Doença mal compreendida

Por que motivo a palavra «Esquizofrenia» ainda nos assusta?

Atualizado: 
02/06/2021 - 12:40
Falar de esquizofrenia ainda assusta. Mal compreendida e mal-aceite, esta é uma doença que vira vidas do avesso. Com a ajuda do psiquiatra, António Palha, tentamos mostrar-lhe que embora “assustadora”, com o devido tratamento pode resultar na remissão dos sintomas e na possibilidade de adaptação social do doente.

De acordo com o especialista, “a esquizofrenia, assim chamada desde o início do século XX, nome proposto pelo psiquiatra suíço E. Bleuler, tem sido paradigma da clássica «loucura»”. Para nos levar a perceber o porquê de esta doença mental ser de tão difícil aceitação, o psiquiatra mostra-nos o seguinte cenário: “Um(a) jovem inteligente, promissor nos estudos, que começa a afastar-se dos amigos, a faltar às aulas sem razão, a andar estranho e pouco falador, a meter-se isolado no seu quarto, a falar para as paredes, a ouvir vozes etc. Este jovem em poucos meses tinha-se isolado, deixado a namorada e os estudos, enfim um falhado para a vida, por perda da socialização importante na adolescência e na passagem para a idade adulta… – Eis pois a dificuldade de aceitar esta doença que leva um jovem à deterioração da sua vida e ao afastamento do mundo circundante”.

Segundo António Palha, a perda de juízo crítico, característico da patologia, é o que despoleta o medo nos outros. Entre as principais manifestações clínicas, o especialista em psiquiatria destaca as alucinações e os delírios como a face mais visível da doença. No entanto, salienta que há um conjunto de comportamentos que compõem este quadro clínico, como é o caso da “desorganização de pensamento, o autismo, ambivalência afetiva e o embotamento afetivo”.

“Este conjunto de sintomas significa o progressivo fechamento do individuo e um afastamento do mundo exterior (autismo) – família, escola, amigos; uma perda da sua capacidade de expressar, transmitir e sentir emoções positivas para com os outros (embotamento afetivo), com comportamentos de gostar/não gostar, comunicar/ não comunicar, (ambivalência afetiva) e, no todo da vida mental, existir uma desorganização do pensamento, com o aparecimento de conteúdos delirantes e atividade alucinatória”, explica o Professor.

Surgindo, em geral, aos 17/18 anos, a Esquizofrenia parece afetar mais os jovens do sexo masculino, apresentado maior incidência nas zonas urbanas.

“Há vários fatores que podem contribuir para o aparecimento ou desenvolvimento da doença”, esclarece o psiquiatra começando por indicar o fator genético: “havendo maior risco em familiares de esquizofrénicos (nos gémeos, cerca de 50% quando são monovitelinos). São sobretudo genes que regulam o sistema dopaminérgico (dopamina é um neurotransmissor)”.

“São também apontados fatores relativos ao período pré e pós-natal, complicações de gestação da mãe (infeções, hemorragias, diabetes, desnutrição) e do parto (Hipoxia, traumatismos, baixo peso ao nascer)”, acrescenta adiantando que alguns fatores do desenvolvimento infantil, como “atrasos, abusos físicos e sexuais” podem ter alguma relevância neste processo.

“Gostaria de acrescentar que o uso e abuso de “drogas” tóxicas e ilegais, nomeadamente canábis, cocaína e anfetaminas, pode ser um forte ativador de perturbações mentais da área da esquizofrenia”, sublinha.

Perante isto, António Palha reforça a necessidade do diagnóstico o mais precocemente possível. “Perante o aparecimento num jovem dos sintomas estranhos (…) é importante uma consulta de um especialista para a possível deteção de doença psíquica grave. Na presença de uma esquizofrenia se a mesma for convenientemente tratada logo de início, o prognostico é, geralmente, bom”, afiança.

Isto significa que, embora a esquizofrenia seja uma doença grave que interfere com toda a atividade da pessoa, é possível alcançar-se a remissão dos sintomas, levando o doente a adaptar-se novamente à sociedade. “Como é uma doença produzida por alterações do funcionamento cerebral e como há medicamentos que podem reverter esse desequilíbrio biológico, é natural que retomado esse equilíbrio possa haver reversão de sintomas com a ajuda, também, da intervenção psicoterápica e de ocupação (ação multidisciplinar), que pode levar à integração numa vida equilibrada”, salienta o psiquiatra.

No entanto, e uma vez que sucesso do tratamento “depende também de fatores do ambiente, da família, e do trabalho, que podem ter um papel importante no não atingimento da remissão dos sintomas (cura clínica) ou na recaída”, é essencial, em primeiro lugar acreditar no êxito da intervenção e, após o correto diagnóstico, seguir “um programa farmacológico que integra o apoio de enfermeiros, de psicólogos, de ocupadores e, também, do fomento do exercício físico e de reabilitação”.

De acordo com António Palha, “com os novos fármacos antipsicóticos, a remissão dos sintomas permite que mais de metade dos doentes possam ter uma vida normal”.

“Devo salientar, de forma clara, que o tratamento continuado é fundamental (como sucede, em geral, com o tratamento diário por exemplo do doente diabético que ele, ou um seu familiar, não esquecem). No caso da esquizofrenia o doente e, infelizmente por vezes a família, pensa que os medicamentos ao fim de um curto período de tempo não são necessários, e colocam dúvidas quando surgem efeitos colaterais, abandonando o tratamento. Sucede que tem de haver, durante o longo período inicial de um programa terapêutico, um contacto próximo com o médico e equipa terapêutica, para um controlo periódico dos possíveis efeitos colaterais, das dúvidas e das dificuldades”, alerta.

“Felizmente o uso de cada vez mais frequente de modernos antipsicóticos de ação longa (15,30,90 dias), numa única injeção, vem melhorar a adesão ao tratamento. Daí que o apoio de uma equipa multidisciplinar, com ação psicoterapêutica complementar, ação de psicoeducação e de reabilitação social, seja necessária para que esta doença grave seja controlada para sempre”, sublinha mostrando que apesar da sua gravidade, a Esquizofrenia pode, assim que se desconstruam os mitos associados, ser considerada uma doença crónica, passível de estar sob controlo, como qualquer outra.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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