Será a dieta vegan adequada para os bebés?
Dito isto, a dieta vegan parece ser adequada para crianças e completa na maioria dos nutrientes (embora alguns não estejam presentes em quantidades suficientes, como se verá abaixo), com elevado consumo de fibras e reduzida ingestão de gorduras saturadas e colesterol, com claros benefícios para a saúde. A questão principal deste artigo será se a dieta vegan é, ou não, adequada lactentes e crianças com menos de 2 anos de vida, considerando a menor variedade e quantidade de alimentos que é oferecida neste período inicial da vida, quando é feita a transição gradual de uma alimentação exclusivamente láctea para uma alimentação diversificada, e considerando que se trata de uma fase de crescimento rápido, com elevadas necessidades calóricas e nutricionais.
Os estudos sugerem que recém-nascidos de mães vegetarianas e vegan que sigam uma alimentação equilibrada dentro desde regime alimentar, com adequado aporte calórico, têm pesos de nascimento semelhantes aos de recém-nascidos de mães omnívoras. Ainda durante o período gestacional, é essencial que as futuras mães ingiram alimentos que lhes permitam obter um aporte equilibrado de nutrientes como o ferro, vitamina D, cálcio, Vitamina B12 e ácido fólico. No caso das grávidas vegan, isto implica muitas vezes o recurso a suplementação (importa referir que as grávidas que seguem uma dieta omnívora também fazem suplementação), pelo que estas opções alimentares e evolução do crescimento fetal devem ser devidamente acompanhadas por profissionais especializados.
A Organização Mundial de Saúde recomenda a amamentação exclusiva durante os primeiros 6 meses de vida. Neste período, a riqueza nutricional do leite materno e, consequentemente, a adequada nutrição dos lactentes dependerá exclusivamente da adequada nutrição das mães. A vitamina B12 presente no leite materno vai depender da ingestão materna e do tempo de duração do regime alimentar vegan (quanto maior este tempo, menor a quantidade de vitamina B12 presente no leite), sendo que os bebés de mães vegan estão em especial risco de défice de vitamina B12 pois esta vitamina tem biodisponibilidade muito baixa nos alimentos de origem vegetal, com importante repercussão no desenvolvimento do sistema nervoso central e na produção de células sanguíneas. É, por isso, recomendada suplementação das mães a amamentar e a ingestão de alimentos fortificados.
Nos lactentes amamentados em exclusivo é recomendada a suplementação diária com vitamina B12 desde o nascimento até ao início da diversificação alimentar, devendo manter-se a suplementação ao longo da infância em crianças vegan. Da mesma forma, a vitamina D fornecida ao bebé pelo leite materno é insuficiente, estando recomendada a suplementação de todos os lactentes no primeiro ano de vida (o ergocalciferol é um suplemento de origem vegetal e, portanto, adequado em regimes vegan) e a exposição solar controlada de pelo menos 15 min/dia. Após o primeiro ano de vida, deve ser garantido o aporte desta vitamina, nomeadamente pela exposição solar.
O leite materno de mães vegan revelou-se mais pobre em ácidos gordos de cadeia longa ómega-3, pelo que estas mães devem ser incentivadas e suplementar a sua alimentação com gorduras ricas nestes ácidos gordos (por exemplo, óleo de noz, colza ou linhaça).
O ferro é também um nutriente crítico, uma vez que a sua biodisponibilidade nos alimentos de origem vegetal é menor que nos de origem animal. A sua biodisponibilidade pode ser aumentada com o consumo, na mesma refeição, de alimentos ricos em vitamina C e com a germinação das leguminosas e evitando-se, nestas mesmas refeições, o consumo de chá e café, pois diminuem a absorção do ferro. Neste contexto, continua a ser recomendada, às grávidas e mulheres a amamentar, a suplementação com ferro.
No caso de lactentes sob aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses de vida, está recomendada também a suplementação com ferro entre os 6 e os 12 meses de vida, desde que se garanta nesta altura um suprimento adequado através da alimentação.
É indiscutível a necessidade de acompanhamento médico adequado dos lactentes filhos de mães vegan para vigiar sinais de anemia que necessitem de tratamento atempado e adequado. É ainda recomendada suplementação com iodo e a ingestão de alimentos fortificados com cálcio nas grávidas e mulheres a amamentar.
Lactentes não amamentados devem consumir preferencialmente leites de fórmula com base de leite de vaca. No entanto, no contexto de uma dieta vegan, parece ser segura a ingestão de fórmulas com base de soja. Os estudos mantem-se pouco conclusivos sobre o efeito da ingestão de elevadas quantidades de isoflavonas com propriedades estrogénicas presentes no leite de soja, pelo que sempre que possível deve optar-se por uma fórmula tradicional com base de leite de vaca.
É essencial referir que, no primeiro ano de vida, estão totalmente contraindicados outros leites vegetais que não sejam fórmulas adaptadas a lactentes, uma vez que são geralmente muito pobres em proteína e outros nutrientes essenciais, com risco de desenvolvimento de desnutrição proteica grave, atraso de crescimento e de desenvolvimento psicomotor e alteração da estrutura óssea, entre outros, casos estes já descritos em diversos países e a maioria deles sobre crianças provenientes de contextos familiares de outra forma adequados e esclarecidos. Não devemos deixar que o nosso sentido crítico que nos leva a procurar alternativas alimentares saudáveis para os nossos filhos nos faça cair no extremo oposto, causando-lhes problemas de saúde irremediáveis e graves.
A partir do momento em que a alimentação dos lactentes deixa de ser exclusivamente láctea, o que deve ocorrer pelos 6 meses, uma vez que o leite (materno ou de fórmula) deixa de ser nutricionalmente suficiente, é necessário conhecer bem as características nutricionais dos alimentos para que sejam introduzidos de forma adequada não só à idade mas também às necessidades nutricionais e metabólicas. Uma grande de variedade de legumes, frutas e leguminosas é essencial e os cereais oferecidos sob a forma de papa têm importante benefício energético. É necessário ter em atenção que papas caseiras, contrariamente às preparadas de forma industrial e que são fortificadas para cumprir determinados requisitos nutricionais, podem ter insuficiente teor proteico, energético e de micronutrientes. Durante o processo de diversificação alimentar é recomendado manter o aleitamento materno, até quando for desejável para a mãe e criança.
A partir do 1º ano de vida, a eventual diminuição da ingestão de leite (materno ou de fórmula) deve ser compensada com um aumento do consumo de leite de vaca ou leite de soja fortificado com cálcio, vitamina D e vitamina B12. Outros leites vegetais comerciais têm um teor proteico demasiado baixo e não devem ser utilizados como substitutos do leite de vaca, apesar de poderem ser oferecidos ocasionalmente como parte de uma alimentação vegan variada.
A partir desta idade, uma nutrição adequada vai exigir um trabalho contínuo de esclarecimento dos pais e de vigilância da saúde destas crianças, sendo essencial uma dieta variada e esclarecida que forneça as quantidades necessárias de proteína, ácidos gordos, ferro, cálcio, vitaminas.
A dieta vegan parece ser, na generalidade, mais pobre de um ponto de vista calórico e proteico, sendo necessário ter atenção e oferecer alimentos energeticamente ricos como parte da dieta (cereais, frutos secos sob a forma de manteigas, frutas frescas) e incluir sempre vegetais mais ricos em proteínas, como as leguminosas e o tofu. Sempre que possível, devem ser consumidos alimentos fortificados. A eventual suplementação com ferro, zinco, cálcio, entre outros, vai depender do aporte alimentar de cada nutriente, o que no caso de crianças vegan deve ser vigiado de forma regular, e de carências nutricionais específicas.
De um ponto de vista meramente teórico, poderá ser possível ter uma alimentação vegan que forneça todos estes ingredientes essenciais a um crescimento e desenvolvimento adequado. No entanto, na prática, não podemos esquecer todas as variáveis - escasso esclarecimento dos pais, crianças que não gostam de todos os alimentos que precisam de comer e que, muitas vezes, comem quantidades insuficientes até de alimentos adequados, e contextos escolares que podem não permitir o cumprimento estrito de uma dieta adequada - que podem comprometer uma nutrição adequada das crianças.
O que nunca poderá ser descuidado é o acompanhamento destas crianças e das suas famílias por profissionais esclarecidos e atualizados, capazes de respeitar as diferentes opções alimentares mas assegurando, acima de tudo, a saúde de todos.
Autores:
Dra. Carolina Prelhaz – Pediatra Clínica de Santo António
Dra. Tânia Furtado – Unidade de Dietética e Nutrição Hospital Lusíadas Lisboa