“A pandemia mudou toda a prestação de cuidados”
Foi um início complicado pois, ao mesmo tempo que nos tínhamos de adaptar a toda uma nova forma de trabalhar, tínhamos de lidar com um “inimigo” perigoso, mas desconhecido.
Tivemos de recorrer a algumas daquelas caraterísticas que tão bem definem a enfermagem para fazer frente a esta situação assustadora para todos. Foi com resiliência, com sacrifício (muitas vezes pessoal e familiar) e acima de tudo com uma grande coesão das equipas que conseguimos dar o nosso melhor em circunstâncias tão diferentes.
E numa altura em que se esperava que tudo melhorasse, piorou.... Uma nova fase, que deixou todas as instituições hospitalares assoberbadas de trabalho e que pôs verdadeiramente à prova a sua capacidade de adaptação e dos seus profissionais.
Muitos colegas enfermeiros viveram nesta fase uma das mais desafiantes das suas carreiras, sendo deslocados dos seus serviços habituais para dar resposta ao aumento de volume de trabalho nas áreas de resposta à pandemia.
Foi a altura da minha vida profissional onde mais senti uma enorme ambiguidade de sentimentos. Por um lado, a sensação de realização profissional e de utilidade, de fazer parte de uma luta difícil, extenuante, mas necessária. Por outro lado, a insegurança de voltar a uma área que já não dominava, o medo de não conseguir dar resposta em determinadas situações, e o receio de lidar com o fim de vida de forma dolorosa e frequente.
Foi um período fisicamente cansativo, com turnos longos e trabalhosos, mas o grande desafio foi ter exigido de todos uma estrutura anímica e psíquica forte para o conseguirmos ultrapassar.
Mas não houve só coisas más, e no meio de todo o caos reacendeu-se uma coesão e trabalho de equipa fantásticos, possibilitando assim superar a crise. Só com a entreajuda e apoio entre colegas consegui passar por cada dia menos bom, consegui acabar aquele turno tão difícil e ganhar coragem para o seguinte. Com as conversas e partilha de experiências naqueles momentos mais calmos percebi que todos têm os seus medos e fragilidades, mas que com a união e resiliência de toda a equipa é muito mais fácil ultrapassar as dificuldades. Percebi que não há problema em ter medo, há que pô-lo de parte durante 12 horas, dar o nosso melhor, respirar fundo e ganhar coragem para mais um dia!
Durante este período houve duas frases que me acompanharam:
“Coragem não é a ausência de medo, mas o entendimento de que algo é mais importante do que o medo”, de Ambrose Moon.
“Quem está nas trincheiras a teu lado?
E isso importa?
Mais do que a própria guerra!” (Ernest Hemingway)
Espelham na minha opinião tudo o que vivemos e todo o espírito envolvido.