Opinião

O Estigma na Saúde Mental

Atualizado: 
13/09/2023 - 08:15
Saúde Mental…segundo afirmam fontes da “Organização Mundial de Saúde”, não existe uma definição oficial de Saúde Mental.

Sou psicóloga e trabalho em Saúde Mental, na RECOVERY IPSS, desde 2018, na Infância e Adolescência. Foi o início de um projeto que sempre acreditei e que me fez todo o sentido. Apesar das dificuldades iniciais de um projeto desconhecido, sempre acreditei, com toda a certeza, na importância e no futuro promissor deste projeto.

Durante estes anos, tem sido uma “luta contínua” contra o estigma de uma sociedade que ainda “desconhece” a diferença entre Saúde Mental e Deficiência Mental. Deparamo-nos, ainda nos dias de hoje, com olhares reprovadores, com comentários presunçosos quando percebem que trabalho ou que os nossos jovens estão internados numa Unidade de Saúde Mental. Grande parte da “sociedade” em que vivemos desconhece a realidade da Saúde Mental. Posso relatar episódios de saída com os nossos jovens, em que alguns têm marcas visíveis de automutilação, e que os transeuntes paravam a olhar e tinham comentários como “Diabos”. Muitas destas situações, destinadas diretamente aos adolescentes, que nos levavam a termos que intervir, explicando a situação e referindo a dor imensa que estas crianças sentem, numa tentativa de sensibilizar para a importância de todos nós cuidarmos da “nossa” Saúde Mental. Outro exemplo de que o estigma continua muito presente em situações do nosso dia a dia, é que as Escolas são as primeiras a colocar entraves na aceitação da inscrição dos nossos jovens, havendo, por vezes, necessidade de colocar o nosso nome e, não, o da instituição, para que seja aceite a sua colocação numa escola publica, sendo que, na maior parte das vezes, quando chegam à Unidade, se encontram em absentismo escolar e com total descrença pelo meio que envolve a escola. No período inicial, existe essa recusa em permanecer na escola, apresentam, por exemplo, crises de choro e fuga, sendo que estes meios públicos não estão preparados para lidar com este tipo de situações e jovens com este tipo de problemáticas. Existe, ainda hoje em dia, uma crença de que estes jovens são assim e que nunca vão conseguir ser alguém nesta “sociedade”, como também o facto da desvalorização pelo estão a sentir, referindo que são apenas chamadas de atenção.

Para mim, reabilitar adolescentes em Saúde Mental é prepará-los para o “Mundo lá fora”; as Perturbações existem, eles “apenas” têm que aprender a gerir os momentos de frustração e terem autoconhecimento para conseguirem ter uma vida – dita – normativa.

Na nossa Unidade já tivemos vários exemplos de jovens com diagnósticos como depressão, fobia social, que se encontravam em absentismo escolar, sem motivação e métodos de estudos. De referir que, com o trabalho desenvolvido nas nossas Unidades de Internamento e Socio Ocupacional, na RECOVERY IPSS, saíram alguns jovens já como alunos de Mérito; outros terminando o currículo regular com aproveitamento escolar, apesar de as dificuldades iniciais apresentadas (colmatadas com o acompanhamento de uma equipa multidisciplinar, que lhes demonstra a importância de regras estabelecidas, bem como a extrema importância de uma rotina). Importa, também, referir que durante o tratamento, existe uma preocupação para que os

nossos jovens consigam adquirir estratégias para lidar com cada uma das suas perturbações, bem como momentos de crise e frustração. Importante é, também, a redução da medicação, com muitos dos nossos jovens a terem alta sem necessidade à toma de medicação.

Importa, também, referir que existe, ainda, uma lacuna no que diz respeito à orientação parental relativamente aos jovens que são acompanhados nas nossas Unidades, sendo que, após o momento da Alta e realizados os follow-ups, percebemos que existe algum retrocesso, pois os jovens são preparados para lidar com as suas caraterísticas (existindo, também, um trabalho com os progenitores), mas os seus cuidadores, sem orientação e supervisão, não as conseguem colocar em prática. Ainda assim, são inúmeros os casos de sucesso que saíram das nossas Unidades, na RECOVERY IPSS.

Culmino parafraseando Carl Jung: «No fundo, não descobrimos na pessoa com transtorno mental nada de novo ou desconhecido: encontramos nele a base de nossa própria natureza».

Autor: 
Juliana Silva Esteves - Psicóloga
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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