Vacinação: uma das maiores conquistas da Saúde
A origem da primeira vacinação
Desde sempre a comunidade científica procurou prevenir doenças contagiosas e não apenas trata-las. A origem da era moderna da vacinação é atribuída ao médico inglês E. Jenner pela publicação, em 1798, de resultados da eficácia da vacina na prevenção da varíola em humanos.
À época, um problema de saúde pública, com grandes epidemias e surtos nos diferentes continentes e períodos da história, dizimando a população1.
O trabalho de Jenner consistiu em verificar que apesar das epidemias e surtos de varíola, havia sempre um estrato profissional que sistematicamente nunca contraia a doença. Eram os agricultores que ordenhavam as vacas (leiteiros). Constatou que estes apesar de portadores da varíola (das vacas) – a chamada cowpox - esta era menos grave que a humana. Foi neste contexto que começou o estudo, ao intensionalmente inocular com a varíola (pus das pústulas de indivíduos contaminados) determinadas pessoas saudáveis com o objetivo de as proteger da doença. Ao inocular por esta via, verificou que as reações eram semelhantes às da doença, mas significativamente menos graves e que estes indivíduos ficavam definitivamente protegidos contra à doença, confirmando os resultados. E, assim nasceu a primeira vacina.
Curiosamente, o termo vacina provém do latim Vaccinae, que significa proveniente “de vaca”. Como a sua origem é, justamente, na vaca, este termo passou a ser difundido.
Contudo, foi posteriormente com L. Pasteur que se deu a explosão do conhecimento com a descoberta da atenuação da virulência de agentes, traduzida pela descrição das vacinas contra a raiva e o antraz.
O que é uma vacina?
As vacinas são preparações de antigénios (partículas estranhas ao organismo), como, por exemplo, proteínas, toxoides (toxinas inativadas), bactérias, ou vírus (partes, inteiras, atenuadas ou mortos), que ao serem administradas no organismo humano produzem uma reação semelhante à que existiria no caso de uma infeção real provocada pelo mesmo agente infecioso. Trata-se de uma resposta imunitária protetora específica.
Iniciando-se deste modo a produção de anticorpos e, consequentemente, o organismo passa a estar imune às doenças que esse agente poderia provocar.
Imunização
A imunização é o processo de aquisição de imunidade após a administração de uma substância imunologia. Consiste na capacidade do corpo humano se defender eficazmente de um antigénio. Os sistemas de defesa do organismo são complexos e incluem mecanismos inatos e adquiridos. Os primeiros estão presentes desde o nascimento e incluem barreiras fisiológicas (pele, mucosa e membranas), químicas (exemplo: secreção de ácido gástrico) e células fagocitárias do sistema imunitário. A imunidade adquirida é específica a cada individuo e pode ser ativa, pela produção de anticorpos através de vacinas ou toxoides e é, por norma, de longa duração ou passiva, pelo fornecimento de imunidade temporária conseguida pela administração de anticorpos pré-formados2.
Imunidade de grupo
A imunidade de grupo depende de uma elevada taxa de cobertura vacinal de uma determinada população, permitindo a interrupção da circulação desse agente infecioso.
Assim, a vacinação tem o benefício direto para os indivíduos vacinados e indireto para a comunidade onde esses mesmos indivíduos estão inseridos.
Tipos de Vacinas
Consideram-se em geral três grandes tipos de vacinas:
Vacinas vivas atenuadas - contêm estirpes modificadas de um agente patogénico
(bactéria ou vírus), que foram enfraquecidas por meio de passagens por um hospedeiro não natural, ou por um meio que lhe seja desfavorável. Estas estirpes mantêm a capacidade de se multiplicar dentro do hospedeiro e continuar a ser suficientemente antigénicas para induzir uma forte resposta imunitária. Como exemplo temos a vacina contra a varicela-zoster, o vírus da poliomielite (anterior vacina oral) e a vacina contra o vírus da febre-amarela. As Vacinas heterólogas, subgrupo de vacinas vivas atenuadas, são produzidas a partir de estirpes que são patogénicas em animais, mas não em pessoas.
O único exemplo até à data é o vírus da varíola das vacas que protege contra o vírus da varíola humana.
Vacinas mortas/inativadas – o agente bacteriano ou viral é “morto” ou inativado através de tratamento químico (por exemplo formaldeído) ou por calor. Exemplos deste tipo de vacinas são o vírus da poliomielite (injetável), do pertussis (Pw), da raiva e da hepatite A.
Vacinas subunitárias – contêm frações ou subunidades do agente infecioso (bacteriano ou viral) selecionado devido à sua capacidade de iniciar uma resposta imunitária específica. Exemplo: a vacina contra o Haemophilus influenza do serotipo b. As toxoides são um importante grupo de vacinas subunitárias, como a toxoide da difteria, que contêm uma toxina bacteriana quimicamente modificada, que mantém as suas propriedades imunogénicas, estimulando a formação de anticorpos.
A vacinação em Portugal
A história da vacinação em Portugal está intimamente relacionada com as “bexigas”, flagelo mais devastador de toda a história da humanidade, causando milhares de mortes na europa ao longo dos séculos XVIII e XIX. Em 1812, é fundada na Academia Real das Ciências de Lisboa, impulsionada por Bernardino António Gomes, a Instituição
Vacínica, que tinha como objetivo divulgar a aplicação da vacina contra a varíola3. As primeiras crianças a serem vacinadas foram os órfãos da Casa Pia, por se tratarem de “filhos do Estados”, poderem deslocar-se facilmente aos locais de vacinação e provavelmente porque não tinham familiares a reclamar, caso houvesse algum problema ou efeito secundário4.
Assim, em 1817, já existiam cerca de vinte mil pessoas vacinadas em Portugal.
Seguindo-se um inexplicável declínio, pois havia uma consciência da importância da vacinação, por parte de determinados grupos sociais, nomeadamente médicos e políticos, na redução da taxa de mortalidade e aumento da esperança de vida, defendendo que a vacinação deveria ser universal e gratuita3.
Objetivos da vacinação
A vacinação, ao longo dos anos, tem possibilitado uma redução da morbilidade e mortalidade das diversas patologias evitáveis pelas vacinas, aumentando assim, a qualidade e a esperança de vida das populações.
São assim objetivos da vacinação: reduzir o número de casos de doença, reduzir a circulação do agente; reduzir o risco de infeção; reduzir o número de indivíduos suscetíveis; vacinar um elevado número da população de forma a atingir a imunidade de grupo.
Programa Nacional de Vacinação (PNV)
Após a introdução de vacina contra a varíola, seguiu-se a antitetânica e antidiftérica (1962)2. Surgindo a implementação do PNV em 1965, através do Decreto-Lei nº 46628, de 5 de novembro de 1965, totalmente financiado e da responsabilidade do Ministério da Saúde. Trata-se de um programa universal, gratuito e acessível para todas as pessoas presentes em Portugal. Engloba as vacinas consideradas de primeira linha, isto é, aquelas de cuja aplicação se obtêm os maiores ganhos de saúde. O PNV em Portugal tem sido uma história de sucesso ao longo dos anos, coordenado pela Direção Geral da Saúde, mas a sua concretização, amplamente reconhecida, deve-se ao empenho dos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros. Relevante é falar da população portuguesa que reconhece e confia nesses mesmos profissionais e na importância da vacinação, permitindo poupar não só muitas vidas humanas, como evitar consequências graves, em particular nas crianças. Em simultâneo foi criado o Boletim Individual de Saúde, ou seja, um pequeno “livro” onde eram registadas as vacinas e que ficava na possa do utente.
Desde então foram realizadas campanhas de vacinação de larga escala, em complemento do PNV. São exemplo disto as campanhas de vacinação contra a poliomielite (1965/1967), o sarampo (1973/1977 e 1998/2000), a doença invasiva meningocócica (2006/2007) e a infeção por HPV (2009/2011)5.
Atualmente encontra-se erradicada a varíola (desde 1980), eliminadas a poliomielite, a difteria, o sarampo, a rubéola e o tétano neonatal e controladas o tétano, a neisseria meningitidis do serogrupo C, a heamophilus Influenza tipo b, a parotidite epidémica, a tosse convulsa e a tuberculose5.
O grande desafio que se coloca hoje é o controlo do cancro do colo do útero (HPV) e do Streptococcus pneumoniae5 e a manutenção ou melhor ainda o aumento das elevadas taxas de cobertura vacinal, sobretudo na infância, situadas em 95%.
Evolução do PNV em Portugal
Conclusão
A vacinação, como foi referido, é inquestionavelmente uma história de sucesso na redução da morbilidade e da mortalidade pelas doenças-alvo de vacinação ao longo dos anos, graças à eficácia das mesmas. Estas permitem “salvar mais vidas e prevenir mais casos de doenças do que qualquer tratamento médico” 6-3 e a implementação do PNV em Portugal tem vindo a ser responsável por uma significativa melhoria do estado de saúde das populações.
Todo este sucesso da vacinação deve-se aos profissionais de saúde, em particular aos enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários, pelo empenho na divulgação, motivação às famílias e aproveitarem todas as oportunidades de vacinar.
Referências:
1RIEDEL, S (2005). Edward Jenner and the History of smallpox and vaccination, Baylor University Medical Center Proceeding, 18:1; 21-25.
2FELICIANO, J (2002). A vacinação e a sua história. Cadernos da Direção Geral da Saúde, 2: 3-7.
3BRAGA, I (2001). Assistência, Saúde Pública e prática médica em Portugal (séculos XV – XIX). Lisboa: Universitária Editora
4CRESPO, J (1990). A história do corpo. Lisboa: Difel.
5Portugal, DGS, ano I, nº1, fevereiro 2017. Atualização do Programa Nacional de Vacinação: PNV 2017. [Em linha]. [Consul. 05 Maio 2019]. Disponível em file:///C:/Users/ceuaz/Downloads/seriesdgs_web%20(2).pdf
6Portugal, DGS (2012). Programa Nacional de Vacinação 2012. Lisboa: DGS