Testemunho Esquizofrenia

“Ouvia vozes que me diziam para me magoar a mim própria”

Atualizado: 
17/03/2021 - 12:12
«Luísa» tem 28 anos e diz que sempre foi diferente. “Sentia tudo demasiado, e esse demasiado era quase sempre demais para mim”. Depressão, ansiedade, bipolaridade ou perturbação de personalidade borderline foram alguns dos diagnósticos sugeridos durante a adolescência. A confirmação de que sofria de esquizofrenia chegou após o primeiro surto da doença, no início da idade adulta.

Caracterizada fundamentalmente por uma quebra do contacto com a realidade, que se expressa, habitualmente, por delírios e alucinações, a Esquizofrenia é uma doença psiquiátrica crónica, altamente estigmatizante e, muitas vezes, incapacitante. E embora, as suas causas não estejam ainda completamente esclarecidas, há algum consenso na literatura que atribui a esquizofrenia a uma interação de variáveis biológicas, psicológicas e culturais.

Para além do delírio e das alucinações, podem existir outros sintomas como é o caso do isolamento social, diminuição ou perda da vontade, a apatia, o embotamento emocional e afetivo e sintomas afetivos, como ansiedade, depressão e alterações emocionais. Não se manifestando de igual modo em todos os doentes, há por vezes ainda alguns sinais inespecíficos que podem ser considerados sinais de alerta, como é o caso do comportamento inadequado ou bizarro, deterioração da performance académica ou profissional ou desleixe nos cuidados pessoais.

Habitualmente, com início na idade adulta, a Esquizofrenia pode, no entanto, manifestar-se ainda durante a infância, antes dos 13 anos de idade. Nestes casos, embora os sintomas possam ser semelhantes aos do adulto, a sua evolução é muito mais lenta, o que pode dificultar o seu diagnóstico, levando a confundi-la com outras patologias. Foi o que aconteceu a «Luísa», que cedo começou a manifestar um comportamento diferente das crianças da sua idade.

“Sempre me senti diferente. As minhas emoções sempre foram muito intensas, ao ponto de não conseguir lidar com elas. Sentia tudo demasiado…”, começa por contar, recordando que aos 11 anos começou a ser acompanhada por um psicólogo. “Os meus pais viviam preocupados, porque parecia que tudo me afetada sobremaneira”, acrescenta explicando que o seu comportamento era exagerado e "desajustado". 

«Luísa» recorda que não conseguia confiar nos outros e que sentia dificuldade em fazer amigos. “Eu preferia estar isolada. Na escola achavam-me esquisita, gozavam comigo e eu comecei a achar que toda a escola estava contra mim”, revela acrescentando que este facto só agravou o seu desejo de estar só.

Para se refugiar dos outros e dos seus próprios pensamentos, - «Luísa» confessa que “por vezes, ouvia vozes que eu não conseguia explicar” -, sentava-se a um canto a escrever. Muitas vezes, coisas "sem nexo". “Era a única forma de acalmar o que tinha cá dentro”, afirma.

Em casa, a relação com os pais também “sofreu” com a doença. “Eu sentia que os meus pais estavam contra mim”, revela acrescentando que a desconfiança que sentia de tudo e de todos a condicionou a ter um comportamento mais agressivo. “É muito difícil de explicar, mas eu sentia-me atacada por todos, constantemente”. “Sentia-me julgada, criticada, perseguida”, adianta.

Aos 17 anos os pais separaram-se. “Culpei-me pela separação dos meus pais, culpei-me por não conseguir manter qualquer tipo de relação, culpei-me pelos amigos que não fiz, pelos outros que perdi”, recorda, revelando que todos estes acontecimentos levaram ao agravamento da sua instabilidade emocional. "Eu estava sozinha e o mundo estava contra mim", acrescenta. 

O primeiro surto da doença surgiu pouco depois de fazer 18 anos. “Eu ouvia vozes que gritavam comigo, que me humilhavam, que me diziam que eu não prestava e não merecia viver, que que me diziam para me magoar a mim própria”, revela. “Sentia cheiros que mais ninguém sentia, sentia bichos a andarem pelo meu corpo”, acrescenta recordando que o pavor em que vivia. “Eu queria fugir, queria esconder-me das vozes, mas elas estavam em todo o lado, a toda a hora”, adianta. “Muitas vezes diziam para acabar com a minha vida...”, conta.

«Luísa» sabe agora que correu risco de vida até ser diagnosticada e medicada adequadamente. Depois disso, explica que demorou meses a estabilizar e outros tantos a aceitar a doença. “Os antipsicóticos tornaram-se os meus melhores amigos”, admite sublinhando a importância da adesão à terapêutica. “A psicoterapia  ajudou-me muito, sobretudo a reconhecer os sintomas e a distinguir entre o que é real e o que não é”, finaliza.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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