Entrevista

“A terapêutica com inibidores do checkpoint imunitário representa um avanço importante no tratamento" do melanoma avançado

Atualizado: 
15/04/2021 - 14:56
Embora não seja um dos cancros de pele mais frequentes, o melanoma é o mais temido. Mais agressivo, este é um tumor com elevada capacidade de metastização e recidiva, que apresenta uma taxa de sobrevivência muito baixa nos seus estadios mais avançados. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Maria João Silva, Assistente Hospitalar de Oncologia Médica no IPO do Porto, revela que, apesar das poucas perspetivas, estes doentes têm agora uma nova opção de tratamento adjuvante que contribui para um melhor prognóstico da doença.

Estima-se que, em Portugal, sejam diagnosticados anualmente cerca de 800 novos casos de melanoma. Quais as suas causas e principais fatores de risco?

O melanoma surge por uma proliferação anormal dos melanócitos, as células produtoras de melanina, responsáveis pela pigmentação da pele. 

A exposição à radiação ultravioleta é considerada um fator de risco major para o desenvolvimento de melanoma, sobretudo quando associada a queimaduras solares por exposição intensa e intermitente, na idade jovem.

Certos traços fenotípicos, como a pela clara, cabelo ruivo ou loiro, e a carga névica (número de sinais benignos), a história prévia de outros cancros cutâneos, a imunossupressão e a história familiar de melanoma são também fatores de risco reconhecidos. 

O que torna o melanoma um dos mais temidos cancros de pele?

Apesar de não ser dos cancros de pele mais frequentes, o melanoma é o mais agressivo, pela sua capacidade de metastização, com envolvimento de órgãos vitais, nomeadamente fígado, pulmão e cérebro, que vai ditar o prognóstico.

Os melanomas são todos iguais? Como podem ser classificados em termos de evolução?

Existem várias classificações para o melanoma, que conferem características diferentes em termos de evolução da doença. O estádio é definido pela profundidade de envolvimento pelo tumor a nível da pele e extensão de envolvimento de gânglios regionais e restantes órgãos à distância. O estádio I é o mais precoce e o IV o mais avançado, sendo que o estádio III é definido pela metastização de gânglios regionais.

Topograficamente, o melanoma é classificado como cutâneo em mais de 90% dos casos, mas estes tumores podem também localizar-se primariamente nas mucosas (cavidade oral, esófago, canal anal, etc.), ou a nível ocular.

A avaliação por genética molecular permite identificar mutações genéticas em alguns tumores, nomeadamente do gene BRAF, com implicações terapêuticas importantes.

Quais os principais sintomas? A que sinais devemos estar atentos?

O melanoma, geralmente, assemelha-se a um sinal castanho / negro, com algumas características de atipia. Deve ter-se em atenção a Assimetria, os Bordos irregulares, a Coloração heterogénea, o Diâmetro aumentado e a Evolução ao longo do tempo. Habitualmente, na doença localizada não se manifestam outros sintomas, enquanto, nos casos menos frequentes de apresentação da doença da forma metastática, podem existir diversos sintomas relacionados com o órgão específico de envolvimento.

Como se diagnostica? E qual a importância do diagnóstico precoce?

O diagnóstico é feito habitualmente por uma biópsia excisional, ou seja, pela remoção completa da área suspeita, com avaliação anátomo-patológica. O diagnóstico precoce, numa fase em que a doença está o menos disseminada possível, aumenta a probabilidade de sucesso do tratamento e cura.

Qual o tratamento indicado?

O tratamento indicado no melanoma depende do estádio em que a doença se encontra, podendo incluir diversos componentes. A cirurgia é o pilar do tratamento na doença localizada. Mesmo quando a biópsia excisional parece ter removido completamente a área de lesão tumoral, é geralmente necessária uma segunda intervenção para assegurar margens de resseção adequadas e avaliar se os gânglios próximos estão envolvidos pela neoplasia. Nos casos de estádio intermédio ou doença avançada, há lugar a tratamento sistémico, com o intuito de, respetivamente, complementar a cirurgia ou com intenção paliativa (para reduzir ou estabilizar a doença sem perspetiva de cura). O tratamento sistémico inclui geralmente terapêuticas alvo (com inibidores da via de sinalização BRAF-MEK nos casos de tumores com a mutação alvo), ou imunoterapia (com inibidores do checkpoint imunitário como o nivolumab, pembrolizumab e ipilimumab). Existe ainda a possibilidade de tratamento com radioterapia ou quimioterapia em situações pontuais.

Relativamente ao melanoma avançado, nomeadamente o melanoma em estádio III com envolvimento de gânglios linfáticos qual o seu prognóstico?

O melanoma estádio III representa, dentro da doença localizada, aquela com maior risco de recidiva, seja local ou à distância, o que vai condicionar um pior prognóstico. 

Que opções terapêuticas estão atualmente disponíveis?

Tal como referido previamente, o tratamento assenta numa cirurgia, com margens adequadas para exérese da doença, e, nos casos de envolvimento ganglionar, em tratamento adjuvante. O termo "tratamento adjuvante" refere-se a qualquer tratamento adicional prestado após a remoção cirúrgica de um cancro, com o objetivo de eliminar as células cancerígenas que não tenham sido removidas, e que confiram um risco de recorrência da doença. Este tratamento pode ser feito com imunoterapia – nivolumab ou pembrolizumab, durante 1 ano. No caso de tumores que apresentem a mutação V600 do gene BRAF, a utilização de dabrafenib com trametinib pode ser uma alternativa.

Quais as últimas inovações na área e quais as suas principais vantagens?

A utilização destes fármacos no tratamento adjuvante no melanoma baseia-se em estudos recentes, que mostraram uma redução do risco de recorrência da doença estimada em cerca de 30%, aos 5 anos após a cirurgia. Destes, a última aprovação pelo INFARMED corresponde ao pembrolizumab, cujo ensaio clínico incluiu todos os subgrupos de doentes com estádio III.

No caso do melanoma avançado para que serve esta terapêutica? É meramente paliativa? Como funciona?

A terapêutica com inibidores do checkpoint imunitário, nivolumab e pembrolizumab representa um avanço importante no tratamento de doentes com melanoma metastizado, tendo mudado significativamente o prognóstico destes doentes. O mecanismo de ação destes fármacos, classificados como anti-PD1 (anti-programmed cell death 1), baseia-se no desencadear de uma resposta do próprio sistema imunológico no combate ao melanoma.

Em oposição à quimioterapia, que apresentava taxas de resposta baixas e pouco duradouras, os dados mais recentes da avaliação de sobrevivência com monoterapia com pembrolizumab ou nivolumab, no contexto de tratamento do melanoma avançado, mostram que cerca de 40 a 45% dos doentes estão vivos aos 5 anos.

Qual a importância da comparticipação e facilidade de acesso a estes novos tratamentos?

O acesso a estes tratamentos pelo SNS é uma grande mais valia para os doentes, uma vez que resultados se traduzem muitas vezes numa grande qualidade de vida, pelo controlo da doença, por remissão ou estabilização, com um perfil de tolerância favorável.

Em matéria de prevenção, diagnóstico e tratamento que considerações finais gostaria de fazer?

Ainda que, atualmente, com as novas opções terapêuticas, o prognóstico do melanoma tenha melhorado significativamente, continua a representar uma doença com uma elevada taxa de mortalidade. Assim, a prevenção primária com evicção dos fatores de risco modificáveis, assim como a adoção de um exame dermatológico de rotina para identificar precocemente lesões suspeitas, são elementos fundamentais para diminuir o risco de melanoma e aumentar as hipóteses de cura.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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