A importância de reconhecer e valorizar os sintomas

«O sofrimento descrito pelos doentes com fibromialgia é inquestionavelmente real»

Atualizado: 
08/11/2024 - 14:57
Caracterizada por dor crónica generalizada e fadiga intensa, a Fibromialgia, embora reconhecida há uma década pela Organização Mundial de Saúde como uma doença incapacitante, ainda é subvalorizada pela população em geral, bem como por alguns médicos. Florbela Batalha recebeu o diagnóstico um ano após recorrer a vários especialistas e afirma: “os profissionais e os portugueses em geral, olham para a doença de forma desconfiada. Aquilo que não se vê, não existe, não tem como se explicar. Não existe gesso num braço, nem um penso na testa. Ou é maluco ou está a fingir”.

A Fibromialgia é uma doença real! E tem de se desconstruir o mito de que “a doença não existe, que não passa de uma invenção de pessoas preguiçosas ou incapazes de enfrentar os desafios da vida”. “O sofrimento descrito pelos doentes com fibromialgia é inquestionavelmente real. É marcadamente acrescentado pela incompreensão e a suspeita”, reforça José António Pereira da Silva, Professor de Reumatologia na Universidade de Coimbra e Diretor Científico de www.myfibromyalgia.org, admitindo que esta é uma das ideias que deve ser combatida com mais conhecimento a respeito da doença.

Deste modo, explica que a Fibromialgia “é uma doença, reconhecida há mais de 10 anos pela Organização Mundial de Saúde, que se caracteriza essencialmente por um quadro de dores generalizadas, frequentemente migratórias e incapacitantes, que não são acompanhadas de inchaço ou vermelhidão e não causam deformação do corpo”. Estas dores, acrescenta, são quase sempre acompanhadas de cansaço extremo e de sono não retemperador, ou seja, “a pessoa acorda já cansada!”.

Além disso, estes sintomas são ainda, frequentemente, acompanhados por dores de cabeça, cólicas abdominais, dificuldades de concentração e memória “e, ainda, perturbações emocionais importantes sob a forma de depressão ou ansiedade”.

“Estas manifestações são fortemente incapacitantes, obrigando as pessoas a baixa médica ou mesmo ao abandono de trabalhos mais exigentes do ponto de vista físico ou emocional”, adianta sublinhando, no entanto, que “as manifestações podem variar em intensidade de uma pessoa para outra ou na forma como se foram desenvolvendo ao longo do tempo”. E exemplifica: “As dores podem, concretamente, tomar características muito diversas: dores profundas, a sensação de queimadura, picadas ou descarga elétrica, passando pela noção de contratura e retesamento dos músculos. Tendem a afetar várias partes do corpo, mas em algumas pessoas mais fixas e intensas numa só região, com destaque para a coluna lombar. Também as perturbações do sono são variadas, mas, de uma maneira geral, têm o aspeto comum de a pessoa sentir que o sono a não refresca, acordando já cansada”. Porém, salienta que “o médico treinado conseguirá, contudo, identificar os aspetos dominantes e diagnosticar a doença”.

Segundo o especialista, os desafios que se colocam ao diagnóstico resultam, principalmente, da falta de alterações visíveis ao médico e da falta de alterações nos exames complementares de diagnóstico. Quer isto dizer que “nem análises nem raios x nem ecografia ou qualquer outro exame mostrará alguma alteração na pessoa que tiver apenas fibromialgia”.

“Os sintomas são, tipicamente, descritos como intensos e acompanhados de grande ansiedade. O médico não vê nada de anormal. Os exames nada revelam. A situação é confusa e exige que o médico consiga identificar, pelo interrogatório os elementos cardinais desta doença: dor generalizada, cansaço excessivo, e sono não retemperador para além de alguns outros sintomas acompanhantes”, reforça.

“Os médicos precisam de ultrapassar as limitações que têm em lidar com sintomas desta natureza, em compreender que o sofrimento é real ainda que nada haja para ver, em aceitar a sua responsabilidade de contribuir para o alívio, mesmo quando as razões para as queixas são menos claras”, acrescenta. “Em www.myfibromyalgia.org temos uma equipa de profissionais que conhece, reconhece e respeita esta doença e quem dela padece”, afirma.

Florbela Batalha tinha apenas 40 anos quando surgiram os primeiros sintomas desta patologia: “um cansaço enorme, dores no corpo e problemas em dormir”.

Na altura pensou que este quadro estaria associado “a excesso de trabalho, preocupações e eventos do foro emocional pelos quais estava a passar” e decidiu consultar o médico assistente. “Fiz todos os exames relativos a doenças reumáticas e todos deram resultado negativo”, comenta.

Um mês depois, um episódio que descreve como dramático fez soar todos os alarmes: “Um dia quis levantar-me de manhã e não consegui. As dores eram dilacerantes, totalmente incapacitantes e foi aqui que procurei ajuda”.

“No momento em que não me conseguia mexer fui a todas as especialidades possíveis e imaginárias e continuava a recorrer ao hospital, todas as semanas, para me aliviarem as dores. Até que fui a uma reumatologista, que me deu o diagnóstico”, recorda descrevendo que o mais difícil, ao longo deste processo, que demorou cerca de um ano, foi “não ter uma resposta, uma solução para os problemas que o meu corpo apresentava”.

“A situação era insuportável a vários níveis. Quando me foi apresentado o diagnóstico senti um grande desamparo. Saí do hospital com uma receita de Tramadol, comprimidos para dormir, outros para S.O.S e com o recado que seria para o resto da vida. A minha doença era irremediável. A família também acusou o desgaste, de quem olha para o outro, sempre doente, e completamente impotente na resolução do problema”, conta adiantado que na altura, por conta deste diagnóstico, o mundo parou “por umas horas”. “Fiquei ali, a lamentar-me e a pensar como viver com aquela doença. Não conhecia a doença, nem ninguém com a mesma”, diz.

Além disso, sentiu na pele o que grande parte destes doentes diz sentir: “os profissionais e os portugueses em geral, olham para a doença de forma desconfiada. Aquilo que não se vê, não existe, não tem como se explicar. Não existe gesso num braço, nem um penso na testa. Ou é maluco ou está a fingir”.

Florbela recorda que aceitar e aprender a viver com a doença foi um processo longo, mas estava decidida a não cruzar os braços. O primeiro passo foi “estudar sobre a doença, depois a pensar como ultrapassá-la”. “Foi aí que me deparei com o site do Myfibromialgia. Inscrevi-me, marquei consulta com um dos médicos e tudo começou a mudar”, revela.

O sexo feminino é um importante fator de risco

Segundo o professor de Reumatologia “a doença é 4 a 10 vezes mais frequente em Mulheres do que em homens”.

Por outro lado, no que diz respeito aos fatores de risco associados, revela que “é reconhecido, há muito tempo que as pessoas que tiveram problemas significativos na primeira infância, nomeadamente sobre a forma de negligência ou maus-tratos têm maior risco de desenvolver a doença”. “Os antecedentes de problemas de índole psicológica e psiquiátrica, como os distúrbios de ansiedade, a depressão e as perturbações obsessivas são também mais frequentes em doentes com fibromialgia do que na população em geral”, adianta ainda referindo que “a nossa investigação leva-nos a acreditar que um perfil psicológico caracterizado por preocupação permanente, exigência, consigo e com os outros, perfeccionismo e intranquilidade desempenha um papel decisivo na emergência e manutenção da fibromialgia”.

Quanto aos fatores que podem agravar a doença, José António Pereira da Silva, revela que existem três que tipicamente os doentes sabem reconhecer: o stress, ou esforço físico e a exposição ao frio.

“É importante sublinhar que muitos pacientes têm dificuldade em identificar espontaneamente o stress como fator de agravamento, embora o reconhecimento da sua importância seja quase universal uma vez que se lhes peça uma reflexão sobre a matéria. Curiosamente as dores agravadas pelo esforço físico ocorrem sobretudo depois da pessoa ter concluído o esforço: enquanto este decorre, dizem os doentes, a sensação de obrigação e dever ultrapassa a dor”, adianta.

“Estes fatores de agravamento são facilmente compreensíveis se entendermos que as dores e o cansaço da fibromialgia se devem, essencialmente, à contração muscular permanente que resulta da tensão nervosa em que, por natureza, o doente fibromiálgico tende a viver. Este é um pilar do entendimento que damos a esta doença e do tratamento que propomos para ela”, explica o especialista.

No que diz respeito ao tratamento, o médico diz que este assenta em quatro pilares:

  1. oferecer ao doente uma compreensão da sua situação que lhe permita lidar com ela da melhor maneira
  2. considerar medicação, com destaque para analgésicos virgula antidepressivos e antiepiléticos.
  3. Exercício físico regular, ajustado.
  4. Psicoterapia isto é intervenção psicológica visando aumentar a capacidade de gerir a doença e diminuir o stress.

“Transformámos a nossa experiência clínica, reconhecimento e investigação em fibromialgia num plano terapêutico que oferecemos a todos os doentes no website  www.myfibromyalgia.org”, revela o reumatologista.

“Este programa radica no carácter essencial que atribuímos ao stress na origem e na manutenção da fibromialgia. Não excluímos a utilização de medicamentos, mas reconhecemos que o seu alcance é, regra geral, muito limitado. A nossa intervenção consiste essencialmente em ajudar o doente a encontrar maior serenidade virgula equilíbrio emocional e satisfação de viver, ensinando lhe técnicas para gerir e controlar o stress. Se conseguirmos sucesso a fibromialgia desaparece, porque não consegue resistir a esse estado positivo de espírito”, acrescenta admitindo que esta não é, no entanto, uma transformação fácil. “A tendência natural das pessoas com esta doença é o oposto: stress permanente que conduz a dor e cansaço permanentes. Por isso treinamos uma equipa de psicólogos especialmente focada no tratamento de pessoas com fibromialgia”, explica.

“O número, já substancial, de doentes nossos que se sentem “praticamente curados da fibromialgia”, dá-nos ânimo para continuar a desenvolver a nossa metodologia e a levá-la a cada vez mais doentes”, avança.

Florbela Batalha é, hoje, uma das doentes que passou por todo este processo. “O tratamento indicado foi desacelerar, eliminar os fatores de stress. Praticar Yoga, meditação e procurar o que me fazia sentir feliz”, diz admitindo que “neste momento a doença é apenas um pequeno grilo falante, que me vai lembrando de “não calçar sapatos que não me servem”. Estou praticamente curada”.

“Foi um longo e doloroso processo, no qual tive de me desmontar, peça a peça e construir de novo. Deixei o meu trabalho, fui viver para a montanha, ganhei mais confiança, amor próprio e, sobretudo, consciência”, revela mostrando que hoje é uma pessoa completamente transformada.

Por isso deixa um conselho: “Procurem a felicidade e não descansem até a encontrarem. A solução está dentro de cada UM. E é diferente para todos, porque somos únicos e maravilhosamente imperfeitos”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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