Tumores

Pandemia Covid-19 veio agravar ainda mais o cenário desolador do cancro do Pâncreas

Atualizado: 
19/11/2020 - 15:16
O cancro do pâncreas é a terceira neoplasia maligna do sistema digestivo mais frequente em Portugal, logo a seguir ao cancro do cólon e do estômago. Com sintomas pouco específicos, o diagnóstico costuma chegar em fases tardias da doença, limitando o seu tratamento. A pandemia veio agravar a situação destes doentes. O receio de ir ao médico, a suspensão de consultas e exames “impediu que, mesmo aqueles que seriam detetados a tempo e potencialmente curáveis, se tivessem mantido esquecidos em listas de espera intermináveis”, alerta Ana Caldeira, presidente do Clube Português do Pâncreas.

Com sintomas “geralmente vagos e inespecíficos”, o cancro do Pâncreas é um cancro difícil de diagnosticar nas suas fases precoces. Em Portugal, estima-se que, todos os anos, surjam 1400 novos casos da doença. “No momento do diagnóstico”, apenas 20% dos doentes são candidatos a tratamento cirúrgico. Isto significa que a grande maioria dos casos apresenta, logo à partida, um prognóstico muito reservado, o que faz deste tipo de cancro um dos diagnósticos mais temidos na área da oncologia. “Apesar de ser uma forma de cancro pouco frequente, o cancro do pâncreas é um dos tumores sólidos mais mortais. Somente 5 a 8% dos pacientes sobrevivem os 5 anos e a sobrevida média após o diagnóstico é inferior a 5 meses”, revela a gastrenterologista, Ana Caldeira.

“O aparecimento da sintomatologia deve motivar o doente a recorrer ao seu médico assistente, seja através de consulta presencial ou de consulta telefónica. Só assim poderá iniciar a escalada diagnóstica de um possível tumor do pâncreas e/ou ser referenciado à consulta especializada”, sublinha a especialista.

Entre os principais sintomas ou sinais de alerta, a presidente do Clube Português do Pâncreas destaca a “dor na região superior do abdómen com irradiação para as costas, que agrava após as refeições e na posição de decúbito dorsal”, icterícia e urina turva. “Outros sintomas menos frequentes são a comichão, indigestão, alteração dos hábitos intestinais, perda de peso inexplicável, depressão, diarreia (esteatorreia), perda de apetite, fenómenos de trombose vascular ou diabetes de diagnóstico recente”, acrescenta chamando, no entanto, à atenção de que estes sintomas “podem estar associados a outras condições”, não sendo por isso específicos a esta patologia. “A sintomatologia é comum a outras patologias muito frequentes como gastrite, gastroenterite, litíase biliar, doenças hepáticas ou síndrome do intestino irritável, o que pode confundir ou ignorar o diagnóstico diferencial com o cancro do pâncreas condicionando atrasos no diagnóstico”, explica.

Esta falta especificidade dos seus sintomas, pode levar a que decorram meses entre o seu aparecimento e a consulta com o médico assistente. Para evitar que a doença se mantenha subdiagnosticada, Ana Caldeira revela que “recentemente foi publicado um consenso entre 12 sociedades científicas, denominado PAN-TIME”, que determina em que situações se deve lançar suspeita sobre este diagnóstico. Assim, “perante o diagnóstico recente de DM, sem síndrome metabólico, em especial em indivíduos com mais de 50 anos, o surgimento de sintomas inespecíficos gastrointestinais ou perda de peso involuntária são sinais que devem motivar a suspeita de cancro do pâncreas; numa consulta de medicina geral e familiar, perante um doente com mais de 40 anos, que surge com icterícia, este deve ser referenciado com brevidade a uma consulta especializada, ou nesta impossibilidade, ao serviço de urgência; em doentes com mais de 60 anos, o emagrecimento associado a alterações gastrointestinais (especialmente dor abdominal e diarreia), a dor nas costas ou diabetes de origem recente devem ser motivo de referenciação à consulta de especialidade num prazo de 15 dias”.

De acordo com a especialista, a abordagem diagnóstica padrão na suspeita de cancro do pâncreas deve incluir a realização de história clínica completa, com especial atenção aos antecedentes familiares, exame físico e exames laboratoriais. A ecografia é “o primeiro método de imagem a que se deve recorrer perante a suspeita”, no entanto, explica, caso este exame não resulta em” imagem compatível com massa pancreática, mas os sintomas forem suficientemente indicativos de cancro do pâncreas, o doente deve realizar uma TAC abdominal e ser encaminhado a um especialista para realização de exames mais diferenciados”.

Entre os fatores de risco associados ao cancro do Pâncreas, destaca-se o tabagismo – estima-se que 25% dos casos estejam associados ao consumo do tabaco -, obesidade, diabetes, consumo excessivo de álcool ou carne vermelha, baixo consumo de frutas ou pancreatite crónica. “Muitos desses fatores de risco são potencialmente modificáveis, o que é uma boa oportunidade para reduzir a incidência deste tumor”, sublinha a gastrenterologista, reforçando a importância da adoção de hábitos de vida saudáveis, com prática de exercício físico e uma alimentação rica em fruta e vegetais, na sua prevenção.

Apenas 5% a 10% dos casos diagnosticados estão associados a um fator hereditário. “Este grupo inclui síndromes hereditárias associadas a uma mutação da linha germinativa, como a síndrome hereditária do câncer de mama e ovário (mutações nos genes BRCA1, BRCA2 e PALB), síndrome do melanoma múltiplo (mutações em p16 / CDKN2A), Síndrome de Peutz-Jeghers (mutações STK11 / LKB1), síndrome de Lynch (mutações MLH1 / MSH2 / MSH6 / PMS2), polipose atenuada familiar (mutações APC), síndrome de Li Fraumeni (mutações TP53) e síndrome de ataxia telangiectasia (mutações ATM). Outras condições hereditárias associadas a um risco aumentado de cancro do pâncreas são o cancro pancreático hereditário (≥ 2 parentes de primeiro grau ou ≥ 3 parentes de qualquer grau de relação com cancro de pâncreas sem uma causa genética específica) e doenças hereditárias, como pancreatite crônica hereditária (mutações no gene PRSS1)”, enumera Ana Caldeira.

O cancro do pâncreas apresenta frequentemente metástases ou “micro-metástases” à data do diagnóstico

Sendo diagnosticado em fases tardias, o tratamento do cancro do pâncreas envolve quase sempre a combinação de várias modalidades e não apenas a ressecção cirúrgica.

“A abordagem multidisciplinar deste tipo de cancro deve integrar várias valências como a Gastrenterologia, Cirurgia, Oncologia e Radioterapia, Imagiologia e Anatomia Patológica”, explica a especialista que adianta que apenas uma pequena percentagem dos doentes está indicada para cirurgia.

“A terapia neoadjuvante, tratamento de quimioterapia realizado inicialmente com objetivo de reduzir o tamanho dos tumores antes da cirurgia, é atualmente a opção de eleição nos casos potencialmente operáveis. Desta forma pode controlar a progressão da doença ao mesmo tempo que reduz o tamanho de tumores grandes, permitindo ressecção mais eficaz, com melhores taxas de sobrevivência”, acrescenta.

A esperança para um melhor prognóstico da doença recai na investigação molecular do cancro do pâncreas que, nos últimos anos, tem sofrido “bastantes progressos”. No entanto, diz Ana Caldeira, é preciso mais.

O diagnóstico precoce do cancro pâncreas é, por isso, “o ponto crucial da cura da doença”. “É importante identificar a população de risco e conhecer as lesões precursoras de cancro do pâncreas para podermos intervir na sua história natural. Existem lesões precursoras que se forem identificadas precocemente por métodos de imagem, podem ser tratadas antes de sofrerem transformação maligna”, justifica defendendo que o rastreio “deve ser fortemente ponderado em adultos assintomáticos com episódio de pancreatite aguda sem causa (especialmente >50 anos), DM de novo com aparecimento acima dos 50 anos e indivíduos com história familiar de cancro”.

No entanto, se esta identificação precoce dos casos de doença já é difícil em circunstâncias normais, em plena pandemia a situação só piorou. “São poucos os casos em que o diagnóstico é feito em tempo útil para podermos intervir de forma curativa, a pandemia veio reduzir ainda mais essa ínfima percentagem de doentes que são diagnosticados precocemente”, lamenta a especialista explicando que “o difícil acesso ou grande atraso verificado nos exames complementares sem os quais não é possível o diagnóstico da doença contribuiu de forma decisiva para um atraso inevitável que em muito compromete o sucesso do tratamento”. “O cancro do pâncreas é, na verdade, um tumor muito silencioso, é importante não deixarmos que a pandemia o silencie ainda mais!”, sublinha.

Reforçando a importância do diagnóstico atempado, deixa um apelo à população: “caso não consiga ter acesso à consulta nos cuidados de saúde primários, e tenha sintomas importantes, poderá ter que recorrer ao serviço de urgência. Importa salientar o risco de negligenciar sinais e sintomas que pode comprometer definitivamente a possibilidade de cura”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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