Viver com Lúpus: “aprendi que não importa até onde eu chegue, mas para onde eu estou indo”
Tratando-se de uma doença autoimune e de etiologia multifatorial, em que fatores genéticos, hormonais, imunológicos e ambientais estão envolvidos, o Lúpus Eritematoso Sistémico apresenta características clínicas muito variáveis pelo que o seu diagnóstico nem sempre é fácil.
Isabel tinha 34 anos quando foi diagnosticada com a uma doença “completamente desconhecida”, com comprometimento do Sistema Nervoso Central.
Sem saber como lidar com os primeiros sintomas onde se incluíam ainda cansaço extremo e dores articulares, decidiu procurar ajuda médica, sempre atribuindo a sua condição ao stress.
“O meu médico não pensou que fosse esta doença pelo que tivemos de descartar várias hipóteses”, recorda revelando que o seu estado era de tal forma preocupante que se chegou a pensar que pudesse sofre de um tumor cerebral ou de um aneurisma “pela intensidade da dor que não cedia com medicação nenhuma”.
De entre os exames de diagnóstico conta que fez seis ressonâncias magnéticas no espaço de um mês. Descobriu que, por conta da doença, tinha tido um acidente vascular cerebral e que sofria de vasculite.
O diagnóstico chegou 6 meses depois dos primeiros exames, e, segundo própria, até foi uma sorte não ter demorado mais tal era a fragilidade do seu estado de saúde.
Admite, no entanto, que foi difícil saber que sofria de uma doença crónica, sem cura, e para a qual ainda faltam muitas respostas. “O meu maior medo era deixar de ver o meu filho crescer. Ele tinha 4 anos e a precisar tanto dos meus cuidados…”, recorda acrescentando, porém, que, embora se sentisse sem chão, decidiu que não havia tempo a perder. “Saí completamente da minha zona de conforto, mas na altura não tivemos muito tempo de perguntas e respostas, tínhamos de agir perante a gravidade da minha condição”, conta.
Devido à doença, Isabel teve de reestruturar toda a sua vida. “Foi como se a nossa casa tivesse ruído… era muito difícil efetuar as minhas tarefas diárias”, recorda. Na altura teve de abandonar o trabalho e reaprender a viver. “Vivo com dor 24 horas por dia, deixei de ter vida social”, lamenta admitindo, no entanto, que tenta manter-se ativa o mais que pode. “Hoje trabalho ainda muito com o contacto das escolas na divulgação de atividades educativas, mas tive de pedir condições melhoradas, como redução de horário de trabalho, já que graças à doença me foi atribuído um grau de incapacidade de 60%”, conta.
Ao longo dos 16 anos deste diagnóstico diz ter já feito inúmeros tratamentos e passado por vários internamentos. Destaca “as doses cavalares de medicamentos (…) as doses elevadas de cortisona, muitos anti-inflamatórios, imunossupressores, antimaláricos” e até quimioterapia em ciclos de 3 em 3 semanas, “4 a 6 horas por sessão”, para controlar os surtos. Segundo explica, este método terapêutico é essencial à sua condição uma vez que existe comprometimento do sistema nervoso central.
“No meio disto tudo existem os efeitos colaterais da medicação… muitas vezes deixamos de ser nós próprios”, lamenta. Falta de concentração, dificuldades motoras ou cognitivas e ansiedade são alguns dos efeitos que o tratamento provoca no seu organismo. Apesar disso, como guerreira que é, acredita que um dia ainda vai olhar para trás e ver que os seus problemas não são mais que pequenos degraus que a vão a ajudar a sair desta batalha vitoriosa. “São as dificuldades e obstáculos que me tornam mais forte todos os dias”, diz convicta.
Mais informação e a palavra esperança
Isabel lamenta que o Lúpus ainda seja uma doença “invisível” aos olhos da sociedade. Parla além da falta de informação, garante que a comunidade não está devidamente sensibilizada para uma patologia como esta. “Deveriam haver mais ações de sensibilização sobre esta patologia. Por incrível que pareça, não existem sequer folhetos informativos nos hospitais ou centros de saúde sobre a doença”, revela.
Por outro lado, diz que o acesso às consultas de especialidade deveria ser mais rápido, mais acessível. “Eu tenho a sorte de ter os meus médicos sempre disponíveis e isso é algo que me tranquiliza bastante e também por isso achei a necessidade de criar um grupo sobre a doença no Facebook que se chama «Lupus- as guerreiras sem espadas» para que possa haver uma troca de partilha de experiências, apoio, informação”, esclarece.
“Ajudar é fundamental e faço a referência nesta entrevista do papel extremamente interventivo da associação de doentes com Lúpus que tanto me ajudou a compreender a doença”, acrescenta.
Revela ainda que as palavras de esperança são essenciais no trajeto destes doentes. “Uma das coisas que me poderia ter ajudado no decurso da doença era terem-me dado uma palavra de esperança… de que tanto precisei ao longo de todo este processo”, refere.
No entanto, tal como aconteceu no seu caso, garante que é essencial aceitar a condição e não cruzar os braços. Os outros são importantes, mas só o doente determina o modo como vive a doença. “A dor fez-me crescer e aprendi que o que importa não é o que eu tenho na vida, mas quem eu tenho na vida. Aprendi que não importa até onde eu chegue, mas para onde eu estou indo”, diz
A todos os doentes deixa uma mensagem: “nunca perder a esperança e a resiliência. As regras do jogo da nossa vida somos nós que as fazemos”. “Abracem a vida sem receio, a vida é de quem se atreve a viver”.