Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal : «Inflamação não controlada nasal conduz ao aumento progressivo do volume dos pólipos nasais»
Estimando-se que afete 5% da população adulta europeia, a rinossinusite crónica é já considerada um problema de saúde pública pelo seu impacto na qualidade de vida e custos de saúde associados. Assim, começo por perguntar em que consiste, quais as manifestações clínicas associadas e quais os critérios para o seu diagnóstico?
Dr. Gil Coutinho - A rinossinusite crónica é uma doença que afeta o nariz e os seios perinasais e que consiste numa inflamação e irritação persistente (duração superior a 12 semanas) do revestimento, ou seja, da mucosa destas estruturas. Sendo uma patologia crónica, a rinossinusite crónica afeta os doentes por longos períodos, geralmente durante vários anos ou décadas.
É uma entidade frequente, estimando-se que a sua prevalência ronde os 5 a 10% na Europa e os 2,5% em Portugal. Atualmente, é considerado um problema de saúde pública pelo seu grande impacto na qualidade de vida, no absentismo laboral (média de 5,67 dias/ano) e nos custos de saúde, sendo responsável por mais de 7% de toda a prescrição anual de antibioterapia nos EUA.
Para melhor compreensão e de uma forma simplificada, a rinossinusite crónica poderá ser dividida em rinossinusite sem pólipos nasais e em rinossuniste com pólipos nasais. No subtipo de rinossuniste crónica com pólipos nasais ocorre o desenvolvimento de pólipos nasais que consistem em pequenas massas benignas que crescem dentro da cavidade nasal e dos seios perinasais.
Quais as causas associadas à rinossinusite?
Dr. Gil Coutinho - O nosso conhecimento sobre as diferentes formas de rinossinusite tem tido avanços muito significativos ao longo dos últimos anos. No entanto, ainda não é totalmente compreendido o porquê de algumas pessoas desenvolverem rinossunisite crónica e outras não. É provável que cada paciente com rinossinusite crónica tenha uma combinação de vários fatores diferentes, que se unem para produzir inflamação persistente nos seios perinasais.
Alguns desses fatores conhecidos são: fatores genéticos; presença de asma; intolerância aos anti-inflamatórios não esteroides; deficiências do sistema imunitário; infeções víricas; bactérias; tabagismo; e poluição.
Assim, a rinossinusite crónica pode ter origem na doença nasal (primária); mais raramente, ocorrer como parte de uma doença multissistémica (como a fibrose quística ou a imunodeficiência); ou secundária a infeções dentárias.
A partir de que idade podem surgir os primeiros sintomas? As suas manifestações clínicas são diferentes na infância?
Dr. Gil Coutinho - Estima-se que a prevalência da rinossinusite crónica na infância se situe entre os 2 e os 4%. Apesar de ser muito menos comum do que no adulto, o impacto da rinossinusite na qualidade de vida e na saúde das crianças é muito significativo, sendo mais expressivo do que a asma, a epilepsia ou o défice de atenção e a hiperatividade.
Os sintomas da rinossinusite na infância são geralmente menos evidentes, uma vez que nas crianças a incapacidade para a sua comunicação e descrição torna mais difícil a sua perceção. Simultaneamente, poderá ser um desafio fazer a distinção entre os sintomas da rinossinusite e os de outras patologias frequentes nesta faixa etária (como as alergias e a hipertrofia das adenóides).
Sumariamente, os sintomas e a duração da rinossinusite crónica na infância são semelhantes aos do adulto, com exceção da presença da tosse, muito mais frequente na rinossinusite em idade pediátrica.
Qual o tratamento da rinossinisite crónica?
Dr. Gil Coutinho - A rinossinusite crónica é, na maioria dos casos, uma doença persistente, mas que poderá ser controlada com uma combinação de tratamentos médicos e cirúrgicos.
Assim que se diagnostica a rinossinusite crónica, o paciente deve iniciar um tratamento prolongado. Na maioria dos casos, o tratamento inicial consiste nas lavagens nasais diárias com soluções salinas (água do mar ou soro fisiológico, por exemplo) em associação com a aplicação de corticoide tópico nasal.
Se este tratamento não for suficiente para melhorar os sintomas, poderão ser adicionadas, ocasionalmente, outras medicações como os descongestionantes nasais, o antibiótico ou o corticoide sistémico (oral ou endovenoso). Contudo, estes tratamentos não devem ser utilizados por rotina, uma vez que apresentam importantes efeitos secundários.
Quando um paciente já faz o máximo de medicação, mas os sintomas ainda afetam a sua qualidade de vida, poderá estar indicada cirurgia.
A cirurgia tem como objetivo a remoção da carga inflamatória, do muco nasal e, quando presentes, dos pólipos nasais. Permite ainda a melhoria da ventilação dos seios perinasais e é realizada através de uma endoscopia nasal, ou seja, sem incisões ou alterações estéticas do nariz.
A cirurgia endoscópica nasossinusal permite desobstruir a cavidade nasal, melhorando a função respiratória e permitindo que os corticoides nasais atinjam de forma mais eficaz a mucosa do nariz e os seios perinasais.
Quais as complicações associadas a esta patologia? E que fatores contribuem para o seu agravamento?
Dr. Gil Coutinho - As complicações da rinossinusite crónica são raras, mas potencialmente graves e ocorrem por alterações da anatomia dos seios perinasais, por atingimento de estruturas vizinhas, ou por agravamento da inflamação das vias aéreas.
Assim, a rinossinusite crónica pode levar ao agravamento dos seus sintomas ao longo do tempo por crescimento exagerado do osso dos seios perinasais e dos pólipos, o que reduz a sua ventilação, a drenagem de muco a aumenta a inflamação.
Por outro lado, a rinossinusite pode causar infeção local grave que atinge as estruturas da órbita ou, ainda mais raramente, do compartimento intracraniano, onde se encontra o sistema nervoso central.
Por último, é bem conhecida a relação entre a rinossinusite não controlada e o agravamento de infeções respiratórias superiores e da asma.
Entre outros fatores, o agravamento da rinossinusite ocorre quando a medicação não é administrada da forma apropriada; na presença de infeções respiratórias; quando existe imunodeficiência; na exposição ao tabaco e, no caso particular das crianças, na presença de hipertrofia das adenoides.
Muitas das pessoas com este diagnóstico apresentam a chamada Polipose Nasal. Que fatores condicionam o desenvolvimento de pólipos nasais?
Dr. Fernando Vales - Rinossinusite crónica (RSC) define-se como inflamação da mucosa nasal e dos seios perinasais provocando, em geral, obstrução nasal, secreções e dor ou pressão na face, bem como redução ou perda do olfato e tosse, com duração de 12 semanas ou mais.
Pode ou não haver desenvolvimento de pólipos nasais no decurso da doença, que tem diversas variantes, bem como diferentes fisiopatologias subjacentes.
Na RSC, a mucosa nasal, que serve como barreira que modula a interação do sistema imunológico do hospedeiro com o ambiente está rompida, resultando em inflamação crónica e levando à remodelação tecidular e ao aparecimento de sintomas clínicos. A remodelação dos tecidos sino-nasais dá origem aos pólipos nasais responsáveis por muitos dos sintomas apresentados.
A que sintomas devemos estar atentos e quando devemos procurar um especialista?
Dr. Fernando Vales - Os sintomas caracterizam-se por obstrução nasal persistente, secreções nasais que podem ser mucopurulentas, dor ou pressão na face e redução ou perda do olfato por 12 semanas ou mais.
O doente deverá recorrer inicialmente ao seu médico assistente, que iniciará o tratamento médico apropriado. Se após estes tratamentos iniciais os sintomas persistirem, deverá ser orientado para o médico especialista.
Há, no entanto, sintomas e sinais que podem indicar uma complicação grave e que obrigam a referenciação imediata ao médico especialista, nomeadamente a redução da acuidade visual, dor de cabeça intensa, inchaço do olho, visão dupla, sinais de alteração neurológica ou de infeção generalizada e hemorragia nasal.
Como se trata a Polipose Nasal? Em que casos deve ser considerada a cirurgia?
Dr. Fernando Vales - O tratamento deve ser adequado a cada paciente e individualizado, visando obter o controlo sintomático da doença. Consiste em lavagens nasais com soluções salinas, corticoides tópicos ou orais e, se o doente for alérgico, o uso de anti-histamínicos deve ser considerado. Na suspeita de infeção usam-se antibióticos. O objetivo do tratamento é alcançar o controlo satisfatório dos sintomas com a menor terapia possível.
Se os sintomas persistirem após 2-3 meses de tratamento médico apropriado deve ser considerada a opção de tratamento cirúrgico.
Os pólipos nasais podem voltar a surgir, mesmo depois de extraídos?
Dr. Fernando Vales - Dado ser uma doença crónica, a cirurgia endoscópica nasal tem como objetivo, além da remoção dos pólipos nasais, restituir a fisiologia nasal normal, permitir uma ventilação adequada, facilitar a depuração mucociliar e a aplicação de tratamentos tópicos, com consequente alívio sintomático.
A cirurgia é uma etapa do tratamento, devendo ser mantido o tratamento médico após a cirurgia, dado que os pólipos podem recidivar. Estudos mostram taxas de cirurgia de revisão de 11% em 3 anos, 21% em 5 anos e 25% em 10 anos.
A presença de pólipos nasais com asma brônquica e alergia concomitantes está associada a um maior risco de recidiva.
Na recorrência da polipose, após tratamento cirúrgico adequado e em casos graves, pode haver indicação para tratamento com medicamentos biológicos (anticorpos monoclonais).
O que fazer em matéria de prevenção? Qual a importância da adesão à terapêutica?
Dr. Laurentino Mendes Leal - O acontecimento central da doença é a resposta inflamatória descontrolada. A origem desta resposta inflamatória exagerada reside numa interação multifactorial entre fatores sistémicos, o indivíduo e o ambiente. Os fatores sistémicos incluem doenças como a fibrose cística, imunodeficiências, algumas doenças autoimunes, a doença respiratória exacerbada pela aspirina e até mesmo o refluxo de ácido gástrico. Os fatores ambientais possivelmente envolvidos incluem as alergias respiratórias (rinite alérgica e asma), a poluição ambiental e o tabagismo. A prevenção deve incidir nos fatores que são controláveis, como seja a cessação tabágica, o controle medicamentoso da doença alérgica e do refluxo, e no tratamento das doenças que podem potenciar o surgimento da polipose nasal. O tratamento médico base da rinossinusite com pólipos, que se baseia nas lavagens nasais e na aplicação local de corticoides deve ser mantida de forma consistente. O objetivo do tratamento é o controle da inflamação, minorando ou anulando os sintomas nasais com a melhoria da qualidade de vida do doente. Quando há adesão ao tratamento base, verificamos um bom controle da doença numa percentagem significativa dos doentes. Quando este objetivo não é conseguido, é necessário escalar o tratamento com corticoterapia sistémica, e antibioterapia se houver infeção bacteriana associada. A cirurgia surge como opção de tratamento quando o controle da doença não é possível com os vários tratamentos médicos.
Quais a complicações associadas à Polipose Nasal?
Dr. Laurentino Mendes Leal - A inflamação não controlada nasal conduz ao aumento progressivo do volume dos pólipos nasais e as principais complicações estão associadas à obstrução nasal: além da ausência de uma respiração nasal eficaz, estes doentes vão ter o olfacto e paladar seriamente reduzidos e apresentam maior predisposição para as infeções nasais. O crescimento dos pólipos com consequente aumento da pressão pode levar a alterações das estruturas vizinhas (cérebro e olhos) e a dismorfia da face, pelo alargamento do nariz. O mau controle dos pólipos nasais aumenta a gravidade da asma. A obstrução nasal crónica provocada pelos pólipos nasais, associada à obrigatoriedade de respiração oral por estes doentes, pode ser um fator predisponente para a roncopatia e a apneia obstrutiva do sono.
E neste sentido, quais os doentes em risco?
Dr. Laurentino Mendes Leal - Os doentes em risco são sobretudo os que não estão diagnosticados e a cumprir os planos terapêuticos. Com as modalidades de tratamento médicas e cirúrgicas disponíveis, consegue-se um bom controle da doença, com consequente reflexo na qualidade de vida dos doentes.
Qual o impacto socioeconómico desta patologia?
Dr. Laurentino Mendes Leal - O impacto socioeconómico é enorme. Esta doença tem um impacto na qualidade de vida provavelmente superior ao da insuficiência cardíaca. Esta diminuição da qualidade de vida vai ter reflexo na diminuição da produtividade profissional e no maior número de ausências ao trabalho. Por outro lado, os custos com os tratamentos também são consideráveis. Estamos a falar da utilização crónica de medicação, possivelmente, durante toda a vida do doente e da realização de cirurgias, com custos associados aos internamentos hospitalares.
No âmbito deste tema, que conselhos gostariam de deixar?
Dr. Laurentino Mendes Leal - Deixo apenas dois conselhos:
- Se verificarem obstrução nasal progressiva, pressão na face ou diminuição progressiva do olfato, devem procurar ajuda médica.
- Relativamente aos doentes com o diagnóstico da rinossinusite crónica com polipose nasal, mantenham de forma consistente os tratamentos nasais. São eles que vão controlar a inflamação que está na base desta doença respiratória.
Dr. Fernando Vales - Os sintomas de RSC não devem ser descurados, sendo essencial a procura de ajuda médica atempada, uma vez que, na atualidade e com tratamento adequado, é possível melhorar de forma significativa a qualidade de vida do doente com RSC e polipose nasal.
Dr. Gil Coutinho - Procure os cuidados médicos de um otorrinolaringologista se suspeitar que tem rinossinusite crónica. Esta suspeita pode surgir porque:
- Tem os sintomas que podem dever-se à rinossinusite crónica: obstrução nasal; diminuição do olfato; corrimento nasal; peso/dor na face;
- Viu no interior do seu nariz estruturas que se assemelham à descrição de pólipos nasais.
Cessação tabágica: parar de fumar é a atitude mais eficaz para melhorar a saúde e a longevidade. Em relação à rinossinusite, sabemos que fumar piora os sintomas da rinossinusite crónica e que parar ajuda a controlá-los.