A obesidade tem de começar a ser encarada como uma prioridade
Já apelidada como a epidemia do século XXI, a obesidade é um dos problemas de saúde pública que mais contribui para o aumento das taxas de morbilidade e mortalidade mundiais. Para além de estar associada a mais de 200 outras doenças, como diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial, apneia do sono, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, incontinência urinária, e cerca de 13 tipos de cancros, a obesidade é ainda responsável por alterações musculoesqueléticas, infertilidade ou depressão, representando um enorme impacto quer do ponto de vista social, quer económico pelos custos diretos e indiretos associados.
Em Portugal, estima-se que mais de metade da população apresenta excesso de peso. E, embora tenha sido criado um programa nacional contra a obesidade, a verdade é que falta-nos interiorizar que este é um problema grave que pode conduzir a uma baixa qualidade de vida e morte prematura.
Segundo Chiado de Andrade, “em primeiro lugar, é fundamental que haja respeito por uma alimentação saudável.” “Alguns políticos têm defendido a adoção de medidas em relação ao sal e ao açúcar, por exemplo. E isto são medidas que parecem um pouco ridículas se olharmos para elas de forma isolada, mas que deviam ser implementadas pela sociedade”, começa por dizer quando questionado sobre o que falha em matéria de prevenção. Neste sentido, para o especialista é imperativo que se aposte numa alimentação saudável, como a preconizada pela dieta mediterrânea – “que conta com o azeite e os pratos tradicionais, como os cozidos e grelhados” -, evitando a “chamada fast-food, a comida rápida e altamente calórica, com molhos e gorduras de vários tipos”.
“No entanto, o sucesso destas [medidas] passa também pela aceitação por parte da sociedade. Aqui há todo um papel do ponto de vista de informação que é necessário. Muitas vezes, as pessoas não sabem que estão a fazer mal a si próprias ao comer daquela maneira e quando descobrem já é tarde”, acrescenta sublinhando que, para algumas pessoas, a comida funciona “quase como uma droga”. “Comem sem controlo para se satisfazer e, muitas vezes, até para encobrir outros problemas. Devido a isto, a obesidade acaba por se tornar num ciclo vicioso”, afirma.
“O ser humano gosta de comer e não há mal nisso, mas tem de ser educado e ensinado a comer as quantidades equivalentes ao que irá gastar. E é aqui que, friso, entram as escolas, que têm um papel fundamental na educação dos futuros adultos. Como tal, a introdução de programas de exercício físico seria também fundamental”, acrescenta.
«Viver numa sociedade de exagero alimentar é, sem dúvida, o maior risco para o desenvolvimento da obesidade»
Segundo Chiado de Andrade, o principal fator de risco para desenvolvimento da obesidade “é o que nos põem à frente”.
“Viver numa sociedade de exagero alimentar é, sem dúvida, o maior risco para o desenvolvimento da obesidade. Se tivermos comida boa à nossa volta, mais facilmente engordamos”, afiança. No entanto, admite que há casos em que o insucesso na perda de peso se deve a outras causas que não os hábitos pouco saudáveis. “São causas que nascem com a pessoa, como alguns defeitos de cromossomas ou síndromes, e que dificultam a perda de peso, mesmo com a adoção de cuidados alimentares”, explica.
“Além destas, existem ainda as causas psicológicas, que talvez sejam das mais fortes relativamente à obesidade”, acrescenta revelando que a obesidade está muitas vezes associada a “alterações do perfil psicológico e problemas psicológicos que a pessoa tenha ou possa ter tido, como a depressão e a baixa autoestima. E aqui também se forma um ciclo vicioso, porque uma coisa agrava a outra, uma vez que a obesidade também pode originar ainda mais problemas psicológicos”.
«Desde que se deu este terceiro pico de casos, deixámos de operar»
O exercício físico, a ingestão de um regime de baixas calorias e o uso de alguns medicamentos estão indicados para o tratamento da obesidade. No entanto, tal como explica o cirurgião do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Chiado de Andrade, “a partir de um BMI (índice de massa corporal, sigla em inglês) de 35 a cirurgia é a única terapêutica que tem efeito a longo prazo”. E, “apesar de a operação ser feita apenas a partir deste índice de massa corporal, geralmente, pessoas com um BMI acima de 30 já não conseguem emagrecer apenas com dieta e sem o apoio de uma cirurgia”.
A vantagem do tratamento cirúrgico é que estes doentes, para além de emagrecerem, mantêm-se magros. “Já no caso do tratamento com recurso a medicamentos, dietas forçadas e exercício físico, o que acontece é que acaba por ter de ser um esforço contínuo, sendo que assim que a pessoa deixa de seguir rigorosamente o plano, acaba por voltar a ganhar peso”, revela.
Não obstante, com listas de espera que chegam aos quatro anos, a pandemia Covid-19 veio condicionar ainda mais o acesso destes doentes ao tratamento cirúrgico.
“Desde que se deu este terceiro pico de casos, deixámos de operar, porque a realidade é que os ventiladores e os recursos humanos foram alocados à luta contra a Covid-19”, revela Chiado de Andrade que se mostra preocupado com o futuro. “Estamos perante uma grande limitação no acesso ao tratamento por parte destes doentes durante este período, visto que não são considerados doentes prioritários. Há muitos doentes e, infelizmente, o SNS não consegue responder a tudo”.
“Assim que seja possível, o objetivo será recuperar o tempo perdido, o que espero que aconteça a meio deste ano. Mas, para que isso aconteça, a obesidade tem de começar a ser encarada como uma prioridade, sendo que será preciso muito esforço, investimento e vontade da parte das várias administrações e do SNS”, alerta o cirurgião.