Opinião

Será que o meu doente tem Asma? O que faço?

Atualizado: 
27/03/2023 - 14:36
A Asma é uma doença respiratória crónica, afetando cerca de 8 a 10% da população, e caracteriza-se por uma inflamação das vias aéreas que condiciona uma obstrução do fluxo aéreo variável. Este processo inflamatório pode ser provocado e agravado por inúmeros fatores, quer de natureza genética, do sistema imunitário ou ambiental, o que confere uma grande diversidade entre diferentes pessoas. Os doentes com Asma têm muitas características diferentes e diversas formas de apresentação clínica, o que dificulta o correto diagnóstico e cria desafios para um tratamento personalizado e individualizado.

O Médico de Família é o profissional mais bem colocado para estabelecer o diagnostico inicial da Asma, que deve basear-se numa história clínica completa e eventualmente em provas de função respiratória (nomeadamente a espirometria). Uma vez estabelecido o diagnóstico, e mesmo no seguimento dos doentes sob tratamento, é crucial proceder periodicamente a uma avaliação do risco individual de cada doente, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de agudizações. Para esta avaliação são essenciais os seguintes aspetos: estado dos sintomas, adesão à terapêutica e medidas de estilo de vida, a correta utilização dos dispositivos inalatórios, a existência de outras comorbilidades (por ex. rinite, refluxo gastroesofágico, obesidade, ansiedade e depressão, hipertensão ou insuficiência cardíaca, diabetes, patologia osteoarticular, apneia do sono, entre outras), avaliar a função respiratória (nomeadamente a possibilidade de existência concomitante de outras doenças respiratórias), bem como fatores associados a exposição de desencadeantes ambientais (como alérgenos, poluição, tabaco, agentes infeciosos, entre outros).

O tratamento adequado da Asma passa essencialmente pelo controlo da inflamação das vias aéreas, nomeadamente com recurso a corticoides inalados, aos quais podem ser associados, quando necessário, agentes broncodilatadores de longa ação. As orientações internacionais apontam duas tipologias distintas no tratamento da asma:

  • Uma tipologia baseada no tratamento com corticoide inalado (ICS) associado a formoterol, onde o este último desempenha o papel de broncodilatador que têm simultaneamente um inicio de ação rápido e efeito prolongado. Com isto, os doentes podem usar, numa primeira “fase”/degrau da terapêutica, esta associação de medicamentos em SOS, como forma de alivio dos sintomas, e recebendo simultaneamente o controlo da inflamação necessário. Designa-se este conceito por esquema MART (maintenance and reliever therapy). Já nas “fases”/degraus de tratamento mais avançados, esta associação passa a ser realizada de forma fixa diária, habitualmente em 2 ou mais inalações/dia, havendo possibilidade de aumentar progressivamente a dose do corticoide inalado conforme a gravidade de sintomas.
  • Uma tipologia baseada no tratamento inicial (nas primeiras “fases”/degraus) apenas com corticoide inalado, e nas “fases”/degraus mais avançadas numa associação entre este e um broncodilatador de longa duração de ação (diferente do formoterol). Em todos as “fases”/degraus de tratamento o alivio dos sintomas será realizado com um broncodilatador de ação rápida em SOS. Nas “fases”/degraus mais avançados o tratamento é realizado de forma fixa diária, havendo diversas opções terapêuticas que possibilitam apenas 1 inalação/dia, e havendo também possibilidade de ir aumentado progressivamente a dose do corticoide inalado conforme a gravidade de sintomas.

Estudos têm demonstrado que nem todos os doentes encaixam apenas em uma tipologia de tratamento. O primeiro permite uma variabilidade de doses/posologia mais diversificada, bem adaptável a doentes com Asma de padrão intermitente, em que há necessidade de alterar as doses e posologias em diversas épocas/períodos do ano. No entanto requer algum grau de literacia por parte dos doentes, para saberem realizar uma boa autogestão destes fatores. De fato, muitos dos doentes neste esquema terapêutico mantem-se mal controlados nos seus sintomas, e uma significativa parte deles continua a usar broncodilatadores de ação rápida para alívio dos sintomas, o que não é recomendado fazer juntamente com formoterol.

A tipologia alternativa apresenta um conceito de tratamento mais estável, baseado numa dose/posologia mais fixa e mais simples, o que será potencialmente mais adequado para doentes com Asma de padrão mais persistente e de pouca variabilidade de sintomas ao longo do tempo. Estas características podem melhorar a adesão terapêutica particularmente em doentes que não se adaptam ou não compreendem o conceito do esquema MART (da primeira tipologia), ou que preferem uma dose/posologia baseada numa única inalação diária, e que persistem em usar o broncodilatador de ação rápida como SOS para alívio dos sintomas.

O tratamento da Asma deve ser assim personalizado a cada doente, com o objetivo de avaliar o seu risco individual, que é baseado em todas as suas características, e adaptando o melhor tratamento às suas preferências e dia-a-dia, conseguindo o controlo total de sintomas e capacitação para uma correta autogestão da doença.

Referências Bibliográficas:

  • Guia prático de gestão da Asma nos Cuidados de Saúde Primários. Atualização 2022. GRESP/APMGF. Disponível em: www.gresp.pt
  • Global Initiative for Asthma. Global Strategy for Asthma Management and Prevention, 2022. Available from: www.ginasthma.org

 

Autor: 
Professor Doutor Tiago Maricoto - Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar; Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências da Saúde
Universidade da Beira Interior
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Freepik