“Manual de Instruções” para pais e educadores

Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA)

Atualizado: 
06/01/2021 - 12:24
A Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (PHDA) é uma Perturbação do Desenvolvimento infantil que surge como resultado de uma desordem nas áreas cerebrais associadas ao controlo e à regulação da atenção, ao estado de vigília e atividade.

A PHDA é a perturbação neurocomportamental infantil mais frequente, chegando a afetar até 7% das crianças em idade escolar, sendo os rapazes até nove vezes mais afetados do que as raparigas. Pode manifestar-se muito cedo na vida da criança, embora seja mais facilmente detetada no período pré-escolar e no início da escolaridade, uma vez que são alturas em que o controlo da atenção e da atividade se tornam fundamentais ao seu desenvolvimento académico e integração social e educativa.

Mesmo sendo uma perturbação do desenvolvimento, não está associada a qualquer diminuição cognitiva ou sensorial do cérebro, nem tão pouco resulta de pouca estimulação escolar ou de falta de motivação da criança para estudar e aprender. No entanto, à semelhança do que acontece com outras perturbações do desenvolvimento, a criança com PHDA terá necessariamente um percurso mais desafiante para conseguir os mesmos desempenhos que uma criança sem PHDA, não só no percurso escolar e académico, como também no seu dia-a-dia.

Tipos de PHDA

Os efeitos da PHDA podem variar de pessoa para pessoa, assim como ao longo das diferentes etapas da vida de cada pessoa. De acordo com o DSM-V-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), existem três tipos de PHDA dependendo do sintoma que predomina na criança:

PHDA predominantemente caracterizada pela desatenção:

A criança tem muitas e permanentes dificuldades de concentração, mas sem hiperatividade-impulsividade significativa. Isto é, as crianças com este tipo de PHDA têm limitações significativas em focar e manter a atenção em assuntos que lhes pareçam pouco estimulantes em termos audiovisuais. De igual modo, não têm iniciativa para organizar tarefas e resolver problemas, ou para aprender algo novo, sentindo-se facilmente aborrecidas passados apenas alguns minutos.

PHDA predominantemente caracterizada pela hiperatividade-impulsividade:

Crianças hiperativas têm dificuldades sérias em permanecer quietas e silenciosas, mesmo quando o contexto ou a situação assim o exigem (por exemplo na sala de aula ou à mesa). Crianças impulsivas frequentemente não são capazes de controlar as suas reações imediatas ou de pensar antes de agir (por exemplo fazer comentários inadequados e ter reações agressivas sem pensar nas consequências). Nestes casos, a criança não apresenta problemas atencionais significativos.

PHDA de tipo misto:

A criança apresenta sintomas de ambos os tipos.

Causas da PHDA

Crianças com PHDA são muitas vezes, preconceituosamente, vistas como sendo irremediavelmente indisciplinadas ou desmotivadas para a aprendizagem. Pais de crianças com esta perturbação questionam-se frequentemente sobre se terão feito algo de errado na educação dos seus filhos, acarretando isso um doloroso sentimento de culpa e excessiva autorresponsabilização. No entanto, o crescente conhecimento sobre o assunto nos últimos anos vem desmentindo esta perceção do problema, havendo cada vez mais evidências de que a sua origem não está no tipo de ambiente familiar e educacional, mas em causas biológicas, podendo ocorrer em pessoas de todos os contextos socioeconómicos e níveis intelectuais.

Importa referir que, embora estas crianças tenham mais dificuldades em focar e manter a sua atenção naquilo que respeita à aprendizagem formal, a sua irrequietude intrínseca frequentemente resulta numa imensa curiosidade em relação a tudo o que as rodeia, tornando-as pessoas particularmente capazes de reparar em detalhes que nos passariam despercebidos, e em usufruir de tudo aquilo que as envolve e capta a sua atenção.

Origem genética da PHDA

Estudos feitos ao longo das duas últimas décadas indicam que a PHDA poderá ter origem genética, apresentando uma taxa de hereditariedade estimada em 25%. Mais recentemente, estudos baseados em imagens de alta resolução do cérebro realizados no National Institute of Mental Health nos Estados Unidos, indicam que a PHDA poderá estar associada a um menor volume em várias regiões do cérebro, nomeadamente ao nível dos lobos frontais, os quais são responsáveis pela nossa capacidade de resolver problemas, planificar, compreender o comportamento dos outros e controlar os nossos impulsos.

Origem ambiental e/ou adquirida da PHDA

Outros estudos apontam para o consumo de álcool e tabaco durante a gravidez, assim como a exposição a certos elementos tóxicos, como fatores de elevado risco para o subdesenvolvimento do cérebro da criança e maior probabilidade de ocorrer PHDA. Também tem sido sugerido que uma alimentação demasiado rica em açúcar refinado e aditivos poderá causar e/ou amplificar os sintomas associados a esta perturbação.

À semelhança do que acontece com outras perturbações do desenvolvimento, a PHDA também pode resultar de uma lesão cerebral provocada por algum tipo de acidente (como uma trombose ou um traumatismo craniano). Isto aplica-se no caso de pessoas que nunca tenham tido problemas de concentração e autocontrolo durante a sua vida e cujo traumatismo tenha ocorrido em áreas do cérebro que afetam direta ou indiretamente estas áreas. No entanto, são poucos os casos conhecidos de crianças com PHDA que tenham sofrido um tal traumatismo.

Diagnosticar a PHDA

As principais características de uma criança com PHDA - falta de atenção, hiperatividade e impulsividade – aparecem cedo na sua vida. Dado que muitas crianças podem também, ocasionalmente, apresentar estes sintomas, cuja origem pode também estar noutras causas – como a depressão e ansiedade - o diagnóstico da PHDA não é fácil de fazer.

Por um lado, uma criança impulsiva que age e fala sem pensar pode ser facilmente confundida como tendo falta de disciplina ou regras. Por outro lado, uma criança mais lenta e passiva pode ser interpretada como meramente desmotivada. De igual modo, é mais fácil reparar no comportamento disruptivo de uma criança impulsiva e/ou com hiperatividade, em comparação a uma criança que seja mais discreta e que passe muito tempo alheada de tudo, a “sonhar de olhos abertos”.

A importância de um diagnóstico precoce

Para além das limitações ao nível do desempenho escolar e social, a PHDA afeta muitas vezes a autoimagem e a autoestima da pessoa que a apresenta. Sendo uma perturbação do desenvolvimento permanente, uma vez diagnosticada vai acompanhar a pessoa durante toda a sua vida. Crianças com PHDA podem sentir-se menos inteligentes e menos capazes do que na realidade o são; e o desgaste de repetidas situações de stress relacionadas com problemas escolares e sociais resultam muitas vezes numa crescente desmotivação em prosseguir os estudos. Para evitar esta espiral negativa, o diagnóstico e a intervenção precoce fazem toda a diferença na qualidade de vida da criança.

Geralmente, a impulsividade e a hiperatividade antecedem a falta de atenção. É quando estes sintomas começam a afetar a sua performance escolar e as suas relações socio-afetivas que se começa a suspeitar de uma possível PHDA.

Para isso, é fundamental que pais e educadores estejam atentos a determinados sinais de alerta na criança, quer no que toca à sua competência escolar, quer na sua comunicação com os pares e adultos (por exemplo, se tem dificuldades persistentes em manter-se quieto e silencioso na sala de aula; se dá respostas descontextualizadas às perguntas do professor; se demora demasiado tempo a concretizar as tarefas escolares, independentemente da sua complexidade; se é irrequieta de forma permanente).

Todos estes sinais poderão dar pistas importantes aos pais e aos educadores/professores sobre como a criança se adapta a este mundo complexamente organizado que é a escola e, de uma forma geral, o mundo social. Uma boa comunicação entre pais, professores e técnicos especializados, é determinante para identificar sinais e despistar a PHDA ou outras perturbações de desenvolvimento em idade precoce.

Uma vez diagnosticada, torna-se possível implementar estratégias de desenvolvimento das capacidades da criança. Quanto mais cedo for feita a intervenção, mais hipótese a criança terá de desenvolver a sua capacidade de concentração, organização e controle, devido à maior “plasticidade” do cérebro infantil em comparação com o cérebro adulto.

Sinais de Alerta da PHDA

Crianças com apenas quatro anos de idade já podem ser diagnosticadas com PHDA com bastante exatidão, embora os sintomas associados a esta perturbação se tornem particularmente notórios na entrada para o ensino formal, altura em que a criança vai ser desafiada com uma maior exigência em termos da sua capacidade de foco e da sua interação com os seus pares e professores. Neste sentido, podem e devem ser considerados os seguintes sinais de alerta:

Dificuldades em:

  • Prestar atenção a detalhes;
  • Prestar atenção ao que lhe é dito;
  • Cumprir regras e seguir instruções;
  • Ficar sentado por períodos de tempo mais longos;
  • Ser paciente e esperar pela sua vez.

Tendência para:

  • Desviar a sua atenção para outras atividades diferentes da que está a realizar;
  • Não concluir as diferentes tarefas/atividades que inicia;
  • Ser desorganizado;
  • Evitar atividades que exijam da sua parte um esforço cognitivo continuado e persistente;
  • Distrair-se frequentemente com coisas alheias àquilo que está a fazer;
  • Esquecer-se de compromissos e tarefas previamente estabelecidos;
  • Esquecer-se e aborrecer-se facilmente com tarefas que considera demasiado complexas;
  • Apresentar agitação motora (por exemplo, mexer os pés e/ou as mãos), mesmo quando se encontra sentado;
  • Mexer-se demasiado em situações inapropriadas (por exemplo, na sala de aula, à mesa das refeições, entre outros);
  • Ser demasiado barulhento em atividades de lazer;
  • Ser excessivamente agitado;
  • Falar em excesso e para não pensar antes de falar;
  • Responder a perguntas antes de as ter escutado até ao fim;
  • Interromper as pessoas, e intrometer-se em conversas alheias ou jogos nos quais não está a participar.

Para além destes sintomas, existe uma probabilidade de cerca de 20-30% de que crianças diagnosticadas com PHDA, venham a apresentar uma ou mais dificuldades de aprendizagem, sendo as mais comuns em contexto escolar, a dislexia, a disortografia e a discalculia.

Importa sublinhar que, embora a criança possa apresentar a maioria destes sintomas, isso não significa necessariamente que estejamos perante um quadro de PHDA. É absolutamente fundamental ter em consideração estes sintomas, enquanto potenciais sinais de alerta, mas recorrendo a uma avaliação profissional e especializada para obter um diagnóstico acertado.

Sempre que crianças ou jovens revelem alguns dos sinais de alerta relacionados com a PHDA, pais e professores devem procurar o quanto antes uma avaliação mais detalhada junto de técnicos especializados, dado que o sucesso da intervenção será tanto maior quanto mais cedo forem detetadas e intervencionadas estas situações. O diagnóstico e a intervenção na PHDA podem ser realizados por psicólogos clínicos, psicólogos educacionais e neuropediatras. A avaliação consiste geralmente numa entrevista inicial aos pais, seguida de quatro/cinco sessões com a criança e de uma entrevista aos seus professores, sendo igualmente entregues questionários para serem preenchidos pelos pais e professores. Nesta fase de decisão é fundamental ter-se em conta os diferentes fatores que estão a provocar o comportamento inerente ao quadro de PHDA para posteriormente se decidir pela intervenção terapêutica mais adequada às necessidades de cada criança.

Em casos de PHDA mais ligeiros, deverá optar-se por uma intervenção essencialmente psicopedagógica através de atividades em que são estimuladas e otimizadas diversas competências da criança. Os programas de intervenção mais eficazes no tratamento da PHDA consistem numa a duas sessões por semana, durante as quais são aplicadas estratégias de modificação de comportamento e treinadas as funções de atenção/concentração adequadas às necessidades da criança e aos seus diferentes contextos quotidianos. A reeducação comportamental e o treino da concentração e do controlo baseiam-se em atividades profundamente estruturadas e sistematizadas, assim como na implementação de atividades lúdico-pedagógicas. É absolutamente fundamental que o técnico mantenha uma comunicação estreita com os professores e com os pais da criança, de forma a conciliar as estratégias educativas utilizadas.

Em casos de PHDA mais severos, o neuropediatra poderá recomendar a intervenção farmacológica para conseguir controlar os sintomas associados a esta perturbação do desenvolvimento. No entanto, sabe-se que esta abordagem deverá ser sempre acompanhada pela abordagem de reeducação psicopedagógica.

Se não for acompanhada com uma intervenção adequada a PHDA pode colocar sérios entraves ao sucesso escolar e à progressão académica da criança. Esta perturbação torna as crianças menos disponíveis para a aprendizagem pelo seu elevado nível de atividade, falta de atenção e/ou impulsividade, dificultando muito a aprendizagem. É por isso necessário, implementar estratégias de intervenção alternativas para que a criança aprenda a aprender. Através destas e de um treinamento focalizado, as dificuldades atencionais nestas crianças podem ser muito atenuadas e até largamente reeducadas.

*Este conteúdo foi desenvolvido pelo Centro SEI para o Atlas da Saúde.
O SEI é um centro de referência no tratamento das perturbações do desenvolvimento e da aprendizagem. Fique a conhecê-lo através da página https://www.centrosei.pt/

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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