Projeto-Piloto no Alentejo

Pé diabético: mais de 80% dos utentes de lares e centros de dia em risco para desenvolver úlceras nos pés

Atualizado: 
07/08/2020 - 09:55
O Pé Diabético é uma das principais complicações da diabetes, estimando-se que ocorram, a nível mundial, duas amputações por minuto à custa deste distúrbio. Por cá, segundo a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), entre 20 a 25% das admissões hospitalares de pessoas com diabetes se devem ao pé diabético. Considerada uma zona crítica, pela falta de cuidados estruturados nesta área, a região do Alentejo é aquela em que os doentes apresentam maior risco de lesão.
Pé a ser massajado

Pelo menos, esta foi principal conclusão de um projeto-piloto que a APDP desenvolveu, no último ano, em três concelhos alentejanos – Alcácer do Sal, Montemor-o-Novo e Vendas Novas -, com o objetivo de prevenir e controlar o pé diabético junto dos utentes de lares e centro de dia. “As pessoas que recebem apoio de IPSS são, por norma, pessoas com maior grau de dependência e com maior dificuldade em se deslocarem aos centros de saúde. Por outro lado, as IPSS, embora tenham nos seus quadros profissionais de saúde, não têm peritos em cuidados ao pé diabético”, começa por explicar Luís Filipe Prata, enfermeiro da APDP.

A escolha destes três concelhos para o arranque deste projeto deveu-se essencialmente à sua localização. “São concelhos periféricos, que ficam distantes dos centros de Lisboa, Setúbal, Santiago do Cacém e Évora, para onde os utentes destas áreas têm de se deslocar parar terem consultas de especialidade em diabetes”, acrescenta o especialista em pé diabético, referindo, no entanto, que estes “não são casos únicos no Alentejo”.

A falta de recursos, quer humanos quer materiais, agravam a situação. “Todos os profissionais de saúde reconhecem este problema e existem até alguns espaços para consultas de pé diabético, mas que têm muitas dificuldades em responder às necessidades existentes”, adianta.

Feito o balanço, este projeto conseguiu identificar um elevado número de doentes em risco e muito pouco sensibilizados para o problema. “82% dos utentes das 18 IPPS participantes apresentavam níveis de risco médio a alto para desenvolver úlceras nos pés”, revela Luís Filipe Prata. A maioria desconhecia os sintomas e não sabia sequer relacionar as suas queixas ao pé diabético. O mesmo se verificou junto daqueles que cuidam. “Há casos de utentes que se queixavam de dor neuropática e referiam que, à noite, sentem «formigas nos pés» ou «brasas nos pés» e os seus cuidadores não associavam estas queixas ao pé diabético. Em muitos casos, pensavam tratar-se de demência ou uma forma de reclamar mais atenção”, conta.

Tendo em conta esta realidade, a APDP realça que são necessários mais profissionais formados, “mas também com experiência adquirida em contexto de equipas peritas”, no tratamento do pé diabético. Por outro lado, Luís Filipe Prata chama atenção para a necessidade de se prestarem cuidados de proximidade por parte destas instituições. “Vão ter de abandonar os seus edifícios (…) o que ajudará a responder de forma mais eficaz aos problemas dos seus utentes”, afirma. E dá um exemplo: “encontrámos um caso de uma pessoa que tinha já uma ferida grave, que só foi detetada porque nos deslocamos ao local e foi uma das muitas pessoas rastreadas. Esta pessoa tinha caído em casa dois dias antes e com a queda traumatizou de tal forma o 5º dedo do pé que praticamente se autoamputou. Se não tivéssemos identificado a situação, esta pessoa hoje poderia ter sido submetida a uma amputação major ou mesmo ter acabado por falecer por causa de uma infeção grave”.

Além de mobilizar a comunidade e os recursos locais, este tipo de projeto “permite reduzir o sofrimento das pessoas e os custos em saúde com o tratamento de feridas e amputação”.

O que é afinal o pé diabético e quais os cuidados a ter?

O pé diabético é definido pela Organização Mundial de Saúde como o pé de um doente diabético com infeção, ulceração (úlcera) ou destruição do pé provocada por alterações dos nervos ou dos vasos (artérias). No entanto, segundo o médico endocrinologista Luís Gardete Correia, “muitos peritos consideram existir pé diabético quando já se manifestam algumas complicações do pé, causadas pelas diabetes, como a perda de sensibilidade (neuropatia) e alterações da circulação arterial (doença arterial periférica”).

Assim, embora em fases iniciais não seja fácil identificar os sintomas, há alguns sinais aos quais deve prestar atenção: “dormência ou desconforto noturno, descrito pela maioria das pessoas como picadas, ardor, calor, formigueiro, dor inexplicável e cãibras”, características da neuropatia. Nestes casos, podem ainda apresentar-se outros sintomas como “dedos em garra, pé quente e rosado e calosidades com tendência a ferimento”.

“A pessoa com pé diabético também pode sentir cãibras na perna quando está deitada ou quando caminha. No caso da caminhada, a cãibra acontece mais do que uma vez (quando associada a doença arterial)”, explica o especialista. O pé pode apresentar-se frio e tendencialmente roxo/azulado (cianótico).

Embora o não controlo metabólico na diabetes seja a principal causa do desenvolvimento do pé diabético, sabe-se que ter a doença há mais de 10 anos eleva o risco de sofrer de complicações no pé.

No que diz respeito ao seu tratamento existem várias opções terapêuticas, assim como medidas preventivas. “Existe a possibilidade de serem realizadas quiropodias que são, principalmente, tratamentos de calosidades e unhas”, por exemplo, ou a “construção de ortóteses (…) quando existem deformidades no pé, em especial ortóteses plantares (ou seja, palmilhas adaptadas), bem como calçado adaptado”, exemplifica o enfermeiro Luís Filipe Prata.

Em casos de neuropatia, é possível o tratamento pelo médico especialista. “Na doença arterial, é possível a avaliação e intervenção de angiologia que, em muitos casos, consegue reabilitar o fluxo circulatório”, acrescenta o endocrinologista.

Em matéria de prevenção, Luís Filipe Prata deixa algumas recomendações:

  • Inspeção diária dos pés;
  • Lavagem regular com sabonetes hidratantes;
  • Secagem cuidadosa e não agressiva, em especial entre os dedos;
  • Evitar fontes de calor como lareiras, aquecedores e sacos de água quente;
  • Não andar descalço e utilizar calçado adequado, que tenha espaço suficiente para o encaixe do pé e que seja de pele, com atacado ou velcro e sola em borracha;
  • Inspecionar o interior do calçado antes de calçar;
  • Utilizar cremes hidratantes com 10% de ureia;
  • Mudar diariamente de meias;
  • Utilizar meias de algodão e sem costuras ou elásticos que marquem;
  • Não utilizar calicidas
  • Procurar ajuda de profissionais de saúde, como enfermeiro, podologista ou médico, sempre que tenha algum problema ou ferida no pé.

O que fazer se der conta de uma ferida no pé?

Segundo Luís Filipe Prata, enfermeiro especialista em pé diabético, no caso de detetar uma ferida no pé, deve proceder à sua limpeza, recorrendo ao soro ou à água corrente para lavar e colocar um penso de cobertura antialérgico.

“Assim que for possível, deverá sempre recorrer à equipa de saúde que o acompanha, sobretudo em relação à diabetes, pois é esta equipa que, por sistema, está mais apta para ajudar ou encaminhar para o local mais adequado”, acrescenta realçando que a ferida no pé diabético é sempre uma ferida complexa que necessita de uma abordagem diferenciada, feita por peritos.

“Estas feridas não se tratam com pomadas ou líquidos desinfetantes sem uma avaliação adequada. São muitos os casos em que a pessoa opta por iniciar um tratamento autonomamente, sem avaliação de um profissional perito em tratamento de feridas, e acaba por agravar e complicar a possibilidade de cicatrização”, justifica. Por isso esteja atento!

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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