Saúde sexual

A partir de que idade devemos falar de sexo com as crianças?

Atualizado: 
18/09/2020 - 15:12
Não existe idade ideal para começar a falar de sexo às crianças. O que está certo é dar as respostas “certas” a cada faixa etária da criança. Neste artigo, Margarida Mendes, psicóloga clínica na Clínica de Santo António, explica o essencial sobre o tema, referindo que é maturidade da criança que dita como damos respostas às suas questões.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de saúde sexual é entendido como um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social em relação à sexualidade, englobando ainda a possibilidade de se ter uma vida sexual agradável e segura, livre de coerção, discriminação e violência.

A OMS alega que a realização daquele padrão de saúde sexual está estritamente ligada ao respeito, proteção e realização dos direitos humanos, tal como o direito à não discriminação, à privacidade e confidencialidade, bem como os direitos à educação, informação e de acesso aos serviços de saúde.

Por outro lado, a OMS defende que a sexualidade envolve vários aspetos da nossa vida, nomeadamente: as diferenças biológicas entre homens e mulheres, as identidades e papéis de género, a orientação sexual, o erotismo, o prazer, a intimidade e a reprodução.

Face à sensibilidade do tema, e considerando que é fundamental na educação de todos, a informação sobre sexualidade deve ser abordada com naturalidade, com conversas adequadas à maturidade e à idade das crianças e adolescentes, desmistificando um pouco o conceito pré-existente entre nós.

Com efeito, numa sociedade marcada pelo conservadorismo, falar sobre sexualidade aos mais novos é muito complicado, o que torna difícil a desejada naturalidade. Muitas vezes, não é só aquilo que se diz, mas sim, encontrar as palavras certas para o fazer. Na verdade, se o sexo ainda é tabu para os adultos, é ainda mais complexo falar do assunto com as crianças.

Estas, aprendem muito cedo a expressão dos afetos através das relações que são estabelecidas entre si e quem as rodeia. Por isso mesmo, a forma como as famílias vivem a sua intimidade, como se relacionam com o corpo é transmitido às crianças desde muito cedo.

A partir do momento em que as crianças aprendem a falar, a curiosidade infantil dispara e surgem as questões. Mas “a idade dos porquês” é também a idade certa para o conhecimento.

De forma adequada à maturidade da idade dessas crianças, os pais e os educadores de proximidade devem responder-lhes de uma forma objetiva, sem metáforas e, de seguida, perceber se elas entenderam o que lhes foi transmitido. É uma boa altura para se estar atento ao tipo de observação e responder somente àquilo que foi perguntado. Escutar da criança o que ela traz para a elaboração da sua questão, é perceber o conhecimento que ela detém de determinado assunto e é a melhor maneira de encontrar a resposta adequada à situação.

Não existe idade ideal para começar a falar de sexo às crianças. O que está certo é dar as respostas “certas” a cada faixa etária da criança. Mas sem infantilizar. Vejamos:

Dos 18 meses até aos 3 anos, altura em que começam a controlar os esfíncteres, as crianças experimentam uma fase de prazer, marcada não só pelos elogios tecidos pelos adultos por irem sozinhos à casa de banho, como por descobrirem que têm um órgão sexual. Esta pode ser uma ótima ocasião para os educadores introduzirem as noções de privacidade e intimidade. Mostrar-lhes a diferença entre aquilo que é público (a rua) e aquilo que é privado (a casa de banho, o quarto).

Aos 4 e 5 anos, é normal que questionem as diferenças entre meninos e meninas e quererem explorar-se a si próprios e ao outro. Nesta fase é importante reiterar os cuidados a ter com o corpo e o conceito de privacidade, referindo que podem tocar-se, mas só podem fazê-lo em privado.

Dos 6 aos 8 anos, as crianças manifestam, à sua maneira, curiosidade na conceção, na gravidez e no parto.

Dos 9 aos 11 anos, em plena puberdade, é útil conversar sobre menstruação, as mudanças no corpo e reforçar a higiene íntima.

Aos 12 e 13 anos podem solicitar informações sobre o período, a ejaculação, a masturbação, métodos contracetivos e doenças sexualmente transmissíveis.

Se a criança chegar aos 10 anos sem manifestar qualquer curiosidade sobre o tema, é sinal de que está na altura de serem os pais a abordar o assunto.

Como acabamos de ver, a educação para a sexualidade na infância e pré-adolescência abrange o conhecimento do corpo humano, o respeito por si e pelo outro, a higiene, a nudez, a privacidade e o consentimento.

E, como parte integrante do seu desenvolvimento, a masturbação também aqui aparece como curiosidade natural da criança. Por vezes, tanto os pais como os professores não sabem como lidar com a situação e acabam por repreender a criança em lugar de orientá-la. Porém, também este é um bom momento para voltar a falar sobre a intimidade, a privacidade e pelo respeito do próprio corpo. Desta maneira, quando chegar à adolescência, poderá lidar melhor com as selfies e as exposições nas redes sociais.    

Não esquecer que as crianças sem educação sexual ficam mais vulneráveis, pois não conhecem o seu corpo. Com a internet e as redes sociais ao seu alcance, muitas deparar-se-ão com o tema da sexualidade, o que, se por um lado traz esclarecimento, por outro, abre caminho a informações desadequadas para cada etapa do seu desenvolvimento. Cabe aos pais a difícil tarefa de aconselhar onde deverá ir procurar informação fidedigna.

Por sua vez, a educação sexual no meio escolar tem caráter obrigatório e destina-se a todos os alunos que frequentam estabelecimentos de ensino básico e secundário da rede pública e os estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contratos de associação, do território nacional. É a Lei n.º 60/2009 de 6 de agosto que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar. O seu artigo 2.º, determina o seguinte:

Constituem finalidades da educação sexual:

a) A valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa;

b) O desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade;

c) A melhoria dos relacionamentos afetivo-sexuais dos jovens;

d) A redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez não desejada e as infeções sexualmente transmissíveis;

e) A capacidade de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais;

f) O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais;

g) A valorização de uma sexualidade responsável e informada;

h) A promoção da igualdade entre os sexos;

i) O reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde;

j) A compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos;

l) A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual. “

Por outras palavras, a escola deve educar a criança e o adolescente para o respeito pelo outro, para a proteção e para temas que respeitem os direitos humanos. A educação formal não vai contra os valores transmitidos pelos pais, nem incentiva a prática sexual. É sim, um complemento na educação para a saúde das crianças e adolescentes, a qual deve ser feita por profissionais devidamente habilitados, na medida em que, falar sobre as partes íntimas é fundamental e tal tarefa não é nada fácil.

A criança deve saber o que são e os nomes científicos das partes íntimas, quem pode auxiliá-la na higiene e nos cuidados íntimos. Também aqui aprenderá mais sobre privacidade, consentimento e respeito.

A educação sexual é ainda uma forma de prevenir os abusos e a violência sexual. Na verdade, é necessário dar a conhecer às crianças e aos jovens os direitos de viver a sexualidade e as formas de violência desses mesmos direitos. Nesta sequência, é relevante, em sede de educação sexual, ensinar o que é amar, o que é afeto e privacidade. Isto é fundamental para que a criança possa identificar e prevenir um abuso, pois ela saberá, na altura certa, diferenciar o que é um afeto e abuso ou violência sexual e comunicar tal facto aos pais ou professores.

E, em todo o processo, a escola é fundamental, já que esta é o espaço de socialização, por excelência, tanto das crianças, quanto dos adolescentes.

Por tudo o que dissemos, a sexualidade não poderá ser tabu. O cumprimento da citada norma jurídica fará todo o sentido, pois só com o esforço comum entre a família e a escola se atingirá aquele objetivo. Se assim não fizer, tal negligência poderá custar muito caro a algumas pessoas, em particular, e à sociedade, em geral.

Autor: 
Margarida Mendes - Psicóloga na Clínica de Santos António
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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