A Saúde Oral em Portugal: Entre o Esquecimento e a Necessidade de Mudança
A Urgência da Mudança: Por que Agora?
Num país onde cerca de 70% da população não tem acesso a cuidados dentários regulares por razões económicas, esta proposta é uma lufada de ar fresco. A cárie, a periodontite e outras doenças orais não tratadas continuam a ser problemas de saúde pública. Em muitos casos, são as crianças e os idosos que mais sofrem com as consequências de um sistema que falha em integrar a saúde oral nos cuidados básicos de saúde.
No Japão, uma das nações mais avançadas do mundo em termos de saúde e tecnologia, estão a ser realizados testes para regeneração dentária, um avanço que pode transformar o futuro da estomatologia. Esta inovação científica, embora ainda numa fase inicial, contrasta com a realidade portuguesa, onde muitos cidadãos ainda encaram as idas ao dentista como um luxo. Há alguns anos, chegou a haver promessas sobre o desenvolvimento de uma vacina contra as cáries. Mas, tal como muitos outros projetos ambiciosos, nunca passou de um sonho.
Parcerias com Privados: O Caminho Certo?
A proposta de criar acordos entre o SNS e clínicas privadas para fornecer cuidados dentários básicos com comparticipação total é promissora, mas não está isenta de críticas. Será esta a solução ideal ou apenas uma forma de privatizar ainda mais a saúde, entregando responsabilidades do Estado a entidades que visam o lucro? É crucial que estas parcerias sejam rigorosamente reguladas, garantindo que o foco permaneça nos utentes e na acessibilidade, e não nos interesses comerciais.
Educação e Prevenção: A Base para o Futuro
Outro aspeto muitas vezes negligenciado é a educação para a saúde oral. Os cuidados dentários não se resumem a tratamentos; incluem a prevenção ativa. Iniciativas como a higienização dentária regular, rastreios em escolas e campanhas de sensibilização podem poupar milhões ao Estado e, mais importante, melhorar a qualidade de vida da população. O foco não pode estar apenas em tratar cáries ou alinhamento de dentes, mas em criar uma geração que perceba a importância da saúde oral desde cedo.
Uma Homenagem aos Pioneiros
Permitam-me uma pequena digressão para homenagear os grandes pioneiros da estomatologia em Portugal, profissionais que, muitas vezes em condições adversas, ajudaram a elevar esta ciência e a mudar vidas. Um exemplo notável foi o Dr. Vilhena Soares, cujo trabalho e dedicação marcaram uma geração. Apesar de ter iniciado a sua carreira na neurocirurgia, foi na estomatologia que deixou uma marca duradoura. Este exemplo, entre tantos outros, sublinha a importância de profissionais dedicados e comprometidos com o avanço desta área.
Portugal no Contexto Europeu: Onde Estamos?
Comparativamente a outros países europeus, Portugal está atrasado. Em nações como a Suécia ou a Alemanha, os cuidados dentários básicos são acessíveis a quase toda a população, enquanto por cá continuamos a depender de esforços individuais e de clínicas privadas. A integração da saúde oral no SNS é não só uma questão de justiça social, mas também de modernização e alinhamento com as melhores práticas europeias.
Conclusão: Saúde Oral é um Direito, Não um Privilégio
Portugal tem agora uma oportunidade única de transformar a forma como encaramos a saúde oral. Este debate não é apenas sobre dentes; é sobre dignidade, saúde e igualdade. É tempo de romper com o estigma de que os cuidados dentários são um luxo e de os integrar plenamente na nossa visão de saúde pública.
A proposta em discussão na Assembleia da República pode ser o início de uma revolução na estomatologia em Portugal. Mas será necessário compromisso político, rigor na execução e, acima de tudo, uma visão que coloque as pessoas no centro das decisões. Porque, no final, a saúde oral é um direito, e não um privilégio.