Diagnóstico em fases avançadas

Por que devia existir uma via verde do cancro do pâncreas

Atualizado: 
18/11/2020 - 15:52
O cancro do pâncreas é atualmente a 4ª causa de mortalidade por cancro em ambos os sexos, mas a sua incidência tem vindo a aumentar de tal forma, que se prevê que em 2030 seja a 2ª causa de morte, imediatamente atrás do cancro do pulmão.

A cirurgia representa atualmente a única opção terapêutica potencialmente curativa. No entanto, na altura do diagnóstico apenas cerca de 20% dos tumores são considerados ressecáveis. Apesar de todos os avanços da medicina nas últimas décadas, o prognóstico desta neoplasia continua reservado, com uma sobrevivência global aos cinco anos inferior a 5%.

Sem dúvida que o principal responsável por este mau prognóstico é o diagnóstico da doença numa fase avançada, quando o tumor já cresceu localmente e invadiu dos vasos (veias e artérias), o que impossibilita a cura através da cirurgia.

Sabe-se que, quando os doentes têm queixas (dor ou desconforto abdominal ou icterícia), apenas 15-20% destes têm tumores operáveis. A melhor compreensão da biologia tumoral, o diagnóstico precoce e a utilização de terapêuticas neoadjuvantes são as únicas formas de alterar este cenário. Assim, é fácil entender que para melhorar o prognóstico dos doentes com cancro do pâncreas, temos de investir no diagnóstico precoce das lesões pré-malignas, as quais são, muitas vezes, achados acidentais em exames de rotina realizados por outros motivos (por exemplo, TAC, ressonância magnética ou ecografia).

Os resultados nomeadamente mortalidade, complicações, tempo de internamento, sobrevida e custos estão intimamente relacionados com o volume, pelo que o tratamento destes doentes só está recomendada em centros especializados que realizem pelo menos mais de 20 ressecções pancreáticas por ano.

Lesões Pré-malignas: avaliar é fundamental

Reconhece-se hoje que existem lesões do pâncreas, nomeadamente alguns quistos, que têm maior probabilidade de evoluir para cancro, enquanto outros quistos não têm qualquer potencial de evolução e, por isso, não têm indicação para ser vigiados.

Esta diferença é de máxima importância pois se, por um lado, o diagnóstico e tratamento de lesões pré-malignas têm um potencial de cura muito elevado, por outro, a cirurgia do pâncreas tem elevada morbilidade e algum risco de mortalidade, pelo que só deve ser proposta a doentes com lesões com alto risco de transformação maligna.

A distinção entre os vários tipos de lesões do pâncreas pode e deve ser feita com recurso a vários métodos de imagem nomeadamente ressonância magnética, ecoendoscopia com eventual punção aspirativa, bem como pela medição de marcadores tumorais no sangue ou no conteúdo/líquido do quisto.

Nos doentes com fatores de risco para cancro do pâncreas deve-se estar particularmente atento ao diagnóstico precoce e/ou identificação de lesões pré-malignas. O diagnóstico recente de diabetes mellitus, sobretudo num adulto de idade mais avançada, pode ser motivo para realizar um exame de imagem para estudar o pâncreas como forma de excluir a presença de um tumor maligno.

O cancro do pâncreas só apresenta sintomas numa fase avançada, mas, ainda assim, inespecíficos. Como este órgão está localizado atrás do estômago as queixas podem ser vagas, apenas um desconforto, mal-estar abdominal, por vezes com irradiação para as costas, podendo ainda haver náuseas, perda de apetite ou emagrecimento.

Se o tumor estiver localizado na cabeça do pâncreas e causar obstrução da via biliar, pode surgir icterícia com coloração amarelada da pele e das escleróticas (parte branca) dos olhos. Como estas queixas são progressivas e graduais, o doente ou os familiares podem não notar e serem, por vezes, as pessoas que não veem o doente há algum tempo a notar. Prurido (comichão) generalizado também pode aparecer.

Algumas destas queixas em doentes com fatores de risco indicados, nomeadamente diabetes, devem obrigar a excluir obrigatoriamente tumores do pâncreas.

Diagnóstico e Terapêutica

Em geral, o diagnóstico do cancro do pâncreas obtém-se recorrendo a TAC com contraste ou ressonância magnética. Podem ser necessários exames adicionais como ecoendoscopia com eventual punção aspirativa do pâncreas (biopsia), tomografia de emissão de positrões (PET) e exames laboratoriais ou análises mais específicas.

Deve salientar-se que os exames de imagem devem ser feitos em centros de referência, com equipamento adequado e por profissionais diferenciados. O doente terá maiores benefícios se realizar os exames no centro onde for tratado. Os métodos de imagem são muitas vezes complementares entre si e devem ser discutidos pela equipa médica envolvida no tratamento do doente. Podem ser necessários mais exames ou o primeiro exame realizado de forma adequada ser conclusivo e ser proposta uma terapêutica, nomeadamente, cirurgia.

A cirurgia do pâncreas só deve ser realizada em centros especializados, nomeadamente com experiência em cirurgia hepato-bilio-pancreática e capacidade de reconstrução vascular por vezes necessária neste tipo de doentes.

Por outro lado, tal como sucede para outros tumores do aparelho digestivo, a combinação de várias modalidades terapêuticas pode ser necessária para tratamento da doença.

Assim, existem situações em que a cura cirúrgica parece pouco provável, mas a administração prévia de quimioterapia e radioterapia pode tornar a doença tratável cirurgicamente – a chamada conversão terapêutica. Há ainda outros tipos de tratamento (endoscópico e/ou radioterapia) que podem ser necessários isoladamente ou em associação para tratar os doentes com cancro do pâncreas.

De salientar, que dada a rápida evolução deste tipo de cancro, muitas vezes a celeridade do diagnóstico e do início do tratamento mais adequado é determinante para a melhoria do prognóstico e sucesso terapêutico.

Autor:
Professor Rui Maio - cirurgião-geral
Diretor Clínico do Hospital da Luz Lisboa
Coordenador do Centro do Cancro do Pâncreas do Hospital da Luz Lisboa
Diretor do Centro de Referência Nacional para o tratamento do cancro do pâncreas do Hospital Beatriz Ângelo

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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