Opinião

Ouvir para ser: 14 anos a quebrar o silêncio

Atualizado: 
10/03/2025 - 17:04
A OUVIR – Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos comemora 14 anos de existência. São 14 anos de dedicação a uma causa que transcende a audição; uma causa que toca a dignidade, a igualdade e o direito fundamental à comunicação.

Como Presidente e Sócio Fundador da OUVIR, olho para este percurso com orgulho, mas também com a consciência de que ainda há muito por fazer. Porque, apesar dos avanços tecnológicos e das conquistas na acessibilidade, demasiadas pessoas com deficiência auditiva continuam a enfrentar barreiras invisíveis, preconceitos e exclusões silenciosas.

É por elas que escrevo este artigo. Para aqueles que vivem num mundo onde os sons chegam com dificuldade, distorcidos ou simplesmente não chegam. Para aqueles que utilizam próteses auditivas ou implantes cocleares e sabem que ouvir vai além da tecnologia – é uma luta diária por acessibilidade e inclusão.

Hoje, a OUVIR não é apenas uma associação. É um espaço de pertença. Um ponto de encontro onde se partilham desafios e vitórias. Um movimento que dá voz a quem tantas vezes não é ouvido.

E neste aniversário, a mensagem mais bonita que posso deixar a todas as pessoas com deficiência auditiva é esta: vocês não estão sozinhos.

 

TECNOLOGIA: UMA PONTE PARA OUVIR O MUNDO

A tecnologia tem sido uma aliada preciosa na reabilitação auditiva. As próteses auditivas e os implantes cocleares permitem que muitas pessoas recuperem a perceção sonora, oferecendo-lhes novas possibilidades de comunicação.

Mas será que a sociedade compreende realmente o que significa viver com estas tecnologias?

Usar um aparelho auditivo ou um implante coclear não é apenas "voltar a ouvir". É um processo de adaptação que exige esforço, paciência e, muitas vezes, um acompanhamento especializado que nem sempre está acessível. O som pode parecer metálico, distante, sobreposto. A discriminação das palavras no meio do ruído pode ser desafiante. A fadiga auditiva torna-se uma realidade constante.

Além disso, nem todos beneficiam da tecnologia da mesma forma. Há aqueles para quem as soluções auditivas disponíveis ainda não são suficientes. E há quem continue a lutar para que estes dispositivos sejam mais acessíveis a todas as pessoas que deles precisam.

A tecnologia é uma ponte, mas não chega por si só. Para que a reabilitação auditiva seja efetiva, é essencial que venha acompanhada de um compromisso social com a acessibilidade e a inclusão.

 

ACESSIBILIDADE: MAIS DO QUE UMA OPÇÃO, UM DIREITO

Viver com deficiência auditiva num mundo projetado para ouvintes significa encontrar obstáculos diários que a maioria das pessoas nem imagina.

Significa tentar acompanhar uma conversa num ambiente barulhento e perceber que, apesar da prótese ou do implante, algumas palavras se perdem no meio da confusão sonora.

Significa assistir a um programa de televisão e não haver legendas.

Significa ir a uma conferência e não encontrar um sistema de indução magnética ou legendagem em tempo real.

Significa telefonar para um serviço público e perceber que não há opções acessíveis para quem tem dificuldade em ouvir.

A acessibilidade auditiva não pode ser vista como um favor ou uma medida opcional. Deve ser encarada como um direito inegociável. A sociedade precisa de compreender que tornar os espaços e a comunicação acessíveis não beneficia apenas as pessoas com deficiência auditiva – beneficia todos nós.

Legendação, intérpretes de língua gestual, amplificação sonora em espaços públicos, sistemas FM e de indução magnética, aplicativos de transcrição em tempo real – estas são algumas das soluções que podem fazer a diferença na vida de milhares de pessoas. Mas para que sejam efetivas, precisam de ser implementadas de forma consistente e sem exceções.

A acessibilidade é a chave para a inclusão. E a inclusão começa no reconhecimento de que todas as pessoas, independentemente da sua capacidade auditiva, têm o direito de comunicar sem barreiras.

 

INCLUSÃO: O PODER DE FAZER PARTE

Ser incluído não é apenas estar presente. É ser ouvido, compreendido, valorizado.

As pessoas com deficiência auditiva não querem apenas que se lhes "dê espaço" – querem pertencer verdadeiramente à sociedade, ao mercado de trabalho, à cultura, à educação.

E, para isso, é preciso mudar mentalidades.

É preciso que as empresas percebam que um colaborador com deficiência auditiva pode ser tão produtivo e competente como qualquer outro, desde que lhe sejam dadas as ferramentas certas.

É preciso que as escolas garantam que nenhum aluno é deixado para trás por falta de intérprete ou de tecnologias assistivas.

É preciso que os profissionais de saúde sejam sensibilizados para a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento contínuo da deficiência auditiva.

É preciso que cada um de nós, na nossa vida diária, se lembre de que a comunicação é um direito universal e que todos temos um papel a desempenhar na construção de uma sociedade mais acessível.

A inclusão não acontece por acaso. Exige ação, compromisso e vontade de mudar.

 

O QUE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA QUEREM OUVIR?

Neste aniversário da OUVIR, pergunto-me: qual será a mensagem que todas as pessoas com deficiência auditiva gostariam de ouvir?

Talvez fosse esta:

"O teu valor não está na tua audição, mas sim em quem és." A deficiência auditiva não define ninguém. O que define uma pessoa são as suas capacidades, os seus sonhos, a sua determinação.

"Tens direito a ser ouvido." A sociedade precisa de escutar as experiências, as dificuldades e as necessidades de quem vive com deficiência auditiva. Só assim poderemos construir um mundo verdadeiramente acessível.

"A tecnologia é uma aliada, mas a empatia é essencial." Não basta fornecer aparelhos auditivos e implantes. É preciso garantir que as pessoas com deficiência auditiva sejam compreendidas e respeitadas no seu dia a dia.

"Não estás sozinho." Há uma comunidade que te apoia, uma associação que luta pelos teus direitos, pessoas que compreendem os teus desafios e celebram as tuas conquistas.

 

14 ANOS DE COMPROMISSO, MUITOS MAIS PARA LUTAR

Ao longo destes 14 anos, a OUVIR tem sido uma voz ativa na defesa da acessibilidade auditiva e da inclusão. Mas o nosso trabalho está longe de terminar.

Continuaremos a lutar por uma sociedade onde todas as pessoas possam comunicar sem barreiras. Continuaremos a sensibilizar, a exigir mudanças, a apoiar quem precisa.

A cada pessoa com deficiência auditiva, a cada utilizador de próteses ou implantes, a cada família, a cada profissional que se dedica a tornar o mundo mais acessível, o meu profundo respeito e gratidão.

Juntos, podemos fazer a diferença. Juntos, podemos garantir que ninguém vive no silêncio contra a sua vontade.

 

Parabéns, OUVIR. Parabéns a todos nós!

 

Autor: 
António Ricardo Miranda - Engenheiro Electrotécnico e de Computadores de Controlo e Robótica e Pessoa com Deficiência Auditiva e Visual
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.