As recomendações de um Psiquiatra

O meu filho tem esquizofrenia, e agora?

Atualizado: 
16/08/2021 - 16:30
O diagnóstico de uma doença mental grave é sempre difícil de gerir para as famílias. A falta de conhecimento, o estigma social e, muitas vezes, o sentido de culpa conduzem, quase sempre, ao desespero ou à negação. Com a ajuda do especialista e Diretor Clínico do Centro de Recuperação de Menores das Irmãs Hospitaleiras, em Assumar, no Alentejo, João Albuquerque, mostramos-lhe por que é tão importante aceitar, apoiar e envolver-se na recuperação do doente.

Porque estão mais próximos do quotidiano e “são desafiados a lidar com as manifestações da doença a todo o momento”, os familiares são aqueles que mais sofrem no contexto de uma perturbação esquizofrénica.

Segundo o Psiquiatra João Albuquerque, do Instituto das Irmãs Hospitaleiras, tendo em conta que “a maior parte das situações de esquizofrenia evoluem de forma insidiosa, a partir do final da adolescência, e nos primeiros anos da idade adulta”, nem sempre é fácil que estes – familiares e doente - percebam o que está a acontecer.

Assim, entre os principais sinais de alerta para a doença, o especialista chama a atenção para a questão do isolamento social. “Este isolamento, que eventualmente acaba por se tornar numa reclusão no seu espaço privado, é um dos principais sinais de alerta. Ao mesmo tempo, pode observar-se uma profunda alteração dos hábitos de vida, mesmo dos mais elementares. Começamos por assistir ao isolamento social crescente e à perda de rendimento global, nomeadamente nas atividades escolares ou profissionais, que acaba por abandonar. Depois, vão-se desorganizando mesmo as atividades mais básicas: alimentação, higiene e vestuário, tornam-se descuradas, e os hábitos de sono alteram-se”, esclarece. Falar sozinho ou com a televisão e a adoção de rituais bizarros, “e sem sentido aparente”, são outras das manifestações associadas à esquizofrenia e que não devem ser desvalorizadas.   

No entanto, a tendência, revela o especialista, é enquadrar este tipo de comportamento, “em experiências que todos compreendemos melhor: desmotivação, crise de crescimento, depressão, perda afetiva, etc., mas a perplexidade e estranheza que o doente sente face à desorganização global do seu psiquismo e à experiência de si próprio são distintivas”.  “O facto de não explicar o que se passa consigo deve-se aqui à falta de palavras para explicar algo tão radicalmente novo e inexplicável como o que sente, e não a uma recusa em falar de si”, sublinha o especialista em Psiquiatria.

Segundo João Albuquerque, na presença destes sintomas, a família deve procurar ajuda especializada. “Entre esperar para ver como as alterações que observam no seu familiar evoluem, ou tentar procurar ajuda, é sempre melhor esta segunda hipótese”, refere.

“A avaliação por um técnico de saúde mental, mais objetiva e isenta emocionalmente, pode permitir uma identificação precoce da doença e diminuir o tempo entre o início desta e o tratamento, fator que tem uma importância grande no resultado do tratamento”, justifica.

No entanto, às dúvidas da família sobre a necessidade de procurar ajuda, junta-se a resistência do doente. “Tipicamente, este fecha-se em si mesmo, sente que todas as aproximações são ameaçadoras, e que tudo o que de estranho se passa com ele resulta da ação de alguma entidade externa. Assim, dificilmente tem a consciência de estar doente e precisar de ajuda, e qualquer tentativa de o levar a uma consulta pode ser entendida como mais um gesto para o controlar ou colocar à mercê destes agentes que lhe estão a fazer mal”, acrescenta quanto ao pode atrasar e/ou condicionar o diagnóstico que  “implica a evolução da doença por um período mínimo de 6 meses, em que pelo menos num mês existem sintomas ativos (alucinações, ideias delirantes), distinguindo-a de outras perturbações psicóticas”.

Assim, sublinha o especialista, “a melhor forma de conseguir a colaboração do doente para ser ajudado, é através de uma abordagem tranquila, focada na preocupação da família com o sofrimento e todas as dificuldades que observam no doente, e na necessidade que sentem de o ajudar pelo amor que lhe têm”.

“É fácil resvalar para um discurso em que a tónica é colocada no incómodo que as alterações do doente provocam no seio familiar e não tanto no sofrimento deste. Este, “sofrimento”, é a palavra-chave, e a aproximação ao doente deve ser sempre inspirada por esta realidade, de que ele se encontra num sofrimento profundo, sem referências, inexplicável, e numa solidão inimaginável”, explica João Albuquerque.

As intervenções psicossociais são fundamentais para que a pessoa encontre o caminho da sua recuperação global

“O tratamento farmacológico é um elemento fundamental do projeto terapêutico de uma pessoa com esquizofrenia”, no entanto, a maior parte das pessoas associa o tratamento da esquizofrenia à toma de medicamentos que são muito sedativos e incapacitantes. “As duas ideias são falsas”, garante o médico.

Na realidade, hoje em dia os medicamentos disponíveis para o tratamento da esquizofrenia “são fármacos complexos cujo impacto terapêutico não se limita ao controlo dos sintomas positivos (alucinações e delírios), mas também melhoram todas as outras dimensões da doença: sintomas negativos (apatia, autismo, …), sintomas afetivos, sintomas cognitivos, e funcionamento social”.

Por outro lado, importa salientar a necessidade de uma intervenção psicossocial e com envolvimento familiar para o sucesso do tratamento.

“A psicoeducação sobre as características da doença e todas as repercussões que esta tem nos diferentes âmbitos de vida, o treino de aptidões sociais para oferecer referências concretas que permitam reaprender a estar em contacto com os outros, o apoio para a reintegração escolar ou profissional, a psicoterapia, nomeadamente de inspiração humanista e num modelo cognitivo-comportamental, e o trabalho em conjunto com a família, apoiando todo o sistema familiar na aprendizagem a que a doença obriga, são todos aspetos essenciais a um programa de tratamento para que este seja eficaz”, explica João Albuquerque salientando que não “basta que seja o doente a assumir o seu envolvimento nas várias intervenções terapêuticas. Os familiares têm de perceber que também eles têm de encontrar dentro de si essa disponibilidade para alterarem hábitos de vida, questionarem atitudes com que se identificam, abdicarem de tempo e atividades pessoais para estarem mais atentos uns aos outros”.

“Insistimos no conselho mais nuclear e importante, o de nunca desistirem do seu familiar. Nunca desistirem de tentar aprender a conviver com ele de maneira mais eficaz, para que o amor que os une seja fonte de segurança, confiança e liberdade”, reforça o especialista.

Para finalizar, o psiquiatra João Albuquerque deixa algumas as ideias chave sobre este tema que as famílias devem reter:

  1. Perceber que a Esquizofrenia é uma doença que compromete a capacidade da pessoa de perceber a realidade e de se autodeterminar, e, portanto, há atitudes habituais que se alteram, e comportamentos novos que podem surgir, mas a pessoa não tem a capacidade de os controlar. Estas alterações podem ser ultrapassadas com o tratamento.
  2. Quanto menos tempo se perder entre o início dos sintomas e o início do tratamento, maiores são as possibilidades de uma recuperação bem-sucedida da pessoa. Porque as alterações iniciais não são específicas e a pessoa não consegue perceber que está doente, é frequente passar-se muito tempo até que a decisão de pedir ajuda seja tomada. Solicitar uma consulta de psiquiatria não obriga a um tratamento, mas, justificando-se, pode permitir uma intervenção precoce e garantir a máxima eficácia da intervenção.
  3. Saber que a esquizofrenia não é fruto de uma única causa, nomeadamente de um trauma afetivo infligido por alguém próximo, mas constrói-se ao longo de todo o percurso de vida da pessoa, desde o útero, influenciada por fatores de toda a ordem, de que ninguém tem culpa.
  4. A esquizofrenia é uma doença grave, mas não condena a uma ausência de futuro. Uma intervenção coordenada, com a participação da família, e dos profissionais de saúde mental, permite uma recuperação da pessoa e a reorganização de um projeto de vida que a realize.
  5. É importante que a família perceba que o impacto da doença obriga a reequacionar tudo nas suas vidas: tentar que tudo volte a ser como era, é um erro que só traz frustração e desesperança. Aceitar desistir do projeto anterior, e abrirem-se a novos caminhos, cada um na sua circunstância, é um passo fundamental para que todos, doente e restante família, consigam reencontrar o seu lugar juntos.
  6. A principal dificuldade da pessoa com esquizofrenia é comunicar. Com os outros e consigo própria. A presença da família, mesmo quando não sabe qual a melhor atitude a tomar, mas sem desistir de tentar acompanhá-lo, de tentar compreender o seu sofrimento, e de confiar no amor que os une, é dos elementos mais importantes do tratamento.

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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Foto: 
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