“O tratamento baseado em produtos de higiene e hidratação apropriados à Dermatite Atópica representa uma despesa incompatível com o orçamento da maioria das pessoas”
Habitualmente, mais grave e de mais difícil tratamento no adulto, estima-se que a dermatite atópica, ou eczema atópico, afete entre 15 a 25% das crianças e 7 a 10% dos adultos. Para quem desconhece, de que forma a DA afeta o dia-a-dia de quem dela padece?
A Dermatite Atópica é uma doença crónica inflamatória da pele muito comum, que pode assumir várias formas (ligeira, moderada e grave) com impactos proporcionais à gravidade dos seus sintomas. Felizmente, as formas ligeiras são as mais frequentes. No entanto, precisamos de maior atenção e valorização das necessidades e impactos nas formas moderadas-a-graves.
O dia-a-dia de qualquer pessoa que tenha DA envolve esforço no controlo das lesões, e alívio dos sintomas físicos e principalmente na diminuição do prurido (comichão). Com os cuidados gerais de higiene e hidratação apropriados, tratamento tópico de acordo com as recomendações médicas, e evicção de agentes irritantes conhecidos, é possível atingir o controlo da DA ligeira. Os maiores desafios, dificuldades e impactos são sentidos pelos que vivem com formas moderadas-a-graves que, quando não estão controladas impedem as pessoas (e seus familiares) de dormir e conseguir descansar, perturbam o dia-a-dia, dificultam o desempenho escolar e profissional, afetam a autoestima pela visibilidade da DA e podem provocar isolamento social e comprometer a saúde e bem-estar mental de todos os que vivem e convivem com esta doença.
Quais as causas desta doença inflamatória e quais as principais manifestações clínicas associadas à patologia?
Não há uma única causa para a DA. Existe habitualmente um problema de barreira - a pele não se consegue renovar adequadamente nem proteger do exterior, como a pele das pessoas sem esta doença. Por outro lado, existe uma hiperactivação do sistema imunitário a nível da pele, com células inflamatórias que infiltram a pele e causam o que se vê como eczema.
De acordo com o conhecimento que temos atualmente, a DA é determinada pela interação de fatores genéticos, imunológicos e ambientais. Os fatores e causas que desencadeiam a DA ainda não estão totalmente compreendidos, em particular os fenómenos de reatividade imunitária e as causas para a heterogeneidade dos casos de DA.
Os sintomas visíveis da DA (placas de pele seca, avermelhada, descamativa, e muitas vezes com feridas e crostas que podem surgir em qualquer parte do corpo) associados a uma comichão permanente que pode ser perturbadora e altamente impactante nos casos moderadas-a-graves. Para percebermos o real impacto da DA não controlada, temos de ter em conta a parte invisível do "Iceberg DA", como a comichão permanente, a dor, a
privação do sono, a baixa autoestima e a depressão, etc. que pode ocorrer e interferir muito na vida das pessoas com DA, e na das suas famílias.
Quais complicações da Dermatite Atópica e que fatores contribuem ou podem contribuir para o seu agravamento?
Além dos sintomas físicos e efeitos psicológicos diretamente associados à DA, no estado moderado a grave, esta doença é por vezes acompanhada por outras patologias (comorbilidades) que afetam a saúde e qualidade de vida geral da pessoa, como a asma e a rinite alérgica. Até 72% das pessoas que vivem com esta forma de DA sofrem de comorbilidades associadas ao processo de inflamação subjacente como a asma, a polipose nasal ou a rinite alérgica, e até mesmo a complicações cardiovasculares.
Para além do impacto físico e socioeconómico, a DA reflete-se na saúde emocional e no bem-estar da pessoa com DA, ao influenciar a sua aparência e ao causar sentimentos de impotência, frustração, baixa autoestima, ansiedade e depressão. A falta de controlo da doença pode determinar diminuição do rendimento escolar ou profissional, com impacto nos próprios e também nos seus cuidadores informais.
Quais os principais desafios do seu diagnóstico?
O diagnóstico da Dermatite Atópica é essencialmente clínico e incide sobre a observação das lesões cutâneas em localizações típicas que variam de acordo com a idade, e sobre a história clínica. Podem ser feitos exames complementares de diagnóstico para despistar outras doenças. A realização de biopsia cutânea pode ser feita em caso de dúvidas ou quando não é possível alcançar o controlo da DA com o tratamento considerado apropriado.
O diagnóstico diferencial com outras doenças de pele como a psoríase ou a dermatite seborreica é muito importante. Infelizmente, para além de potenciais dificuldades no diagnóstico, enfrentamos desafios adicionais devidos aos tempos de espera de cerca de 3 a 4 meses para consultas de especialidades no SNS (agravados pela pandemia), que comprometem o diagnóstico precoce e um controlo eficaz e atempado da DA, aos cidadãos que não podem recorrer ao sistema privado de saúde, e que podem comprometer um controlo atempado da doença.
No que diz respeito ao seu tratamento, e sabendo que ainda não existe cura para a Dermatite Atópica, que opções terapêuticas existem?
Ainda não existe cura, mas, felizmente, hoje já temos tratamentos específicos para todas as formas de DA, fruto da preocupação crescente com esta doença, e da evolução da medicina. O tratamento da DA depende do grau de gravidade e deve ser feito de forma individualizada, personalizado caso a caso.
A DA ligeira é controlada com cuidados diários e regulares de higiene e hidratação com produtos apropriados para melhorar a função de barreira da pele, e evicção de agentes irritantes identificados. O tratamento local das lesões é feito através de tópicos com ação anti-inflamatória (corticosteroides ou inibidores de calcineurina). Quando estes cuidados e os tratamentos tópicos não são suficientes para controlar a doença, estamos perante casos mais graves, e é necessário escalar para tratamentos sistémicos que regulem o sistema imunitário e diminuam a inflamação excessiva na pele. A este nível, fruto da inovação, temos um presente e horizonte de esperança no que que toca a diferentes opções terapêuticas para o tratamento da DA moderada-a-grave, alguns já aprovados e outros em desenvolvimento. Mas precisamos que o acesso a estes tratamentos mais específicos, e com melhor perfil de eficácia e segurança, seja possível a todos os que precisam quando e onde são necessários (nos sistemas público e privado).
Falando ainda em tratamento, o que leva a que nem sempre se encontre ou chegue ou tratamento mais adequado? O preço dos medicamentos pode ser um entrave à adesão terapêutica e, consequentemente, ao controlo da doença? Neste âmbito, quais as principais dificuldades dos doentes?
Atualmente, algumas das principais dificuldades no acesso a um controlo eficaz e atempado da Dermatite Atópica, residem no acesso a consultas para diagnóstico, no desconhecimento da população sobre as opções terapêuticas disponíveis (que são hoje muito mais do que há 3-4 anos atrás) e no acesso propriamente dito aos medicamentos mais apropriados ao tratamento da Dermatite Atópica moderada-a-grave. Infelizmente, ao contrário de outras patologias também de natureza inflamatória, autoimune ou imunomediada como a DA, o acesso aos tratamentos mais específicos, promissores e seguros está ainda apenas limitado ao sistema público de saúde, deixando de parte os que precisam de ser seguidos no sistema privado, nomeadamente devido às limitações no acesso a consultas no SNS. Estamos muito gratos pelo acesso aos medicamentos através do sistema público de saúde, mas por uma questão de equidade e justiça e também de capacidade dos hospitais públicos, precisamos que este acesso seja também possível no sistema privado.
De referir também que há todo um tratamento não farmacológico baseado em produtos de higiene e hidratação apropriados à DA (transversal a qualquer forma) que são bens essenciais, mas tributados a IVA de 23%. O custo destes produtos, a par de outros custos, representa uma despesa incompatível com o orçamento da maior parte das pessoas e famílias em Portugal, representando uma dificuldade que precisa de ser respondida a diferentes níveis.
Qual o peso da doença para as famílias? E de que forma, o Programa CuidAR, recentemente, lançado pela ADERMAP, irá contribuir para ajudar ou apoiar estes doentes?
Os impactos da Dermatite Atópica são múltiplos e afetam as dimensões física, psicológica, emocional, social e económica dos seus portadores, das famílias e também da sociedade, particularmente nas formas mais graves. As pessoas e famílias com DA precisam de ter acesso aos tratamentos e bens essenciais de que precisam. O Programa CuiDAr que conta com o apoio da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e de 11 Laboratórios, permitirá a comparticipação especial de 111 produtos de higiene e hidratação apropriados para a DA para os Associados da ADERMAP, e ajudará a promover a adesão à terapêutica tópica e a aliviar o peso financeiro da doença.
Quais as expectativas quanto a esta iniciativa?
A nossa humilde expectativa é que este Programa, que será alargado ao longo de tempo a outras parcerias e produtos, possa ajudar todas as pessoas e famílias com DA em Portugal, e que possa ser também uma ferramenta de apoio ao serviço dos médicos e de outros profissionais de saúde que cuidam formalmente de quem representamos. Por fim, esperamos que o Programa CuiDAr que é inspirado num outro programa já existente para a psoríase, possa servir de incentivo para a valorização do tratamento não farmacológico das doenças da pele e alavanque medidas adicionais por parte do Governo. São necessárias medidas adicionais no sentido de aliviar o impacto financeiro da aquisição de produtos de dermocosmética essenciais ao controlo das doenças crónicas dermatológicas, onde se inclui a Dermatite Atópica.
No âmbito do Dia Mundial da Dermatite Atópica, que mensagem gostaria de deixar?
Volvidos 3 anos após a celebração do primeiro Dia Mundial da DA, e apesar de ainda enfrentarmos vários desafios, temos um presente muito mais risonho e um futuro mais promissor, com mais instrumentos de apoio e tratamentos para todos os que vivem e/ou cuidam de alguém com DA. Ninguém tem de se sentir sozinho na jornada de viver com DA.