Doença Psiquiátrica

Perturbação Obsessivo-Compulsiva é “um problema crónico e com grave incapacidade funcional”

Atualizado: 
21/02/2024 - 05:56
Tem uma prevalência que ronda os 2 e os 5% e pode apresentar um prejuízo funcional tão grave quanto outras doenças psiquiátricas com um prognóstico mais nefasto, como a esquizofrenia e outras perturbações psicóticas, por exemplo. A Perturbação Obsessiva Compulsiva é na generalidade um problema crónico, de muito difícil tratamento, com elevadas taxas de recaída e com grave incapacidade funcional. Com a ajuda do especialista em Psiquiatria, António Ferreira de Macedo, mostramos o que precisa saber para entender a patologia.

O que é?

A perturbação obsessivo-compulsiva (POC) é uma doença psiquiátrica caracterizada pela presença de obsessões e/ou compulsões que interferem significativamente no bem-estar e no quotidiano não apenas do doente, mas também da sua família.

Quais os sintomas?

Obsessões: As obsessões definem-se como pensamentos, imagens, medos ou impulsos de carácter recorrente e intrusivo, geradores de elevados níveis de ansiedade. As mais frequentes são as de contaminação.

Compulsões: as compulsões, são comportamentos ou atos mentais, repetitivos e estereotipados, realizados com o objetivo de reduzir a ansiedade gerada por aqueles pensamentos obsessivos. As compulsões mais frequentes são os rituais de verificação.

Para além dos sintomas nucleares (obsessões e compulsões), a POC caracteriza-se igualmente pela existência de outros sintomas como o evitamento, ou pela presença de diversas ideias obsessivas que, apesar de não terem um caráter patognomónico, têm sido implicadas na etiopatogenia desta doença.

Acresce que sendo a POC per se uma doença grave, muitas vezes é acompanhada de outras perturbações psiquiátricas comórbidas que mais agravam o prognóstico e dificultam o tratamento.

Estima-se, por exemplo, que 70% dos doentes com POC, em alguma altura do curso clínico vão também sofrer um (ou mais) episódio de depressão major ou outras perturbações de ansiedade.

A partir de que idade podem surgir?

A idade de início da doença (IID) é um conceito complexo e pouco consensual entre os peritos. Para uns corresponde ao momento em que surgem os primeiros sintomas e para outros à idade de início da doença na sua forma “completa”, altura em que se manifestam sintomas graves que causam prejuízo e incapacidade na vida do indivíduo. O início da POC ocorre habitualmente na adolescência ou início da idade adulta, considerando-se que cerca de 65% dos casos tem início antes dos 25 anos de idade (Macedo & Pocinho, 2007). Segundo Ruscio et al. (2010), a idade média de início é de 19.5 anos, com um início mais precoce no sexo masculino. Em praticamente um quarto dos indivíduos do sexo masculino, o início ocorreu antes dos 10 anos de idade. Em contraste, os novos casos de POC nos indivíduos do sexo feminino surgiram maioritariamente depois dos 10 anos, com maior expressão durante a adolescência.

Quais as causas?

A etiologia da POC é ainda pouco compreendida. De acordo com o modelo proposto pelo Yale Child Study Center, a etiologia da POC seria produto da interação entre fatores genéticos e ambientais. Presume-se assim que genes de “vulnerabilidade”, interagindo com fatores ambientais, têm um papel fundamental na formação e/ou atividade de circuitos neuronais específicos. Estes, por sua vez, constituiriam os substratos neurobiológicos que levariam aos sintomas da POC. Os fatores ambientais explicam cerca de 1/2 e 2/3 dos casos de POC crónica no sexo masculino e feminino, respetivamente, o que revela a sua importância na probabilidade de manter a sintomatologia.

O conjunto de perturbações neuropsiquiátricas englobado no conceito PANDAS («pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders with streptococcal infections») inclui Coreia de Sydenham, POC e tiques crónicos. Pensa-se que é causada por anticorpos antiestreptocócicos que reagem cruzadamente com neurónios nos gânglios basais, resultando numa resposta inflamatória que gera os sintomas (Leckman et al, 2011).

O papel da educação merece uma atenção especial nesta entidade clínica. É frequente que os doentes com POC tenham sido educados em meios onde a limpeza exagerada, a religião, a moral, a ordem ou a culpa sobressaiam como valores importantes. As vivências precoces com este estilo educativo desempenham um papel decisivo na estruturação da personalidade, podendo promover o desenvolvimento de traços obsessivos ou de uma POC.

Qual o tratamento?

A POC é uma doença de difícil tratamento, para a qual existem várias modalidades terapêuticas, as quais, mesmo quando combinadas, apenas determinam uma remissão parcial dos sintomas. Em psiquiatria, as terapias multimodais são mais a regra do que a exceção.

No caso da POC as evidências mostram que as estratégias psicoterapêuticas não são uma alternativa aos fármacos, mas sim um complemento necessário às medicações, de modo que a combinação tenha um efeito sinérgico/multiplicativo e não apenas aditivo. A investigação de longo prazo sugere uma maior eficácia para a combinação da terapia cognitivo-comportamental e medicação, do que qualquer deles isoladamente.

Importa sublinhar que pelo menos 10% dos doentes com POC desenvolve uma forma grave, incapacitante e refratária da doença, os quais poderão ser candidatos a terapêuticas mais intensivas. Estas intervenções baseiam-se na interrupção das ligações recíprocas entre os lobos frontais e determinadas estruturas subcorticais.

Os procedimentos psicocirúrgicos mostraram um benefício significativo, com uma melhoria sintomática em 35-50% dos doentes, embora mais recentemente, técnicas menos invasivas como a estimulação magnética transcraniana e a estimulação cerebral profunda se tenham afirmado como alternativas promissoras.

A POC é uma perturbação que, para além da perturbação objetiva que pode determinar o funcionamento do indivíduo nas suas diversas áreas de vida, pelo tempo despendido com os rituais compulsivos que podem atingir várias horas por dia, causa ainda um enorme mal-estar subjetivo que se não abordado de forma consistente e atempada poderá levar a quadros depressivos graves.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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