E o que deve ser reivindicado, classificado como Deficiência Auditiva Incapacitante?

Porque quem tem Surdez Unilateral ou Surdez Bilateral não Severa-a-Profunda não tem direito a benefícios e direitos em Portugal?

Atualizado: 
07/09/2023 - 09:37
Qual a surdez que deverá ser classificada como incapacitante? Surdez moderada, severa? Surdez unilateral? E como a legislação deve abranger esses casos, em termos de benefícios e/ou direitos, que permitam oferecer algumas regalias e proteção social, atendendo aos padrões de avaliação e os critérios tomados, pelas dificuldades sentidas pela própria pessoa com surdez no quotidiano, e considerado justo pela própria legislação?

Panorama global sobre o impacto da surdez no Mundo:

Cinco por cento da população mundial apresenta algum tipo de surdez, diz um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentado em março de 2019. Pode-se pensar que é uma percentagem baixa. No entanto, esses cinco por cento representam 466 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia: é como se toda a população dos Estados Unidos e México, juntas, sofressem de surdez. E, em 2050, a ONU calcula que, haverá no mundo cerca de 900 milhões de pessoas com perda auditiva.

A surdez é classificada em diferentes graus, que variam de leve a profundo. A gravidade da perda auditiva é determinada pela capacidade da pessoa de ouvir sons suaves. A surdez pode ser considerada incapacitante quando interfere significativamente na comunicação e na qualidade de vida da pessoa.

A surdez é frequentemente classificada em percentagem de perda auditiva, que varia de acordo com o nível de dificuldade em ouvir sons. Por exemplo, uma perda auditiva de 20-40% é considerada leve, enquanto uma perda de 41-55% é moderada. A perda auditiva de 56-70% é classificada como severa, e acima de 70% é considerada profunda.

A classificação mais simples e comumente usada, classifica a audição em 5 níveis:

  • Audição Normal: Limiares auditivos baixo de 25 dB
  • Perda Auditiva Leve: Limiares acima de 25 abaixo de 40dB
  • Perda Auditiva Moderada: Limiares acima de 40 abaixo de 70dB
  • Perda Auditiva Severa: Limiares acima de 70 abaixo de 90dB
  • Perda Auditiva Profunda: Limiares acima de 90dB

(Para melhores, informação e compreensão, sugere-se a leitura do "Guia de Orientações na Avaliação Audiológica Básica" brasileiro e escrito em português, no link: http://fonoaudiologia.org.br/comunicacao/manual-de-audiologia/).

NOTA: É importante dizer que basta que, embora a audiometria teste o limiar auditivo em diversas frequências (entre os agudos e os graves), basta que uma dessas frequências esteja alterada para que a pessoa seja classificada como portadora de uma perda auditiva.

A perda auditiva unilateral, ou surdez unilateral (SSD), é definida como a perda auditiva profunda de um ouvido com audição praticamente normal do outro lado. As principais causas relacionadas com a surdez unilateral (e também bilateral) são ototoxicidade (toxicidade ao ouvido interno), doença de Ménière, trauma, infeção da orelha interna (secundários a uma labirintite, otite média, meningite), otosclerose, tumores (schawnomas, neurinomas e outros), doenças circulatórias (como o AVC – acidente vascular cerebral), doenças metabólicas, surdez súbita, fatores genéticos dentre outros.

Estima-se que um em cada 500 recém-nascidos e 1 a 3% das crianças tenham perdas auditivas assimétricas. Essa prevalência aumenta com o envelhecimento da população. Em adultos, estima-se que ocorra 200 casos novos de surdez unilateral por cada milhão de pessoas no mundo a cada ano, representando cerca de 50 a 60 mil casos novos nos Estados Unidos e 9 mil no Reino Unido.

Portugal é um dos países que inclui a surdez unilateral como uma incapacidade e, portanto, se dispõe de auxílios e da possibilidade de tratamento no Sistema Nacional de Saúde (SNS). A surdez unilateral pode ser incapacitante e ter grande impacto na vida das pessoas, uma vez que algumas das principais habilidades do sistema auditivo fica comprometida.

Praticamente todo o nosso dia a dia decorre em ambientes onde há ruído competidor, oriundo de máquinas, conversas, músicas, automóveis, e, portanto, a capacidade de compreensão auditiva diminui drasticamente em pessoas com surdez unilateral. Normalmente, as pessoas com surdez unilateral conseguem, de maneira limitada, se adaptarem às mais diversas situações. Em reuniões, tendem a se posicionar da forma que o melhor ouvido fique direcionado para onde acontece a conversa, ou até utilizam a leitura labial como auxílio.

De acordo com a OMS (a Organização Mundial de Saúde):

Mais de 5% da população mundial – ou 430 milhões de pessoas – necessitam de reabilitação para resolver a sua perda auditiva incapacitante (432 milhões de adultos e 34 milhões de crianças). Estima-se que até 2050 mais de 700 milhões de pessoas – ou 1 em cada 10 pessoas – terão perda auditiva incapacitante.

A perda auditiva ‘incapacitante’ refere-se à perda auditiva superior a 35 decibéis (dB) no ouvido com melhor audição. Quase 80% das pessoas com perda auditiva incapacitante vivem em países com um nível de vida bastante condicionado e inferior. A prevalência da perda auditiva aumenta com a idade, entre aqueles com mais de 60 anos, mais de 25% são afetados por perda auditiva incapacitante.

Atendendo a legislação em vigor atual, considera-se "Indivíduo com Deficiência", aquele que apresenta um grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, igual ou superior a 60%. Através do Atestado de Incapacidade Multiusos, que pode ser avaliado por Junta Médica no Centro de Saúde, na apresentação de relatórios e exames médicos que comprovem invalidez permanente ou deficiência(s).

Para se atingir a incapacidade IGUAL a 60%, o indivíduo terá de portar uma surdez de severa a profunda, bilateral, em que a taxa de incapacidade está determinada por 30% para a surdez total em cada um dos ouvidos. Isto quer dizer, que não abrange e tão injustamente, os outros casos de surdez que possam ser incapacitantes e relevantes.

A incapacidade igual (ou acima) de 60% dá acesso a vários benefícios, entre os quais:

  • Isenção de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS)
  • Transporte não urgente de doentes
  • Atendimento prioritário
  • Benefícios fiscais (IRS, entre outros)
  • Isenção do Imposto Automóvel
  • Proteção e apoios sociais.

(Consultar o "Guia Prático: Os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal", para mais detalhes em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBAAAAB%2BLCAAAAAAABACzMDW0AAAFlyTYBAAAAA%3D%3D).

Uma das maiores discussões é saber com critério e rigor quando a surdez pode ser definida como incapacitante. Esta definição ajudaria a conhecer e a classificar, assim como a atribuição dos benefícios e dos direitos às pessoas com deficiência auditiva, perante determinado cenário. Um dos benefícios deveria ser o direito global e universal à comparticipação total na aquisição de próteses e implantes auditivos, e posterior manutenção, troca/substituição (em caso de avarias), através do SNS. Depois, poderá haver acesso à comparticipação na compra de outros acessórios e serviços complementares de apoio à escuta. Outros benefícios poderiam ser considerados, em conformidade com uma legislação mais abrangente, que não se propusesse, e não fosse tão somente condicionada ou resumida ao limiar de grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Deveremos ou faz sentido discutir, a possibilidade de existir o apoio quanto ao que é determinado no limiar quando é abaixo dos 60%, por exemplo, progressivo, tal como na tabela das incapacidades está definido para a surdez?

Propõe-se que seja feita esta análise com alguma sensibilidade pelas entidades competentes, discutido pelas entidades governamentais, e que possa ser estudada a sua viabilidade. Um estudo que deveria ser apoiado nas várias vertentes, e não apenas na económica. E como conciliar com o novo panorama europeu e internacional, na sua uniformização, sendo que se pretende lançar atualmente um Cartão Europeu de Deficiência, comum aos parceiros e membros europeus (quais os itens a considerar, ou a expor? - tipo e grau de incapacidade, ou de surdez, se abranger só a deficiência auditiva).

Autor: 
A. Ricardo Miranda - Associação OUVIR
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Freepik