Processo de luto: como gerir o sofrimento de uma perda?
Por processo de luto, aquando da perda de um ser humano, entende-se a adaptação a um mundo sem a pessoa perdida e, inevitavelmente, sem tudo aquilo que ela nos proporcionava.
E, sim, “uma perda nunca vem só”. Existe uma perda primária, que diz respeito à perda da pessoa amada, e, por sua vez, existem inúmeras perdas secundárias, como a perda das rotinas partilhadas, das conversas, do abraço e do toque físico, do colo emocional que apenas essa pessoa nos proporcionava.
Desta forma, ao longo dos anos, a ciência psicológica, tem vindo a destacar os riscos da vivência de uma perda para a saúde mental, nomeadamente um risco elevado de depressão, ansiedade, perturbação do stress pós-traumático ou perturbação do luto prolongado.
Naturalmente que cada processo de luto é único e os riscos mencionados encontram-se associados a elementos como o nível de proximidade e intimidade emocional com a pessoa perdida (quanto maior a proximidade, maior o vazio da perda e o sofrimento carregado pela pessoa em luto), a fase do ciclo da vida em que a perda acontece e as circunstâncias da morte.
Quanto às circunstâncias da morte, destacam-se quatro tipos de processos de luto, designadamente: luto inesperado, luto antecipatório, luto desautorizado e luto ambíguo.
Um processo de luto inesperado remete para quando a pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, por exemplo aquando de um acidente automóvel, desastre natural ou um assalto. O risco de não existir um momento de despedida é elevado, o que aumenta o risco de patologia.
Por oposição, um luto antecipatório é aquele que ocorre antes da perda real de uma pessoa, a qual se encontra em ameaça progressiva de morte (por exemplo, no contexto de doenças crónicas, cuidados paliativos) Este integra um sofrimento prolongado e uma ansiedade intensa que controlam o quotidiano. Ainda que estas circunstâncias possibilitem um período de preparação para a perda e procura de apoio, tendem a estar associadas a processos de negação.
Por luto desautorizado entende-se o processo de luto por perdas estigmatizadas, como uma perda gestacional ou de um animal de companhia perda. Encontra-se associado a um baixo suporte social, em que a pessoa é silenciada e o sofrimento desvalorizado pelo que os rodeiam.
O luto ambíguo acontece com perdas em que não existe contacto/reconhecimento do corpo da pessoa perdida, como histórias de pessoas desaparecidas (“será que está viva?”, “e se não fosse ele a ir naquele caixão?”).
Contudo, a pessoa em luto apresenta um papel ativo para a gestão do sofrimento e tornar o processo de luto menos penoso (dentro daquilo que é possível).
Uma das principais estratégias remete para os rituais do luto. Estes permitem a transformação de uma relação que era anteriormente física numa relação interna, simbólica e emocional. Ou seja, permitem manter a presença simbólica da pessoa perdida na nossa vida, aquilo que denominados por “laços contínuos”, manter a pessoa “viva” na nossa vida, homenageando tudo o que foi para nós.
Em poucas palavras, a relação perde a sua natureza física (o toque, os abraços), mas os rituais do luto permitem sentir que a pessoa continua “próxima”, presente na nossa vida, que a relação (ainda) existe. Tomem-se como exemplos de rituais do luto:
- Construir um Livro de Memórias (fotografias, poemas, letras de músicas) ou uma Caixa de Memórias (roupa, bilhetes de concerto, pertences da pessoa perdida).
- Reservar um espaço da casa com fotografias, flores e/ou velas (ou inclusive, com as cinzas – caso faça sentido).
- Plantar uma árvore num sítio que recorde o outro (quintal da casa, jardim associado a passeios, campo/casa de férias).
- Dialogar sobre a pessoa perdida com os demais, particularmente episódios engraçados ou felizes.
- Escrita terapêutica que representa uma possibilidade de comunicar com a pessoa perdida, pedir perdão, exigir um pedido de desculpas, expressar emoções.
- Visitar a última morada (no caso do cemitério, se a pessoa se sentir confortável, colocar flores, deixar uma carta).
Por acréscimo, existem outras ferramentas, para além dos rituais do luto (individuais e familiares, pois ambos são importantes - desde ir ao cemitério sozinho e colocar flores a construir um livro de memórias em conjunto com outros membros da família).
Um exemplo é manter uma rotina de autocuidado, a qual permita cuidar da saúde mental e da saúde física e, por sua vez, garantir a existência de “energia emocional” para gerir o vazio da perda – como por exemplo, manter uma alimentação saudável, praticar exercício físico, manter uma boa rotina do sono, ter um discurso interno positivo (isto é, mudar a forma como fala consigo mesmo, substituir o “eu não vou ser capaz” por “vai ser difícil, mas vou esforçar-me para dar o meu melhor”), propiciar momentos de relaxamento, entre outros.
Outro exemplo é recorrer a técnicas distrativas. É importante o contacto com a dor (até porque não podemos fugir do sofrimento da perda), mas é igualmente importante os momentos em que desligamos do sofrimento, por exemplo, com recurso à distração (ler um livro, ver uma série, correr/caminhar, falar com uma pessoa, tricotar). Veja o exemplo do choro: só é produtivo se produzir alívio. Chorar, por um determinado tempo, e sentir-se aliviado é saudável. Passar o dia a chorar é perigoso – não sente alívio e só aumenta o sofrimento emocional e a dimensão do luto na sua vida.
Por fim, mas não menos importante, é fundamental recorrer ao colo emocional dos outros, enquanto aprender a dar colo a si próprio (“de quem gostaria receber um abraço?”, “o que eu preciso, hoje?”, “o que me faria sentir melhor?”).
Não está sozinho, procure ajuda psicológica especializada. Na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, existe a consulta de apoio no luto, em modalidade online ou presencial, na qual encontra um espaço seguro para expressar as suas emoções, identificar estratégias para gerir a dor, encontrar rituais do luto para manter a pessoa perdida presente na sua vida, aprender a gerir as diferenças familiares na expressão da dor – tudo o que fizer sentido, inclusive, voltar a encontrar-se a si próprio, após esta experiência traumática.
*As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino, psicólogos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, Revisores Técnicos da Edição Portuguesa do livro “A Mensagem das Lágrimas - Guia para Lidar com o Luto”.