A “revolução” tecnológica do tratamento da diabetes em tempo de pandemia
Já não vemos as pessoas com diabetes que tratamos cara a cara, já não partilhamos as suas expressões de vitória, quando conseguiram ganhar a luta contra esta doença ou de desânimo, seja porque a doença está a levar a melhor ou simplesmente porque a vida é mais que a diabetes e nem sempre nos trata bem. Esta partilha presencial é uma dimensão da Consulta de Diabetes tão importante como escolher a melhor estratégia, tipo de monitorização ou fármaco. Mas se não é possível estarmos presencialmente juntos não significa que tenhamos abandonado o nosso compromisso de colaborar com os nossos utentes no tratamento desta doença. Não é pelo facto do COVID quase nos ter congelado de medo que nos esquecemos de quem tem uma doença crónica cujos efeitos este vírus não consegue, seguramente, parar. Enquanto as instituições se preparam para possibilitar as videochamadas entre profissionais de saúde e utentes, trabalhamos, como sempre, o melhor possível com o que temos.
Antes “deste tempo” já fazíamos teleconsulta (não é essa a novidade e muito menos revolução) como apoio à consulta presencial para agilizar, sobretudo, pequenos ajustes na medicação, doses de insulina ou esclarecer pequenas dúvidas. Frequentemente, essa teleconsulta obrigava a que o utente viesse ao hospital em algum momento para (no caso da diabetes tipo 1 principalmente) descarregar os seus dados de monitorização ou bomba de insulina ou (no caso da diabetes tipo 2 principalmente) deixar “o papel” com os seus registos de glicemia ou do parâmetro que estivéssemos a tentar controlar para avaliarmos em conjunto, depois, na teleconsulta. Também os utilizadores de bombas de insulina acudiam ao hospital para recolher os consumíveis dos aparelhos que lhes foram atribuídos. Já tínhamos um grupo de doentes que descarregavam as suas bombas de insulina e aparelhos de monitorização em casa, mas era, certamente, uma minoria. E esta foi, no nosso grupo de trabalho, a grande revolução. Agora é exatamente ao contrário, apenas uma minoria de consultas são presenciais em casos muito selecionados de pessoas com dificuldade de acesso às tecnologias ou que precisem de algum procedimento específico.
Com o apoio da indústria envolvida, foi possível que a grande maioria das pessoas que tratamos recebessem os consumíveis das bombas de insulina nas suas casas e aí descarreguem os seus dados (seja da bomba de insulina, seja da monitorização de glicose) aos quais nós acedemos no hospital.
Assim, em tempo de pandemia, a impossibilidade de presença física veio impulsionar uma consulta à distância que até agora espreitava timidamente nas agendas hospitalares e todo o trabalho de recolha de dados relativos ao controlo glicémico que era feito na consulta passou a ser possível fazê-lo em casa.
Mas se sou uma defensora acérrima das consultas não presenciais também lhes reconheço algumas limitações: a falta de presença física, com tudo o que isso implica do ponto de vista humano; a maior dificuldade de troca de informação, o que, muitas vezes é fundamental para dar resposta a problemas aparentemente difíceis de entender; a dificuldade de cumprimento rigoroso de tarefas pelos utilizadores, tais como a disponibilização de dados na data combinada.
Se esta revolução do contacto predominantemente presencial para o predominantemente digital vai ter um impacto significativo no futuro não sei, mas a tecnologia está aí e esta é, sem dúvida, uma oportunidade para repensarmos modelos de consulta e tirarmos o máximo partido dos meios ao nosso dispor.