Entrevista | Dra. Catarina Carvalheiro, Unidade de Pulmão do Centro Clínico Champalimaud

«A reabilitação respiratória é uma terapêutica com benefícios indiscutíveis na melhoria da qualidade de vida» dos doentes com Cancro do Pulmão

Atualizado: 
21/04/2023 - 10:20
São vários os estudos que demonstram que a Reabilitação Respiratória tem um impacto extremamente positivo quando incluída no plano de tratamento do Cancro do Pulmão: esta melhora significativamente a função física antes dos procedimentos cirúrgicos, conduzindo a menos complicações pulmonares nos pós-operatório e potenciando a recuperação. Assim, e no âmbito do Dia Nacional da Reabilitação Respiratória, Catarina Carvalheiro, Cirurgiã cardiotorácica da Unidade de Pulmão do Centro Clínico Champalimaud, mostra por que motivo é tão importante que estes doentes tenham um acesso equitativo a estes programas.

Embora quase sempre se oiça falar de Reabilitação Respiratória associada ao tratamento das Doenças Respiratórias Crónicas, como é o caso da DPOC, a verdade é que este programa é também essencial no tratamento do doente com neoplasia do pulmão. Neste sentido, peço que nos explique em que consiste a Reabilitação Respiratória e, no caso do cancro do pulmão, em que momentos pode ou deve ser incluída?

A Reabilitação Respiratória (RR) deve ser uma parte integrante do percurso de um doente com neoplasia do pulmão.

Apesar de a evidência científica sobre os benefícios da RR ser maior em doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica, os doentes com neoplasia do pulmão fazem parte da lista de doenças respiratórias que podem beneficiar de programas de RR, da Direção Geral de Saúde.

A RR é uma intervenção abrangente que inclui várias intervenções terapêuticas desenhadas individualmente para melhorar o desempenho físico e psicossocial do doente e promover a adesão a longo prazo a comportamentos e estilos de vida que beneficiam a saúde. Deste modo, nos doentes com neoplasia do pulmão os programas de RR podem ser implementados em qualquer altura do percurso da doença adaptados às necessidades de cada doente, a cada momento.

Nos doentes com patologia respiratória grave de base, os programas de RR podem ser contínuos, com fases mais intensivas e fases de manutenção. Nos doentes com neoplasia do pulmão submetidos a cirurgia, a RR pré-operatória, serve para otimizar a capacidade respiratória de alguns doentes nos quais se prevê que a recuperação após a cirurgia possa ser mais complicada devido a alterações nas provas respiratórias e pode mesmo tornar viável a opção cirúrgica em doentes que à partida, pela sua diminuída capacidade respiratória, não eram candidatos ao tratamento cirúrgico. Já a RR pós-operatória é mandatória para uma recuperação mais célere da capacidade respiratória e para os doentes mais rapidamente voltarem a realizar as atividades quotidianas sem incapacidade após a cirurgia, geralmente por um período de 8 a 12 semanas.

De relembrar que a RR pode ter benefício não só em doentes submetidos a tratamento cirúrgico, mas também nos doentes submetidos a outros tratamentos como sejam a radioterapia e mesmo as terapêuticas sistémicas (quimioterapia, imunoterapia, terapêuticas alvo).

Quais os grandes benefícios da RR no doente com neoplasia do pulmão?

Os programas de RR contribuem para a melhoria da tolerância ao esforço, diminuição dos sintomas e aumento da funcionalidade, que se traduzem numa expressiva melhoria na autonomia dos doentes e na autogestão da doença resultando numa melhoria da qualidade de vida. No período peri-operatório diminuem a ocorrência de complicações pulmonares pós-operatórias, a duração do internamento e os custos relacionados com a saúde.

Uma vez que programa deve ser sempre adaptado às necessidades de cada doente e que este deve ser acompanhado por uma equipa disciplinar, que profissionais integram a equipa que segue estes doentes? Quais as necessidades específicas deste grupo de pessoas com doença oncológica?

Os programas de RR são constituídos por uma equipa multidisciplinar experiente composta por médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, cardiopneumologistas e terapeutas ocupacionais. Os doentes com neoplasia do pulmão devem ser sempre acompanhados por um médico, geralmente o seu Oncologista, que auxilia na adequação dos programas de RR à situação clínica para retirar o melhor benefício dos tratamentos de RR em cada momento da evolução da doença (diferentes tratamentos, agravamento/melhoria clínica).

Uma vez que falamos de cancro do pulmão, quais os tipos mais frequentes, as causas e quais os cuidados a ter em matéria de prevenção?

O cancro do pulmão é um dos cancros mais frequentes e existem dois tipos principais: o cancro do pulmão de não-pequenas células (80-85% dos casos) e o cancro do pulmão de pequenas células. O cancro do pulmão de não-pequenas células tem três subtipos: o adenocarcinoma (mais frequente), o carcinoma de células escamosas (ou carcinoma epidermoide) e o carcinoma de grandes células. O tabagismo é o principal fator de risco de cancro do pulmão e o mais bem estudado, estimando-se que seja responsável por 90% dos casos de cancro do pulmão nos homens e 80% dos casos nas mulheres. O fumo passivo, fatores ambientais, exposição ocupacional e associações genéticas são fatores de risco não tão bem estudados. A prevenção é essencial e passa por medidas de vida saudável: não fumar, evitar ambientes com fumo, ser fisicamente ativo, manter um peso saudável e ter uma dieta saudável (evitar fast food, evitar carnes vermelhas e carnes processadas, limitar o consumo de refrigerantes/bebidas açucaradas, limitar o consumo de álcool).

Quais as faixas etárias mais afetadas pela neoplasia do pulmão? Quais os grandes desafios no tratamento destes doentes?

O cancro do pulmão, como quase todos os tipos de cancro, é mais frequente em pessoas mais velhas, sendo a maioria dos diagnósticos de cancro de pulmão acima dos 65 anos e a incidência em Portugal mais elevada na faixa etária dos 70 aos 74 anos de idade. No entanto, também por uma melhoria da capacidade diagnóstica, verifica-se uma tendência de aumento dos diagnósticos de cancro do pulmão em doentes mais jovens e mulheres, muitos destes não relacionados com o tabaco. O maior desafio no tratamento do cancro do pulmão é conseguir fazer o diagnóstico o mais precocemente possível, em estadios precoces da doença, para poder oferecer um tratamento.

Sabendo que a Reabilitação Respiratória é uma intervenção com demonstrada evidência científica e é custo-eficaz, o que falta fazer para melhorar a situação da RR em Portugal? Quais as estratégias possíveis para alargar os programas de RR a todos os doentes que deles poderão beneficiar?

Atualmente os programas de RR em Portugal ainda não apresentam uma distribuição equitativa e na totalidade do território, embora já exista evidência científica do benefício desta intervenção e da sua custo-efetividade. É necessário um maior investimento nesta área não só a nível público, mas também privado e que envolva também os sistemas de saúde/seguradoras uma vez que estas intervenções têm um custo que por vezes os doentes não conseguem suportar individualmente. São necessários mais programas de RR em todo o país adequados às necessidades da população, desde os Cuidados de Saúde Primários, com programas de base comunitária até ao nível hospitalar, que permitam que todos os doentes que beneficiem possam usufruir desta terapêutica tão importante.

Na sua opinião, por que motivo não há um maior investimento nos programas de Reabilitação Respiratória?

A falta de investimento nesta área está relacionada com o desconhecimento das mais-valias desta intervenção por parte dos profissionais de saúde, dos sistemas de saúde/seguradoras, dos doentes e da população em geral, sendo necessária formação abrangente não só da comunidade médica, mas também da população e dos decisores financeiros para a melhoria do acesso aos programas de RR.

Quais as principais manifestações clínicas a que todos devemos estar atentos?

Geralmente os estadios iniciais de cancro do pulmão não causam sinais ou sintomas, aparecendo estes mais tarde na evolução da doença. Devemos estar atentos a uma tosse que não resolve em 3 semanas ou uma tosse que demora a passar e vai piorando, expetoração com sangue, infeções respiratórias frequentes, dor torácica à respiração ou à tosse, dificuldade em respirar persistente, cansaço persistente ou falta de energia, perda de apetite ou perda de peso não intencional. Outros sintomas menos comuns podem ser: dificuldade ou dor ao engolir, voz rouca, pieira ao respirar, edema da face ou do pescoço, dor torácica ou dor no ombro persistente. Nestas situações deve ser contactado o médico assistente.

No âmbito deste tema, que mensagem gostaria de deixar?

Para a melhoria dos indicadores de cancro do pulmão no nosso país é necessário investimento desde a prevenção até ao tratamento. É imperativo investir na prevenção com implementação de medidas de vida saudável e no diagnóstico precoce com implementação de programas de rastreio de grupos de risco. A reabilitação respiratória é uma terapêutica com benefícios indiscutíveis na melhoria da qualidade de vida e na redução dos custos em saúde, pelo que o investimento nesta área é imprescindível para melhorar a vida dos nossos doentes e, assim, do nosso país.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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