus, que permanece adormecido após infeção inicial, pode ser reativado em qualquer momento da vida, no entanto, o risco é muito maior em adultos com idades mais avançadas “em virtude do declínio da imunidade”. No âmbito da Semana Mundial da Imunização, a médica especialista em Dermatologia e Venereologia, Margarida Moura Valejo Coelho fala-nos dos principais sintomas e complicações desta infeção, entre elas a dor neuropática, sublinhando a importância da vacinação da população mais envelhecida.

As doenças infeciosas são uma significativa causa de morbilidade e mortalidade na população idosa, sendo muitas destas doenças preveníveis através de vacinação. No entanto, ao contrário das crianças, para quem existem programas de imunização bem definidos, para os idosos não tem havido um plano de vacinação específico que seja usado como rotina… Assim, quais são as grandes prioridades em termos de vacinação para estas faixas etárias e porquê?

Desde o início do século XX, assistimos a um impressionante aumento da esperança média de vida, em grande parte graças aos avanços da Medicina no âmbito da prevenção e tratamento das doenças infeciosas, com destaque para o investimento feito a nível mundial no desenvolvimento de vacinas e na massificação da sua administração.

As vacinas são preparações laboratoriais, que, por conterem material de potenciais agentes de infeção (bactérias ou vírus), induzem imunização, isto é, simulam o contágio e estimulam o nosso sistema imunitário a preparar uma resposta específica e eficaz contra os mesmos, permitindo que, na eventualidade de um contacto futuro, a doença não se desenvolva ou seja mais ligeira. Existem vacinas feitas de patógenos vivos atenuados, mortos, fragmentados, e vacinas modernas obtidas por técnicas de engenharia genética. A vacinação é, historicamente, um dos maiores sucessos em Saúde Pública, permitindo o controlo de muitas doenças, potencialmente graves ou fatais, e até mesmo a erradicação de algumas como a varíola. A maior parte das vacinas é vocacionada para administração na infância, para proteger as crianças antes de possíveis contágios e criar “imunidade de grupo”.

Contudo, cada vez mais se tem dado atenção à vacinação noutras faixas etárias. As pessoas idosas têm mais comorbilidades e uma saúde globalmente mais frágil, sendo, por isso, mais suscetíveis a desenvolver determinadas infeções e manifestações clínicas graves, debilitantes ou mesmo fatais. De facto, desde há anos promove-se, por exemplo, a sua vacinação sazonal contra o vírus da gripe. A pandemia por SARS-CoV-2 (COVID-19) veio também lembrar a importância deste aspeto, infelizmente.

Por outro lado, com o avançar da idade, diminui tendencialmente a capacidade para desenvolver imunidade natural eficaz e duradoura, e mesmo os efeitos protetores de vacinas recebidas ao longo da vida podem ir-se perdendo com o tempo. Daí advém a necessidade de fazer reforço de algumas vacinas, como a do tétano. As vacinas desenvolvidas para administração em idosos ou outras pessoas imunossuprimidas podem incluir na sua formulação substâncias adjuvantes, que ajudam mesmo um sistema imunitário mais debilitado a criar e manter uma proteção adequada.

A Saúde de uma população cada vez mais envelhecida é um dos principais desafios da sociedade atualmente. A vacinação em idades avançadas tem como prioridade proteger contra infeções que podem ser mais frequentes ou mais graves nos idosos, promovendo melhoria do seu estado de saúde e qualidade de vida, e reduzindo a mortalidade por esta causa.

Recentemente, tem-se alertado para o risco da reativação do vírus varicela-zoster junto desta população. Que vírus é este e que complicações pode trazer nos mais idosos?

Tal como o nome indica, o vírus varicela-zoster (VVZ) é o agente causador da varicela, uma infeção extremamente frequente. Após o contacto inicial com este vírus, que ocorre quase sempre durante a infância, desenvolvem-se os sintomas característicos da varicela, de duração autolimitada. Depois desta primeira infeção, o VVZ, pertencente à família dos vírus “herpes”, aloja-se em células nervosas específicas e fica latente no organismo, podendo ocorrer a sua reativação em qualquer momento ao longo da vida, que causa outra forma de doença, chamada “herpes zoster” ou “zona”.

O risco de reativação do VVZ é superior nos idosos, não só pelo próprio efeito cumulativo da passagem do tempo, mas também pela sua maior fragilidade imunológica. Na população idosa, as manifestações clínicas da zona podem ainda ser mais graves e as complicações são mais frequentes.

A partir de que idade, se corre risco de desenvolver Zona?

A partir do momento em que uma pessoa contrai a infeção pelo VVZ e este agente permanece no organismo, a sua reativação pode ocorrer em qualquer fase da vida. Ou seja, a zona pode surgir em qualquer idade, embora seja mais frequente em idosos ou adultos. A importância da idade avançada para o desenvolvimento desta doença prende-se sobretudo com o estado imunológico da pessoa.

Importa clarificar que a zona não se desenvolve por contacto direto com alguém com esta doença, mas sim em virtude do próprio indivíduo ter tido varicela previamente.

Quais as principais manifestações desta doença infeciosa e como se trata?  

Habitualmente, a zona começa por se manifestar por sensações de prurido (comichão), picada, alterações da sensibilidade (formigueiro) ou dor, seguindo-se o aparecimento de várias lesões na pele na mesma localização. As manifestações cutâneas podem incluir vermelhidão (manchas ou pápulas), vesículas ou bolhas com conteúdo líquido e feridas. A dor é o sintoma mais típico da zona, podendo ser grave e debilitante. Qualquer área corporal pode ser afetada, sendo mais comum o atingimento (unilateral) do tronco ou da cabeça.

O tratamento da zona é feito com medicamentos antivirais, como o Aciclovir e o Valaciclovir, administrados por via sistémica (oral ou endovenosa), e deve ser iniciado precocemente, para minimizar os sintomas e o risco de complicações. Conforme as manifestações e a gravidade do quadro clínico, deve fazer-se também terapêutica analgésica para controlo da dor. As lesões da pele podem requerer tratamentos mais específicos, perante a presença de feridas ou atingimento de áreas sensíveis.

Quais as complicações associadas?

Embora a varicela resolva geralmente de forma espontânea e sem sequelas nas crianças e jovens, a zona associa-se frequentemente a complicações, de gravidade variável.

A complicação mais comum da zona é a dor, designada “nevralgia pós-herpética”, que pode persistir após o desaparecimento das lesões cutâneas e de forma crónica, sendo por vezes de difícil controlo e com importante impacto na qualidade de vida dos pacientes.

Podem também surgir complicações a nível da pele, como infeções bacterianas secundárias e cicatrizes.

Quando a zona afeta especificamente a face, existe risco de complicações potencialmente graves a nível dos olhos (incluindo cegueira), ouvidos e paralisia facial.

Apesar de raro, em casos graves pode ocorrer disseminação da infeção a nível cutâneo, bem como atingimento de outros órgãos, como o pulmão, o fígado e até o sistema nervoso central.

A morbilidade e mortalidade associadas à zona são mais elevadas em pessoas imunossuprimidas.

Estima-se que cerca de 30% destes doentes possam desenvolver Nevralgia Pós-Herpética (NPH). Em que consiste e qual o tratamento?

Durante a fase aguda, a dor é efetivamente o sintoma principal da zona. Esta dor tem características específicas, uma vez que resulta da inflamação associada à reativação do VVZ latente a nível de estruturas nervosas, designando-se “dor neuropática” ou “nevralgia”.

Numa proporção significativa de doentes com zona, a dor pode não desaparecer ao mesmo tempo que as lesões cutâneas, e tornar-se persistente durante semanas, meses ou anos, designando-se “nevralgia pós-herpética”. Os doentes podem referir-se a esta dor como sensações de picada, ardor, facada, choque elétrico ou queimadura.

A nevralgia pós-herpética é uma dor crónica, geralmente intensa e potencialmente debilitante, que afeta negativamente a qualidade de vida dos pacientes. O seu tratamento é desafiante, podendo incluir não só medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios clássicos, mas também anticonvulsivantes, antidepressivos, opióides, entre outros.

Uma vez que a Zona pode ser prevenida através da vacinação, quais as principais recomendações? Existe uma idade recomendada para vacinar?

Como referido anteriormente, qualquer pessoa que tenha tido varicela pode vir a desenvolver zona por reativação do VVZ ao longo da vida, embora esta doença tenda a ocorrer sobretudo em idades mais avançadas, em virtude do declínio da imunidade. Felizmente, nos últimos anos foi possível desenvolver vacinas para prevenir a zona e as suas complicações, nomeadamente a nevralgia pós-herpética.

A primeira vacina aprovada foi a Zostavax, que é constituída pelo vírus (VVZ) vivo atenuado, estando indicada para imunização de indivíduos com 50 ou mais anos de idade, com administração em dose única. Esta vacina está, porém, contraindicada em doentes imunossuprimidos por motivo de doença ou por toma de medicamentos.

Mais recentemente, foi desenvolvida e aprovada a Shingrix, uma vacina constituída por uma fração fundamental do VVZ (glicoproteína E) produzida pela tecnologia do DNA recombinante, combinada com um sistema adjuvante que aumenta a resposta imunitária específica. O esquema de vacinação consiste em 2 doses, administradas com intervalo de 2–6 meses habitualmente. Não sendo uma vacina “viva”, é considerada segura para administração em doentes imunossuprimidos. Esta vacina está, assim, indicada para a prevenção de zona não só em adultos com 50 anos ou mais, mas também em adultos com 18 anos de idade ou mais com risco aumentado para esta doença.

No âmbito deste tema, que ideias-chave devemos reter?

A infeção pelo VVZ ocorre frequente e precocemente sob a forma de varicela, podendo a posterior reativação deste vírus causar zona em qualquer fase da vida. Devido à progressiva perda de imunidade, as pessoas idosas têm maior risco de desenvolver esta doença, com manifestações e complicações potencialmente mais graves.

A propósito da “Semana Mundial da Imunização”, cabe lembrar que, graças aos progressos médico-científicos nesta área, a zona pode atualmente ser prevenida ou minimizada através da vacinação de adultos de risco, nomeadamente a população a partir dos 50 anos de idade.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.