Violência Doméstica
O estudo “Violência Doméstica: Tipologia, Características e Períodos de Ocorrência da Agressão” procura analisar este fenómeno, com base na consulta do Processo Clínico de vítimas admitidas no Serviço de Urgência do HST-EPE, entre 2007 e 2010, com queixas configuradas na definição legal de Violência Doméstica (VD).
Trata-se de um estudo de corte transversal, quantitativo, assente em análise descritiva, numa amostra de 121 vítimas de Violência Domestica, que visa caracterizar as vítimas, o agressor e o espaço temporal de ocorrência.
Apurou-se que a maioria dos episódios de VD ocorrem à noite (39,7%) e fim-de-semana (38%), vítimas e agressores são cônjuges/companheiros (68,6%) e a violência física (75,2%) é a mais frequente, sendo as “bofetadas, murros, cabeçadas e pontapés” a agressão mais encontrada (52,9%). As lesões mais observadas foram, a “abrasão, escoriação, contusão, laceração e traumatismo” (94%), localizadas na “cabeça e pescoço” (68,3%), utilizando “cotovelos, cabeça, mãos e pés” do agressor, (40,5%).
Face à problemática estudada inferimos ser imperioso reforçar a investigação e monitorização do fenómeno, a qualificação de profissionais envolvidos, a sensibilização e educação da população, a promoção da segurança das vítimas e prevenção da reincidência, através da avaliação de risco e intervenções dirigidas aos agressores.
1 - Introdução
“Em 2010, 31 679 mulheres tropeçaram e bateram em cheio na maçaneta da porta”. Este é o slogan de uma campanha recente da APAV e os números são dados de 2010, das Estatísticas Oficiais da Justiça - Direcção-Geral da Política de Justiça e APAV. Por sua vez os dados que o “Observatório de Mulheres Assassinadas” publica, na página em linha da UMAR e para o mesmo período de tempo que a presente análise estuda, um total de 140 homicídios em contexto de Violência Doméstica (VD).
A prevalência da violência no seio conjugal, e particularmente a que vitimiza a mulher, não é um problema exclusivo das sociedades modernas. É um fenómeno que radica em práticas e costumes seculares, legitimadas ao longo dos tempos, a coberto dos cânones da tradição, da cultura, do silêncio cúmplice de testemunhas e do silêncio coagido da maior parte das vítimas. (Lisboa, 2005)
A problemática da VD é, pois, uma realidade histórica, cultural e social que assume uma expressão, cada vez mais dramática, na sociedade portuguesa pelo crescente e preocupante número de casos divulgados. Identificar os processos de violência a que estão sujeitas as pessoas vulneráveis e avaliar as condições da sua ocorrência no contexto da vida familiar e institucional de modo a prevenir futuras situações, requer o domínio de instrumentos de diagnóstico e avaliação sobre o problema.
As sociedades actuais encerram um potencial crescente de violência, o qual é, de certa forma, massificado e até trivializado, no eco que encontra não só nos media mas também e felizmente, na curiosidade e interesse de investigadores.
Apesar da comunicação social, de uma forma mais ou menos sensacionalista, ter banalizado o tema, ao torná-lo omnipresente nos seus relatos dramáticos, as estatísticas são preocupantes. A violência conjugal e, genericamente, a VD é, sem dúvida, um problema social antigo, que continua a exigir uma resposta actual e acutilante, com intervenções eficazes e assertivas, apenas possíveis se assentes nos contributos sérios de vários saberes e ciências humanas.
A violência no seio familiar é um fenómeno que preocupa a população em geral e em particular, e mais militantemente, as várias organizações governamentais e não-governamentais responsáveis que, no terreno, cerram fileiras no mais contumaz combate.
Em 1997, um estudo efectuado pela OMS em 10 países (Brasil, Etiópia, Japão, Sérvia e Montenegro, entre outros) demonstrou que a violência doméstica é um fenómeno universal e transversal, que ocorre em todas as culturas e regiões (WHO, 2005). No referente às mulheres de todo o mundo, mais de 70% foram já vítimas de VD em alguma altura das suas vidas (WHO, 2011). O Relatório Mundial Sobre Saúde e Violência atesta que, na sua maioria, as mortes ocorrem em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos e apenas 10% destas ocorre em países desenvolvidos (Dalhberg et al., 2002). Estes autores verificaram ainda que, tal como outros problemas de saúde, a violência não se distribui uniformemente pela população. Em 77% dos homicídios verificados em 2000, as vítimas foram homens, o que representa uma taxa três vezes superior à das mulheres. Relativamente às taxas de homicídios de mulheres, em países como Austrália, Canadá, Israel, África do Sul e EUA, calculam que entre 40 a 70% das vítimas femininas foram assassinadas pelos seus maridos, companheiros ou namorados, frequentemente num contexto de relacionamentos abusivos (Dalhberg et al., 2002).
Heise e Garcia-Moreno (2002), também salientam que uma das formas mais comuns da prática de violência contra mulheres é exercida por maridos ou parceiros íntimos, ao contrário do que ocorre com os homens, cuja violência parte de estranhos. O facto das mulheres se encontrarem emocional e economicamente dependentes dos agressores tem implicações específicas no contexto do abuso e nas estratégias para lidar com o problema. Por conseguinte, os abusos sexuais e físicos ocorrem diariamente em todo mundo e a maior parte destes eventos ocorre em casa, no local de trabalho e, até mesmo, nas instituições de saúde e sociais que deveriam proteger as vítimas.
Em Portugal, o primeiro Inquérito Nacional sobre Violência contra Mulheres foi realizado em 1995 (Lourenço; Lisboa; Pais, 1997), encontrando-se uma prevalência de 52,5% para, pelo menos, um tipo de violência (física, psicológica, sexual e discriminação sócio-cultural). Por outro lado, o espaço onde ocorrem as agressões
mais frequentemente é em casa (43%), seguido do espaço público (34%) e o local de trabalho (16%).
A violência contra pessoas consideradas vulneráveis, tais como mulheres, crianças e idosos, é um problema social com crescente visibilidade e expressão na sociedade portuguesa expressa pelo número de casos identificados e divulgados. A referenciação destes processos de violência contra pessoas, consideradas vulneráveis, bem como a avaliação das condições da sua ocorrência permite, no contexto da vida familiar e institucional, prevenir situações futuras.
Assumindo-se a VD como um flagelo social que se tem perpetuado ao longo dos tempos exige respostas e intervenções eficazes e assertivas. Por outro lado, sendo um fenómeno é de natureza multifacetada e apenas compreensível à luz de uma perspectiva inter e multidisciplinar, a investigação a que nos propomos neste trabalho socorre-se, igualmente, dos contributos dos vários saberes e ciências humanas.
2 - Violência doméstica: do enquadramento histórico à tipificação criminal
A Violência Doméstica é um fenómeno sociocultural secular, de tipologia complexa e diversificada, onde confluem e interagem, como afirma Costa (2003), uma plêiade de factores de ordem social, cultural, psicológica, ideológica e económica, entre outros. Por outro lado é também uma entidade que configura uma grave violação dos direitos humanos, tal como é definida na Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas, que considera a violência contra as mulheres, um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz, violando, dificultando ou anulando o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais (Portugal, Resolução do Conselho de Ministros N.º 100/2010).
O primeiro caso oficial de maus-tratos físicos ocorreu contra uma criança, nos EUA, no ano de 1874, quando uma menina, Mary Ellen, era espancada pela madrasta e foi encaminhada, à falta de melhor, à Sociedade de Prevenção de Crueldade contra Animais. Com o pragmatismo pujante e o alicerce humanista e liberal da jovem democracia americana, no ano seguinte, foi criada, em Nova Iorque, a Sociedade de Prevenção de Crueldade contra Crianças (Chaves, 2009).
Em Portugal, só a partir da década de oitenta do século passado é que a VD foi reconhecida, como um problema social. Tal como tinha sucedido noutros países, foi a comunidade pediátrica que primeiramente alertou para o problema, ao denunciar os maus tratos infligidos a crianças. (Dias, 2000). Em 1962, C. Henry Kempe e colaboradores publicaram no Journal of the American Medical Association um estudo sobre a síndrome da criança agredida alertando, pela primeira vez, a atenção da opinião pública e a comunidade científica para o problema (Azambuja e Nogueira, 2008).
Quanto às mulheres, a violência a que estavam sujeitas nos seus próprios lares, apenas podia contar, até à década de noventa, com a denúncia e apoio de organizações não governamentais e só a partir dessa época é que começa a ser produzida legislação especificamente orientada para as vítimas de VD dando
resposta, não só, a um problema com crescente consciencialização social, como também subscrevendo o conjunto das recomendações europeias desenvolvidas no domínio desta problemática.
Considera-se violência doméstica
“(…) qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital” (MACHADO; GONÇALVES, 2003).
A VD, na sua definição, abrange diversas espécies de violência, como a violência conjugal, violência contra crianças, violência contra idosos, contra o ex-conjugue ou contra o progenitor e/ou descendente em primeiro grau (Ferreira, 2005). Assume assim todas as formas de abuso que ocorrem nas relações entre os membros de uma família (Corsi, 1999). Em Portugal, segundo a definição proposta pela Comissão de Peritos para o Acompanhamento de Execução do Plano Nacional contra a Violência Doméstica entende-se por VD:
“Qualquer conduta ou omissão que inflija, reiteradamente, sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coação ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico ou que, não habitando, seja cônjuge/companheiro ou ex-cônjuge/ex-companheiro, bem como ascendentes ou descendentes” (Portugal, 2000)
Uma das alterações mais radicais e recentes que a sociedade portuguesa conheceu prende-se com a transformação da condição e estatuto da mulher, nomeadamente a nível do acesso ao ensino, emprego, família, entre outras, apesar de persistir, no entanto, ainda uma certa desvalorização social e até política de
algumas das tarefas que cultural e tradicionalmente lhes estão atribuídas, tanto na esfera privada, como na pública (Alarcão, 2000).
2.1 - Caracterização da violência doméstica em Portugal
O relatório anual da APAV divulga que, no ano de 2010 em Portugal, houve 6932 casos de violência doméstica reportados para esta entidade. Destes, 56 casos ocorreram em Viseu, representando 0,8% do total de casos (APAV, 2011).
Os distritos onde se regista um maior número de episódios denunciados são Lisboa e Porto, com uma frequência de 17,8% e 8,6%, respectivamente, o que poderá ser entendido pela maior densidade populacional e também uma cultura social mais sensibilizada para a criminalização da violência conjugal (APAV, 2011).
A tendência em Portugal é para que a VD seja exercida essencialmente em mulheres, cerca de 87%, na faixa etária entre os 26 e 45 anos de idade (26,1%), já que apenas 23% dos casos ocorrem na população masculina (APAV, 2011).
Em termos familiares, o estado civil casado prevalece, com uma frequência de 39,4%, seguido do estado civil solteira/o, com uma representação de 18,6%. Por sua vez, o tipo de família nuclear com filhos apresenta uma percentagem muito significativa, representando 50,2% dos casos, face a famílias monoparentais (11%) ou sem filhos (5,7%), (APAV, 2011).
É de salientar que o grau de escolaridade das vítimas que procuraram a APAV em 2010 se distribui de forma muito equitativa, embora seja o nível de ensino superior que apresentava valores ligeiramente acima dos restantes, com cerca de 6,6% dos casos registados (APAV, 2011).
A maioria das vítimas encontrava-se numa situação económica estável, sendo que apenas 2% era doméstica e 15,6% era desempregada, contrastando com os 33% que se encontravam empregadas e têm como principal meio de vida o rendimento do trabalho por conta de outrem (25,2%) (APAV, 2011).
A existência de laços familiares entre o agressor e a vítima são as situações mais comummente encontradas. Em termos relacionais, a maior incidência verifica-
se entre cônjuges/companheiros, com uma representação de 48,5% dos registos (APAV, 2011).
O Relatório de Monitorização – Violência Doméstica – 1º Semestre de 2011 apresenta um registo de 14508 participações de VD pelas forças de segurança que, embora não sendo homogéneo para a PSP e para a GNR, correspondendo globalmente a um valor médio de 2418 participações por mês e 80 por dia, o que revela uma inversão de tendência (-4,6%) relativamente ao período homólogo de 2010 (Portugal, 2011).
Os registos que apresentam maior número de participações continuam a ser o de Lisboa e Porto e verifica-se que, no período em análise, o mês em que se registaram mais ocorrências foi Maio (18,0%,). Os dias da semana com maior número de ocorrências são o Sábado e Domingo (16,4% e 18,2% respectivamente) e o período do dia é à Noite – 19:00H às 00:00H – com 45,8% das ocorrências. A violência de tipo físico esteve presente em 73,0% das situações, a psicológica em 78%, a sexual em quase 2%, a económica em 6% e a social em 9%. As consequências para a vítima foram “ferimentos ligeiros” (48,0%) e em 51,0% dos casos foi registada a ausência de lesões. Em cerca de 1,0% dos casos os ferimentos resultantes foram graves ou resultaram na morte da vítima. Segundo os dados do Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR, este ano, em Portugal, já morreram 23 mulheres, vítimas de VD. Em consonância com os dados dos anos anteriores, a larga maioria das vítimas era do sexo feminino (85%) e os/as denunciados/as do sexo masculino (88%) (Portugal, 2011).
Cerca de 85% das vítimas tinha nacionalidade portuguesa e no que diz respeito à idade, as vítimas encontravam-se no grupo etário dos 25 a 64 anos (77,0%), com idades médias de 40 anos (dp =17) (portugal, 2011).
Em termos do estado civil das vítimas, 50% eram casadas ou viviam em união de facto e tinham, na ocasião da participação da ocorrência, uma relação conjugal com o/a agressor/a (62,0%). Em termos de situação profissional, 50,0% das vítimas encontrava-se empregada, 22,0% estavam desempregadas, cerca de 12,0% eram domésticas, 10,0% eram reformadas ou pensionistas e as vítimas estudantes representavam cerca de 8,0% (Portugal, 2011).
O estudo da vitimização e a tipificação da acção importam para a compreensão do fenómeno da VD. Relativamente a esta temática, importa salientar que a vitimização continuada é uma característica presente em 70,0% dos casos, sendo as situações pontuais bastante residuais (9,0%). Por vitimização continuada entende-se a vitimação reiterada no tempo, de um determinado crime. Reflectindo a vitimização continuada, a APAV registou que 26,1% dos crimes já se registavam a mais de dois anos (APAV, 2011).
O local de crime mais assinalado é a residência comum, em 56,1% dos casos, enquanto em apenas 0,1% dos casos se verifica a agressão em unidades de saúde (APAV, 2011)
Dos casos reportados à APAV, 34,0% foram reportados às autoridades responsáveis, ou seja, foi efectuada denúncia/queixa junto de uma das autoridades competentes aquando o primeiro contacto com a instituição. Atendendo aos locais de queixa/denúncia assinalados, aproximadamente 40,4% destas foram efectuadas à PSP, seguindo-se da GNR, com 25,5% das ocorrências (APAV, 2011).
2.2 - Tipos de violência e enquadramento legal do crime de violência doméstica
A Lei nº 7/2000, de 27 de Maio (LEI N.º7/2000) altera o CP e o CPP, no que se refere à regulamentação de alguns aspectos relativos ao crime de maus-tratos. Representa, por si só, uma conquista civilizacional, uma vez que, através dela, o ordenamento jurídico português passa a consagrar a natureza pública, aos crimes de VD, rejeitando definitivamente a concepção tradicionalista da inviolabilidade da vida conjugal. Com esta alteração social e juridicamente fracturante, o procedimento criminal, para este tipo de crimes, já não depende da queixa da vítima, bastando a denúncia ou o simples conhecimento do crime, para que o Ministério Público accione o processo (Ferreira, 2005).
A APAV (2011) advoga que o crime de VD pode ser distinguido em VD em sentido estrito, que representa os actos criminais enquadráveis no art. 152º do CPP: maus-tratos físicos e psíquicos, ameaças, coacção, injúrias, difamação e ofensas sexuais e VD em sentido lato, que engloba outros crimes em contacto doméstico, como a violação de
domicílio ou perturbação da vida privada, bem como a devassa da vida privada (através de imagens, conversas telefónicas, e-mails, revelação de segredos e/ou factos privados, entre outros), violação de correspondência ou de telecomunicações, violência sexual, subtracção de menor, violação da obrigação de alimento, homicídio na forma tentada ou consumada, dano e furto ou roubo.
Ao encontro desta definição, é possível afirmar que, no âmbito do crime de VD, os registos mais frequentes realizados, pela APAV em 2010, referem-se aos maus tratos físicos (30,0%) e maus tratos psicológicos (36,8%).
A VD abrange múltiplas formas de violência que atingem os cônjuges ou companheiros. Dessas formas de violência, que incluem a violência física, a violência psíquica e a violência sexual, Machado e Gonçalves (2003), elencam as seguintes:
- Coagir e ameaçar: Ameaçar provocar lesões à vítima; ameaçar abandonar, suicidar-se, queixar-se do cônjuge à segurança social; coagir para a prática de condutas ilícitas.
- Intimidar: Atemorizar através de olhares, actos e comportamentos; quebrar objectos; destruir pertences ou objectos pessoais da vítima; maltratar animais domésticos; exibir armas.
- Violência emocional: Desmoralizar; destruir a auto-estima do outro; insultar e humilhar; fazer com que o outro se sinta diminuído mentalmente, ou culpado.
- Isolar: Controlar a vida do outro, querendo saber com quem fala, vigiar aparelhos de comunicação, as deslocações; limitar o envolvimento externo do outro; utilizar o ciúme como justificação do isolamento; minimizar, negar, condenar; desvalorizar o acto de violência e não atender às preocupações da vítima; negar as agressões ou actos de violência; transferir para a vítima a culpa pelo acto de violência; instrumentalizar os filhos; fazer a vítima sentir-se culpada, em relação aos filhos; usar os filhos para passar mensagens; ameaçar retirar os filhos.
- “Privilégios” machistas: Tratar a mulher como uma empregada doméstica; não atender à opinião do outro na tomada de decisões importantes; definir qual o papel do homem e da mulher.
- Violência económica: Impedir que o outro tenha ou mantenha um emprego; forçar o pedido de dinheiro; atribuir uma mesada; retirar o dinheiro do outro; esconder do outro a realidade financeira familiar.
O conhecimento do Ciclo de Violência é muito importante para a interpretação e compreensão da agressão conjugal, uma vez que na sua generalidade a agressão obedece a um padrão e é continuada ao longo do tempo (Sanmartín, 2000).
A maioria dos especialistas que estuda o fenómeno de violência conjugal acredita que este possui uma matriz cíclica, de intensidade crescente, cujas de evolução são:
a. Fase de acumulação de tensão: Identifica-se a ocorrência de pequenos episódios geradores de conflito, que se vão intensificando e tornando mais frequente ao longo do tempo, originando um clima de grande ansiedade e hostilidade.
b. Fase do ataque violento: A explosão ocorre, com libertação de tensão, hostilidade e ansiedade acumuladas e que se descarregam de forma violenta, variando na sua gravidade.
c. Fase do apaziguamento ou “Lua-de-mel”: Nesta fase o agressor demonstra arrependimento perante a vítima e compromete-se a não repetir o comportamento violento.
Este ciclo inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, volta a iniciar-se e à medida que o tempo passa, os ciclos tornam-se cada vez mais voláteis, menos espaçados e a fase de agressão torna-se cada vez mais violenta (Portugal, 2003 apud Alves, 2005).
2.3 - A simetria de género no âmbito da violência conjugal
A violência conjugal não se resume à violência da qual a mulher é a vítima mais comum. Hoje sabemos que também há homens vítimas de violência conjugal, em relações heterossexuais (Lisboa; Barroso; Marteleira, 2005).
Apesar da VD atingir indiscriminadamente qualquer dos elementos do agregado familiar, a realidade mostra que as mulheres constituem o grupo sobre o qual se continua a verificar a maior parte das ocorrências. No entanto e apesar disto, a questão da simetria de género, no âmbito fenómeno da VD tem vindo a ganhar espaço no seio do debate científico.
A questão de se averiguar quem é que assume um papel preponderantemente agressor, no seio da união conjugal heterossexual tem suscitado as mais sortidas respostas, já que estas variam, em função das filiações teóricas dos investigadores envolvidos, das respectivas metodologias adoptadas e das populações-alvo analisadas.
Até aos dias de hoje, o conceito dominante sobre o fenómeno da VD tem partido do pressuposto da maior propensão masculina para a violência, sendo esta quase sempre entendida, mesmo no âmbito da VD, apenas na sua dimensão física. De facto a VD tem vindo quase sempre a ser entendida como conjugal e frequentemente associada à mulher vítima de maus-tratos, o que é um facto não subestimável, já que as pesquisas efectuadas neste âmbito começaram por ter um pendor e empenho feminista preponderante. No entanto, mais tarde, como nota Casimiro (2008), a par da abordagem feminista, que se dedicou a estudar o fenómeno, no quadro da cultura machista dominante, surge nos EUA, uma nova perspectiva desenhada por sociólogos, psicólogos, terapeutas familiares e criminologistas (family violence researchers), que entendem a violência entre cônjuges como uma realidade, multifacetada e ainda mais complexa, onde o recurso à violência tanto pode partir do homem como da mulher.
Nesta linha de investigação e ao contrário do que era tradicional, Straus (1979) identificou três tipos de estratégias, mais frequentemente utilizadas por homens e mulheres, na resolução dos conflitos, como a discussão e argumentação racional, a agressão verbal (com insultos e ameaças) e a violência, com uso explícito de força física.
A investigação de Straus (1979), ao contrário das de outros autores, que se objectivavam especificamente sobre indivíduos que se sabia à priori terem sido vítimas de alguma forma de violência no seio conjugal, eram dirigidos à população em geral, contemplando indiscriminadamente, homens e mulheres, tornando o estudo menos enviesado e permitindo ao autor concluir que, no seio conjugal, as esposas/companheiras são tão, ou mais violentas que os maridos/companheiros. Outros estudos se seguiram, nas décadas subsequentes, em outros países que não apenas os EUA, empregando igualmente as CTS de Straus (1979) e têm vindo a corroborar que a realidade revelada, das agressões exercidas por mulheres sobre os homens, pode ser entendida como um fenómeno social idêntico, em natureza e magnitude, ao das mulheres maltratadas.
No entanto, o modelo teórico dos investigadores filiados na perspectiva feminista, no qual o homem é assumido, invariavelmente, como agressor e detentor do poder e a mulher em subordinação e no papel de vítima continua a ser válido para explicar as formas de VD severas como, por exemplo, o “terrorismo patriarcal” (Johnson, 2005) porém somos levados a concordar com Fergusson et al. (2002), quando defendem que este modelo já não é suficientemente satisfatório para explicar a plenitude multifacetada do fenómeno da VD, uma vez que a violência física e psicológica no seio conjugal pode, em alguns casos, não ser apenas uma questão de género e sim estar relacionada com a própria dinâmica relacional conjugal (Widmer et al., 2006).
Nesta perspectiva somos concordantes com Casimiro (2008) quando afirma que, “No casal, a violência pode assumir um carácter de simetria bilateral, uma vez que tanto os homens como as mulheres podem ser agressores ou agredidos.”
3 – Material e métodos
O estudo “Violência Doméstica: Tipologia, Características e Períodos de Ocorrência da Agressão” analisa o fenómeno da VD, a partir do acesso aos Processos Clínicos (PC) referentes a admissões no Serviço de Urgência (SU) do HST-EPE, actual CHTV- EPE, entre 2007 e 2010 e que se inscrevem taxonomicamente na definição plasmada no nº 2 do Artigo 152º do CP.
A inexistência de investigação significativa sobre VD no distrito de Viseu justifica o desenvolvimento do estudo “Violência Doméstica: Tipologia, Características e Períodos de Ocorrência da Agressão”, que procurou traçar o perfil das vítimas de VD que recorreram ao SU do CHTV, no quadriénio entre Junho de 2007 a Dezembro de 2010.
3.1 - Tipo de estudo
O estudo descritivo, de natureza retrospectiva transversal foi realizado com 121 vítimas de VD com uma média de idades de 44,15 anos, maioritariamente do sexo feminino (89,3%), casadas (62,0%), de nacionalidade portuguesa (97,5%) sendo 108 indivíduos do sexo feminino (89,3%) e 13 do sexo masculino (10,7%), com idades compreendidas entre os 18 e 87 anos e com uma média de idades de 44,15 anos.
A maioria dos sujeitos tem idade compreendida entre os 44 e os 54 anos (27,3%), é do sexo feminino (89,3%), é casada (62,0%), tem nacionalidade portuguesa (97,5%) e tem uma relação de parentesco com o agressor, do tipo conjugal (68,6%).
O método de amostragem, foi não probabilístico por conveniência e os critérios de inclusão dos participantes foram:
- Admissão no SU do HST-EPE, no período de Junho de 2007 a Dezembro de 2010;
- Ser vítima de VD, de maioridade (≥ 18 anos) e ter apresentado evidências compagináveis com o enunciado do artigo 152º do Código Penal Português).
Como critério de exclusão dos participantes considerou-se os Processos Clínicos cuja informação não era minimamente suficiente aos objectivos do estudo.
3.2. Objectivos e questões de investigação
Para o presente estudo foram delineados os seguintes objectivos:
- Categorizar o período temporal (hora, dia da semana, dia do mês, mês e ano) de maior ocorrência do episódio de VD;
- Listar o tipo de agressão e as lesões/queixas mais frequentes apresentadas pelas vítimas de VD;
- Identificar o grau de parentesco entre a vítima e o agressor;
- Explicar a variabilidade do tipo de violência, em função da idade da vítima;
- Descrever a tipologia da violência ocorrida, em função do período do dia, da semana e do mês.
Para uma melhor orientação metodológica do estudo, foram estabelecidas as seguintes questões de investigação:
- Em que período (do dia, dia da semana, do mês e mês), ocorre o episódio de VD?
- Que tipo de agressão (tipo de violência infligida, actos de violência exercidos, tipo de lesão, localização anatómica, instrumentos/meios utilizados na agressão, diagnóstico clínico e tipo de agressão/lesões/queixas nas dimensões psico-afectivas, socias e sexuaisse observa nas vítimas de VD?
- Qual o tipo de relação entre a vítima e agressor?
- Em que medida a variável idade da vítima de VD está relacionada com o tipo de violência?
- Em que medida o tipo de violência varia em função do período do dia, da semana e do mês?
3.3 - Instrumento de recolha de dados
A informação disponível no Processo Clínico foi colhida tendo por base um guião com as seguintes componentes: Identificação do Processo Clínico; Identificação Elementar da Vítima; Existência de Consulta Médico-Legal no IML; Caracterização Sócio-Cultural da Vítima; Problemáticas no Agregado Familiar da Vítima, segundo o Parentesco; Caracterização do Episódio de Agressão; Caracterização Sócio-Cultural do Agressor e Problemáticas do Agressor.
A colheita de dados foi efectivada de 8 de Junho de 2011 a 30 de Agosto de 2011, a partir da informação disponibilizada pelo “Serviço de Doentes” do CHTV-EPE, que seleccionou da Base de Dados do Sistema Integrado de Informação Hospitalar (SONHO), por “Causa de Admissão” no quadriénio de 2007 a 2010.
3.4 - Procedimento ético-legais
O pedido formal de autorização foi dirigido ao Conselho de Administração do CHTV e deferido com o parecer favorável da respectiva Comissão de Ética e da Comissão Nacional de Tratamento de Dados.
Os dados obtidos foram organizados e tratados estatística e analiticamente, com recurso ao programa “Statistical Package for Social Science”- SPSS®, versão 19 para Windows®.
4 - Resultados
O ano com maior número de ocorrências foi o de 2008, com 38,8% seguindo-se o ano de 2009, com 24,0%, (cf. Quadro 1).
Quadro 1 - Número de admissões no SU do HST-EPE, por VD, por ano, no quadriénio 2007-2010.
4.1 - Caracterização sociodemográfica e sociofamiliar das vítimas de VD
Observa-se que a amostra (n = 121) é maioritariamente constituída por mulheres (89,3%, n=108), pois inclui apenas 13 homens (10,7%). As idades estão maioritariamente inscritas no grupo etário dos 44 aos 54 anos (27,3%), com uma média de idades de 44,15 anos (dp =15,32).
A relação de parentesco com o agressor, é do tipo conjugal (68,6%), sendo que o mais baixo número de ocorrências se verifica entre ex-casais (3,3%) e onde o pai ou o irmão são agressores (0,8%, em ambos os casos) (cf. Quadro 2).
No que respeita à coabitação entre vítima e agressor, a informação obtida é escassa, apurando-se que, 15,7% das vítimas coabitavam com o seu agressor, (cf. Quadro 2).
Quadro 2 - Apresentação das características sociodemográficas e Socio-familiares das vítimas de VD
4.2 - Caracterização do episódio de violência doméstica
Para melhor compreensão e análise dos dados seguiu-se a tipologia de registo da hora de ocorrência da DGAI (2009) tendo sido definidos os seguintes períodos do dia: “Manhã” (07H-13H), “Tarde” (13H-19H), “Noite” (19H-01H) e “Madrugada” (01H-07H). Assim, verificamos que os episódios de violência ocorreram sobretudo no período da noite [19:00H às 01:00H[ (38,0%), maioritariamente ao Sábado (22,3%), seguindo-lhe o Domingo, com 15,7%, (cf. Quadro 3).
O período do mês com mais ocorrências situa-se entre o 21º e o 31º dias do mês (35,5%), seguindo-se-lhe o período compreendido entre o 11º ao 20º dia (33,9%). O mês em que se registou maior número de ocorrências foi Agosto (14,0%), logo seguido pelo mês de Março (13,2%.) (cf. Quadro 3).
Quadro 3 - Caracterização Temporal dos Episódios de VD.
4.3 - Caracterização do agressor
A informação disponível sobre o agressor era muito escassa, pelo que apenas foi possível apurar-se ser casado (64,5%), do sexo masculino (78,5%), que mantém um relacionamento conjugal ou similar com a vítima (68,6%) e coabita com ela em 9,9% dos casos estudados (cf. Quadro 4).
Quadro 4 - Caracterização do Agressor.
4.4 – Caracterização da agressão: tipo de violência e suas especificidades
A caracterização da agressão teve início pela análise do tipo de violência sofrida pelas vítimas caracterizando-se, ainda, os actos de violência sofridos, o tipo de lesão e a localização anatómica.
Apurou-se que, a lesão mais frequente é do tipo físico (75,2%), seguindo-se a física e psicológica (21,5%). Os actos de violência exercidos com maior frequência foram “Bofetadas, Murros, Cabeçadas e Pontapés” relatados por 52,9% das vítimas, destacando-se claramente dos demais (cf. Quadro 5).
Na dimensão física do tipo de lesão, que representa 98,4% dos casos [correspondentes ao somatório da parcela “Violência Física” (75,2%) + “Violência Física e Psicológica” (21,5%) + “Violência Física, Psicológica e Sexual (1,7%)], destaca-se a Abrasão, Contusão, Escoriação, Laceração, Traumatismo (94,0%), (cf. Quadro 5).
Na dimensão psico-afectiva a ansiedade/stress emocional afectou 7,4% das vítimas e na dimensão sexual evidencia-se a violação, em 1,68% dos casos (cf. Quadro 5).
A localização anatómica com maior incidência foi a cabeça/pescoço (68,3%) e os instrumentos e/ou meios utilizados preferencialmente na agressão foram o corpo do agressor, ou seja, a cabeça, o cotovelo, as mãos e os pés, com uma expressão de 40,5%, seguido de objecto contundentes, com 6,6% (cf. Quadro 5).
Quadro 5 – Caracterização da agressão: tipo de violência e suas especificidades.
O Diagnóstico clínico de “Agressão” é o que consta da maioria dos PC, com 29,6%, seguido de “Traumatismos diversos”, com 15,2%, (cf. Quadro 6).
Decorrente do motivo da ida ao SU e considerando o Diagnóstico clínico, os dados recolhidos permitem-nos constatar que “Agressão” é o diagnóstico que se encontra definido na maioria dos registos, com uma expressão de 29,6%, seguido de “Traumatismos diversos”, com 15,2%, (cf. Quadro 6).
Quadro 6 – Diagnóstico clínico.
4.5 - Tipo de agressão na dimensão psicoafectiva: sinais e sintomas
Neste domínio e dada a dispersão dos dados foi julgado necessário, para melhor compreensão, construir grupos de entidades com afinidade ou relação intrínseca. Desta forma percebe-se que a Ansiedade/Stress Emocional constitui a tipologia com maior expressão (7,4%), seguido de Medo/Angústia e Choro fácil/Convulsivo/Labilidade Emocional (cf. Quadro 7).
Quadro 7 – Tipo de agressão na Dimensão Psicoafectiva: Sinais e sintomas.
4.6 - Tipo de agressão na dimensão social
A escassez dos dados recolhidos não nos permite destacar um tipo de agressão. Mencionaremos apenas que, um dos casos já se encontrava referenciado pelos serviços da Segurança Social, noutro a vítima desistiu da queixa, por se encontrar desempregada e recear represálias por parte do marido agressor e um outro configurava um quadro de negligência e maus-tratos e a vítima foi um idoso (cf. Quadro 8).
Quadro 8 – Tipo de Agressão na Dimensão Social.
4.7 - Tipo de agressão na dimensão sexual
No âmbito da VD, a agressão sexual, por se assumir como um tema particularmente problemático devido à convicção generalizada, em certos meios, de que a mulher casada é obrigada a ter relações sexuais com o cônjuge, mesmo contra a sua vontade, é das áreas que suscita mais polémica e dificuldades em ser estudada. Este facto, por certo, justificará a escassez de informação que, determina não ser possível destacar um ou mais tipos de agressão, mas apenas mencionar os que foram relatados e que se reportam dois casos, um com descrição de “violação por via vaginal” e outro que é referido como “violação múltipla” (cf. Quadro 9).
Quadro 9 – Tipo de Agressão na Dimensão Sexual.
4.8 - Tipo de violência vs idade e hora de ocorrência
Na procura de resultados que sustentem a relação do tipo de VD com outras variáveis recodificámos a variável Tipo de Violência criando, para o efeito, um grupo constituído pela Violência Física e um outro que englobasse todas as outras formas relatadas (Psicológica, Social e Sexual).
Efectuando o teste “U de Mann-Whitney” para determinar a diferença entre o Tipo de Violência e a idade das vítimas verificou-se que, apesar de no grupo da Violência física se terem obtido ordenações médias superiores (61,41 vs 59,77), as mesmas não são estatisticamente significativas, pelo que inferimos que o tipo de violência exercida não difere ao longo do intervalo de idades encontrado para as vítimas do nosso estudo (18 aos 87 anos de idade) (U = 1328,000; z = - 0,222; p = 0,824) (cf. Quadro 10).
Quadro 10 – Resultados do teste U de Mann-Whitney entre os grupos de tipos de violência e a idade.
A maioria das vítimas de VD, foi agredida durante o período da noite (57,9%) sendo representativa em ambos os tipos de violência (física e outros) (cf. Quadro12).
Quadro 11 - Tipo de violência vs período do dia.
Quadro 12 - Tipo de violência em relação ao período do dia (dia ou noite).
A análise da variabilidade do tipo de violência em função dos dias da semana e do período do mês revela que, apesar da ocorrência de violência física ser mais frequente ao Sábado e na primeira quinzena, ela não se distingue das restantes formas de violência, (respectivamente χ2=0,031 e χ2=0,031) (cf. Quadros 3 e 13).
Quadro 13 - Tipo de violência em função do período da semana e do mês.
5 - Discussão
A temática da VD é sempre polémica e qualquer intenção de a estudar confronta-se invariavelmente com inúmeros e inesperados obstáculos. Este estudo defrontou-se com várias dificuldades e limitações inerentes ao tipo de investigação, desde logo o “n” amostral demasiado reduzido foi uma das dificuldades com que nos deparámos e finalmente, a frustração que sentimos, quando nos confrontámos com a exiguidade e até omissão de informação relevante, que os Processos Clínicos, a que nos foi dado acesso continham.
A caracterização sócio-demográfica da vítima encontra paralelismo nos resultados divulgados pela APAV (2011) e DGAI (Portugal, 2011), uma vez que a vítima é, na sua maioria, do sexo feminino, tal como os resultados supracitados (APAV = 87%; DGAI = 84,5%). As faixas etárias mais frequentes foram dos 18 aos 32 anos (26,4%) e dos 44 aos 54 anos (27,3%) encontrando a APAV em 2011 valores mais elevados para as vítimas mais jovens, 87% e 26% respectivamente; DGAI (Portugal, 2011) dos 25-65 anos com 77,1%. O estudo “O tratamento da violência doméstica no âmbito da Administração de Justiça”, do Laboratório de Sociologia Jurídica da Universidade de Saragoça, (APAV, 2004) divulga uma realidade igualmente em consonância, apostando que 83% das vítimas de violência doméstica são mulheres. O facto de as mulheres serem o grupo com maior número de vítimas de violência doméstica (Casimiro, 2002) reflecte o estado social em que ainda vivemos. Apesar das mudanças observadas no “pós-25 de Abril”, na estrutura social e de família, à mulher continua reservado um lugar de subalternização face à hegemonia masculina e em que o acto de violência é ainda entendido, em certos meios, como sendo uma prerrogativa necessária e uma forma de reprimenda e admoestação outorgada ao homem, na assunção da autoridade famíliar. Um outro factor determinante para a maioria das vítimas serem mulheres é o facto de estas representarem, maioritariamente, uma das partes mais frágeis da relação (Dias, 2000).
O estado civil predominante da vítima é o casado, com uma representação de 62,0%, valor percentual mais elevado do que os constatados em APAV (2011) e DGAI (Portugal, 2011) com 39,6% e 45,3%, respectivamente. A relação com o agressor é do tipo conjugal (69,4%), tal como o encontrado no relatório da DGAI (Portugal, 2011) (62%). Esta característica vai ao encontro do anteriormente exposto, evidenciando que as vítimas, na sua maioria mulheres, numa atitude extrema para manter a aparência do casamento e esconder a vitimização de que são alvo, sujeitam-se à violência perpetrada pelo cônjuge.
A nacionalidade portuguesa é a que predomina, (97,5%), ainda em consonância com APAV (2011) e DGAI (Portugal, 2011), que apresentam 68,0% e 84,6%, respectivamente.
A relação de parentesco com o agressor é destacadamente do tipo conjugal, com 69,4% (APAV, 2011 = 48,5%). O desvio nas percentagens observadas entre os dados obtidos no presente estudo e os dados apresentados pela APAV poderá estar relacionado com as diferenças sócioculturais da amostra. A amostra utilizada no nosso estudo é menor do que a representada no estudo da APAV, uma vez que Viseu é apenas um distrito e a amostra da APAV inclui todos os distritos do país, incluindo os grandes centros urbanos. A prevalência do estado civil casada, ao contrário do apresentado pela APAV poderá prender-se com a realidade sóciocultural do distrito de Viseu, onde o casamento ainda é encarado como uma união inquebrável, mesmo quando a mulher é vítima de VD, seja ela de que tipo for.
Por outro lado, verifica-se uma grande representação da nacionalidade portuguesa no nosso estudo, enquanto na APAV (2011), apesar da maioria da amostra ser de nacionalidade portuguesa, a sua representação não é tão significativa. Tal como os resultados anteriores, também este fenómeno, pode ser explicado pela diferente realidade sóciocultural, uma vez que a taxa de imigração para o distrito de Viseu é muito baixa, quando equiparada aos grandes centros urbanos estudados pela APAV (2011).
Por tudo isto, é necessário atender às diferentes realidades sócioculturais da nossa amostra quando comparadas com realidades, muito mais diversificadas, como sejam as amostras da APAV (2011) e da DGAI (Portugal, 2011).
A ocorrência de episódio de VD foi maior ao Sábado (22,3%) e à noite (39,7%. A elevada incidência neste período temporal poderá dever-se ao fenómeno de VD se encontrar muitas vezes associado ao alcoolismo do agressor (Zilberman, 2005), sendo os períodos da noite e de fim-de-semana associados a um maior consumo de álcool. Observa-se ainda, que o mês com mais episódios é Agosto (14%), sendo que estes dados vão ao encontro do anteriormente exposto, por quanto, Agosto é o mês de férias para grande número de portugueses e talvez por essa razão, também associado a um elevado consumo de álcool. Relativamente, ao período do mês onde o número de ocorrências é superior, constatámos que os dez dias finais (do dia 21 a 31, 35,5%) registam a maior incidência, a qual poderá estar relacionada, também, com um acumular de tensão familiar. Com a realidade económica cada vez mais difícil para a maioria das famílias, o aproximar do fim do mês vem tronar mais veementes as dificuldades financeiras do agregado familiar podendo contribuir, desta forma, para um aumento da tensão entre o casal.
No que diz respeito ao agressor é preponderantemente do sexo masculino (89,3%), tal como referido no estudo da APAV (2010), 81% tem uma relação de parentesco com a vítima, do tipo conjugal, (68,6%), é casado (64,5%) [APAV (2010) = 54,7%)] e coabita com a vítima (9,9%).
A relação de parentesco entre vítima e agressor é de conjugue/companheiro (69,4%), valor aproximado ao apresentado pela APAV (2011) (54,7%) e pela DGAI (Portugal, 2011) (62%).
A lesão mais frequente foi do tipo físico (75,2%). Porém, a APAV (2011) documenta que, o tipo de violência mais frequente é a violência psicológica (36,8%), seguida da violência física (30%). Mais uma vez, a discrepância de resultados poderá prender-se com a diferença de realidade sócio-cultural, uma vez que em regiões mais interiores, como o distrito de Viseu, a violência psicológica não é, muitas vezes, denunciada. Por outro lado, dado que as vítimas, estudadas recorreram ao serviço de urgência é espectável que, a maioria seja por agressão física.
Os actos de violência mais frequentes foram “bofetadas, murros, cabeçadas e pontapés”, com uma maior incidência na cabeça/pescoço. No relatório da APAV não são especificados os actos de violência mais frequentes, no entanto é possível constatar que os maus-tratos e as ofensas à integridade física simples, destacam-se com 43,7% e 28,3%, respectivamente. Queirós (2009) apurou que o tipo de agressão física predominante, nos casos de violência conjugal é a agressão por murros e pontapés e que “(…) As Sovas foram indiscutivelmente o acto mais frequente.”
A utilização de armas na agressão é pouco representativa utilizando os agressores o próprio corpo para a agressão. Os resultados obtidos vão ao encontro dos apresentados pela APAV (2011), em que apenas 7,5% dos agressores recorrem a armas para a consumação da agressão.
A localização anatómica com maior incidência foi a cabeça/pescoço (68,3%), em conformidade com os resultados apurados por Queirós (2009): “No que respeita às queixas relativamente a fenómenos dolorosos (…), a mais frequente é a dor à palpação do couro cabeludo”. Por sua vez, Garbin. et al. (2006) referiram que a região da cabeça e pescoço, representando 30% dos casos, era o local mais atingido, seguida pelos membros superiores em 24%, membros inferiores em 23% e tronco em 17%. Deslandes et al. (2000) relataram que a face e a cabeça eram as áreas anatómicas mais atingidas, seguidas pelos membros superiores, tronco e membros inferiores.
A preferência do agressor para estas regiões anatómicas reflecte o carácter de humilhação que o agressor impõem à mulher, pelo que a intenção do agressor é tornar a lesão visível aos outros e prejudicar a beleza da mulher, atributo muito valorizado pela sociedade (Jong, 2000).
6 - Conclusões
É através do conhecimento aprofundado da problemática da VD que os profissionais das áreas da saúde (médicos e enfermeiros) e da segurança social, e/ou entidades criminais, podem melhorar o seu atendimento e encaminhar as vítimas para soluções personalizadas e adequadas a cada caso específico, sendo urgente melhorar em qualidade e quantidade a informação sobre cada caso de VD.
Em síntese, os resultados mostraram que:
- As vitimas são maioritariamente mulheres, com idades compreendidas entre os 18 e 87 anos, casadas e cujo agressor é o cônjuge/companheiro;
- O período temporal com maior número de registo de vítimas de VD foi o fim-de-semana, no período da noite e Agosto o mês com maior incidência.
- As agressões são essencialmente físicas, as lesões localizaram-se na cabeça e pescoço e o agressor utilizou o próprio corpo para as infligir.
O défice de informação sobre o episódio de violência traduzido pela lacuna existente no preenchimento do PC das vítimas participantes neste estudo permite inferir da necessidade de incentivar a participação da queixa, manter e reforçar as campanhas de informação e sensibilização, dar continuidade às várias iniciativas que promovam a protecção das vítimas, prevenir a reincidência, mas também sensibilizar e qualificar profissionais, manter a monitorização e incrementar a investigação e partilha de informação com os vários organismos governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais. Estimular e desenvolver o exercício da cidadania responsável e apostar num maior investimento na sensibilização para a problemática da VD, nas escolas, instituições de saúde, policiais e judiciais, bem como continuar a desenvolver de forma consequente o estudo desta problemática.
Consideramos ainda ser premente, a nível nacional, continuar a estudar a problemática da VD em cada distrito de forma aprofundada e regular, dado que foi verificado existir elevada discrepância entre alguns dos resultados obtidos e os divulgados pela APAV, para o território nacional.
Corroborando as estratégias de intervenção do IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica 2011-2013 (2010) concluiremos pela recomendação de um reforço efectivo ao nível da informação, sensibilização e educação.
Acresce ainda referir que, da investigação levada a cabo pelo Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR relativamente ao homicídio e tentativas de homicídio de mulheres por violência de género, ressalta que, apesar dos progressos alcançados pela legislação portuguesa, o número de homicídios na conjugalidade tem vindo a evidenciar uma preocupante tendência de crescimento, nomeadamente no mesmo período temporal a que o nosso estudo se reporta. Concordamos, por isso, na constatação de alguma ineficácia no combate a este tipo extremo de VD e concluímos igualmente, pela pertinência da tipificação autónoma do crime de homicídio por violência de género
Como consideração final, acreditamos que, apesar das limitações inerentes ao tipo de investigação, a mesma aportou conhecimento sobre a problemática da VD no distrito de Viseu, que se impõe discutir para melhor intervir..
Luis Correia - Enfermeiro no CHTV
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