O desafio da Hospitalização Domiciliária
Na Europa, esta realidade surge em França, em 1957, no Assistance Publique – Hôpitaux de Paris, seguindo-se a Suíça, a Alemanha, o Reino Unido, Espanha, entre outros. Em Portugal, o Serviço de Medicina Interna do Hospital Garcia de Orta, implementou a primeira Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) de doentes agudos em Portugal em 2015.
Os avanços na ciência e tecnologia têm permitido inovar exponencialmente na Medicina. Atualmente, existem formas de detetar doenças em estadios precoces e assistimos a novas formas de tratamento, numa tentativa de prevenir o desenvolvimento e controlar as manifestações de determinadas patologias, mas também atrasar a progressão das doenças, melhorando o prognóstico e aumentando a sobrevida.
Como consequência direta deste fenómeno, a população apresenta-se mais envelhecida, vivendo mais anos com doenças crónicas, verificando-se uma maior necessidade de cuidados médicos. A multimorbilidade associa-se a um maior número de hospitalizações e complicações nosocomiais, institucionalizações, polimedicação e efeitos adversos medicamentosos, assim como perdas de capacidade funcional e qualidade de vida e aumentos da mortalidade e da taxa de utilização dos recursos médicos, verificando-se um aumento importante dos custos associados aos cuidados de saúde.
A longo prazo, esta situação tornar-se-á insustentável pela saturação dos serviços de saúde e assim urge a reformulação da prestação de cuidados de saúde de nível hospitalar. A Hospitalização Domiciliária apresenta-se como uma alternativa segura e eficaz. Centrada no doente e nas famílias/cuidadores, trata-se de um modelo de assistência hospitalar que se caracteriza pela prestação de cuidados no domicílio a doentes agudos, cujas condições bio-psico-sociais o permitam.
A equipa médica e de enfermagem assegura visitas presenciais diárias com médico e enfermeiro e permite-se acompanhar as necessidades do internamento 24 horas por dia, 7 dias por semana – tal é possível não apenas através da existência de um contacto telefónico, mas também por projetos de telemonitorização.
O internamento feito através da UHD obedece a critérios objetivos que passam pela avaliação de condições clínicas, sociais e geográficas de cada doente, sendo a admissão voluntária. Os doentes podem ser referenciados diretamente através dos serviços de atendimento urgente, mas também do internamento e da consulta. Após o contacto, a equipa da UHD avaliará o doente e articulará sempre com o médico assistente desde o momento da referenciação, passando pelo internamento e articulando seguimento após a alta. Do ponto de vista clínico, entre alguns dos diagnósticos elegíveis para a Hospitalização Domiciliária podem estar: insuficiência cardíaca; as infeções respiratórias, urinárias, da pele e tecidos moles; infeções desenvolvidas na sequência de colocação de material protésico; antecipação de alta hospitalar convencional para doentes cirúrgicos, por exemplo, de Neurocirurgia, Ortopedia e Cirurgia Geral, podendo o internamento ser completado em casa dos doentes.
Todos os doentes devem ter um plano de tratamento individualizado que contempla acompanhamento diário e presencial de uma equipa de médicos e enfermeiros, numa equivalência total de cuidados face ao internamento a que o doente estaria sujeito num hospital, com ganhos de saúde evidentes para o doente e reforço de conhecimentos em saúde para os cuidadores e/ou familiares.
A Medicina Interna, como especialidade generalista, holística e hospitalar, ganha aqui um papel-chave no seguimento destes doentes durante o internamento. Desde novembro de 2015 a dezembro de 2020, o Serviço Nacional de Saúde português deu início à atividade de 32 UHD. Esta é também uma realidade do setor privado de saúde com a abertura da UHD da CUF a 1 de junho de 2020.
A realização do I Congresso Nacional de Hospitalização Domiciliária, nos próximos dias 18 e 19 de junho no Porto, iniciativa do Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) é um marco de relevo na partilha, inovação e formação nesta área cada vez mais essencial do sistema de saúde nacional.