O Som da Mudança: 40 Anos de Implante Coclear em Portugal
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Este ano, a efeméride ganha ainda mais significado em Portugal, pois assinala-se o 40.º aniversário da primeira cirurgia de implante coclear realizada no nosso país. Foi em 1985, na cidade de Coimbra, que uma equipa liderada pelos médicos otorrinolaringologistas e irmãos Dr. Manuel Filipe e Dr. Fernando Rodrigues efetuou com sucesso o primeiro procedimento, abrindo um novo caminho para a saúde auditiva em Portugal.
Mas, apesar dos avanços, ainda há muitos desafios a superar. O acesso ao implante coclear, os custos envolvidos, a manutenção do dispositivo e a acessibilidade para os utilizadores continuam a ser temas críticos que exigem atenção. Neste artigo, aprofundamos a importância do implante coclear, o processo de candidatura e adaptação, e a realidade atual da reabilitação auditiva no nosso país.
O Que é o Implante Coclear e Quem Deve Colocá-lo?
O implante coclear é um dispositivo médico eletrónico indicado para pessoas com perda auditiva neurossensorial severa a profunda (pode ser unilateral ou bilateral, consoante a patologia associada à surdez), para quem já não obtém benefícios significativos com próteses auditivas convencionais. Diferente dos aparelhos auditivos, que amplificam (e processam) o som, o implante coclear substitui a função do ouvido interno, transformando os sinais sonoros em impulsos elétricos que estimulam diretamente o nervo auditivo.
Os candidatos ao implante incluem:
Crianças nascidas com surdez profunda, idealmente implantadas antes dos 3 anos, para facilitar o desenvolvimento da linguagem.
Adultos e idosos que perderam a audição ao longo da vida e não conseguem obter benefícios das próteses auditivas.
O processo de seleção para um implante coclear passa por uma avaliação médica e audiológica rigorosa, conduzida por uma equipa multidisciplinar composta por otorrinolaringologistas, audiologistas, terapeutas da fala e psicólogos.
Como Funciona o Processo?
A cirurgia para colocação de um implante coclear é realizada em hospitais de referência e segue várias etapas:
1. Avaliação inicial – Exames auditivos, testes psicológicos e imagiologia (TAC ou RM) para verificar a viabilidade do implante.
2. Cirurgia – Realizada sob anestesia geral, dura cerca de 2 a 3 horas. O cirurgião introduz os elétrodos do implante no ouvido interno (cóclea) e posiciona a parte interna do dispositivo sob a pele.
3. Ativação do implante – Cerca de 3 a 4 semanas após a cirurgia, o processador externo é ligado e começa-se a calibrar o som.
4. Reabilitação auditivo-verbal – O cérebro precisa de tempo para aprender a interpretar os novos estímulos sonoros. O acompanhamento audiológico complementado com terapia da fala, que é essencial para a adaptação e otimização da audição.
Quais os Custos e a Realidade do Acesso ao Implante Coclear em Portugal?
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) financia a cirurgia de implante coclear para crianças e adultos elegíveis, mas as listas de espera são longas, e nem sempre há cobertura total para manutenção e atualização do dispositivo.
Os custos para quem recorre ao setor privado podem variar:
Cirurgia de implante coclear: Entre €20.000 e €30.000, dependendo do hospital e do fabricante do dispositivo.
Processador externo (substituição necessária a cada 5-7 anos): €6.000 a €10.000.
Peças de manutenção (baterias, cabos, antenas, microfones): Entre €500 e €1.500 anuais.
A necessidade de substituição da parte interna do implante surge, em média, após 15 a 20 anos, especialmente quando há avanços tecnológicos que justificam uma nova cirurgia.
Apesar do apoio do SNS, muitos utilizadores enfrentam dificuldades financeiras para manter e atualizar o dispositivo. Esta realidade torna urgente a criação de um plano de financiamento para cobrir os custos da manutenção e atualização dos processadores externos.
Centros de Referência em Portugal para Implante Coclear
Atualmente, há hospitais de referência para colocação de implantes cocleares, incluindo:
Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC)
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (Hospital de Egas Moniz)
Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (Hospital de Santa Maria)
Centro Hospitalar Universitário do Porto (Hospital de Santo António)
Centro Hospitalar de São João (Porto)
Hospital de Braga
Hospital Pediátrico de Coimbra (para crianças)
(Entre outros, começa a existir uma rede considerável em Portugal!)
Estes centros têm equipas especializadas e realizam cirurgias regularmente. Contudo, a disparidade geográfica e as listas de espera continuam a ser um desafio, especialmente para pacientes de regiões mais afastadas, ou interiores, no Sul do país, ou nos Açores (na Madeira, já existe!).
Acessibilidade para Pessoas com Implante Coclear: O Que Falta Fazer?
Embora a tecnologia tenha evoluído, os utilizadores de implantes cocleares ainda enfrentam desafios no dia a dia. Entre as principais barreiras encontram-se:
Falta de legendagem em conteúdos audiovisuais – Essencial para complementar a perceção auditiva.
Ausência de sistemas de indução magnética e Bluetooth Auracast em locais públicos (teatros, cinemas, aeroportos).
Dificuldade na integração profissional e no ambiente escolar – Muitos empregadores, professores, desconhecem as necessidades dos utilizadores de implantes cocleares.
Burocracia e falta de apoios financeiros para manutenção e atualização dos processadores externos.
Portugal precisa de uma estratégia nacional de acessibilidade auditiva, garantindo que as pessoas com implantes cocleares possam participar plenamente na sociedade sem limitações.
Conclusão: 40 Anos de Conquistas, Mas Ainda Muito a Fazer…
Desde a primeira cirurgia em Coimbra, há 40 anos, o implante coclear tem mudado vidas em Portugal. No entanto, o acesso ao dispositivo ainda é desigual, e muitos utilizadores enfrentam dificuldades económicas e estruturais para garantir uma audição plena e eficaz.
As autoridades de saúde precisam de reforçar o financiamento para a manutenção dos implantes, reduzir as listas de espera, e implementar medidas de acessibilidade para que os utilizadores possam integrar-se plenamente na sociedade.
O som é um direito fundamental, e ninguém deveria ficar preso no silêncio por falta de recursos. O Dia Internacional do Implante Coclear deve ser um momento não só de celebração, mas também de reflexão e compromisso para garantir que mais pessoas possam beneficiar desta tecnologia transformadora.
Porque ouvir é viver!