“Nós, portugueses, não tratamos bem os nossos pés”
Partindo da premissa de que os pés são um reflexo da nossa saúde, o que diria da saúde dos portugueses? Acha que estamos despertos para a importância de cuidarmos da saúde dos nossos pés?
Manuel Portela (MP): A saúde dos nossos pés reflete muito a nossa saúde em geral. Os nossos pés não são bem tratados. Penso que, por um lado, se trata de ser uma questão cultural, de lhes darmos pouca importância e porque passam 2/3 da nossa vida fechados. Como tal, e devido a esses fatores, não lhes damos a devida atenção no momento exato, mas sim quando já existe um problema ou alguma dor.
Infelizmente, o que acontece muitas das vezes é que as pessoas só procuram um profissional em podologia, quando já fizeram muitas tentativas de tratamento, que não foram as mais corretas, o que acaba por agravar mais os problemas e tornar certos casos mais difíceis de tratar. Ou seja, não tratamos bem os nossos pés.
Essa atenção aos pés deve começar quando começamos a dar os primeiros passos. É nas crianças que vamos começar a educar e mudar esse paradigma. Começamos nos mais jovens para que os mais velhos comecem a mudar a saúde dos seus pés em particular
Apesar de já muito se falar nesta área, haverá muitos portugueses que ainda não sabem o que é e para que serve a podologia. Pode explicar?
A podologia é uma especialidade da área das ciências da saúde, que tem como objetivo o estudo, o diagnóstico e o tratamento das patologias do pé e da marcha. É uma profissão regulamentada em Portugal pela Assembleia da República, desde 2014, e conta com mais de 500 Podologistas licenciados e certificados para o exercício da profissão. Atualmente, os Podologistas exercem a sua atividade em contexto clínico, público e privado, nomeadamente em clínicas da especialidade, em policlínicas e hospitais. A intervenção do Podologista passa por áreas infantil, pela área laboral, pela área do desporto e pela área da geriatria.
Quais as principais áreas de intervenção? E o que é preciso para se ser podologista?
Para ser Podologista terá de frequentar um curso de Licenciatura em Podologia e poderá ainda especializar-se em algumas áreas, tais como: a podiatria infantil, podiatria clínica, podiatria desportiva, podiatria geriátrica e cirúrgica. A especialização é feita através de cursos de Mestrado, que podem ser realizados em Portugal ou em alguns países da comunidade europeia.
Sabendo que existem mais de 300 condições patológicas que afetam os pés, quais as mais frequentes e aquelas que apresentam maior gravidade e que não devem ser descuradas?
Uma das condições patológica mais graves e mais preocupantes é a do pé diabético, sem dúvida. Os dados epidemiológicos demonstram que o pé diabético é responsável pela principal causa de internamento do portador de diabetes. A previsão para o ano de 2025 é de mais de 450 milhões de portadores de diabetes, destes, pelo menos 25% vão ter algum tipo de comprometimento significativo nos seus pés. Atualmente, estima-se que, mundialmente, ocorram duas amputações por minuto à custa do pé diabético sendo que 85% destas são precedidas por úlceras e feridas.
Existem outras situações que são de facto mais relevantes, dada a sua condição de incapacidade, como por exemplo, os chamados joanetes, os esporões do calcâneo, os Neuromas de Morton ou as tendinopatias, muito frequentes no desporto.
Estas são as patologias mais frequentes e que apresentam maior gravidade, não só pela dor que provocam, mas também pela incapacidade no desenvolvimento de atividades, mesmo a nível do desporto.
Existem pés em risco? Se sim, quais os grupos mais vulneráveis?
Sim, existem pés em risco, tal como o pé diabético; o pé vascular, que está associado a alterações hemodinâmicas, patologias arteriais e venosas que provocam soluções de continuidade, feridas e úlceras no pé e na perna, sendo de difícil cicatrização; o pé reumático, pela sua incapacidade, perda de mobilidade e dor incapacitante; e, por fim, o pé geriátrico, quando se associam várias patologias do foro osteoarticular, muscular e dermatológico, associadas ao envelhecimento.
Nos grupos mais vulneráveis, incluímos as pessoas que sofrem de artrite reumatoide, diabéticos, pessoas com idade mais avançada e com problemas de mobilidade.
Sabendo que o pé diabético é uma das condições mais afetam a qualidade de vida de quem dela padece, qual a importância do doente com diabetes ser acompanhado regularmente por um Podologista? De que forma a diabetes pode afetar a saúde dos pés?
A diabetes implica sempre risco ao nível do pé, principalmente quando é mal controlada e a atenção, bem como a observação, são descuradas. Um doente diabético tem sempre riscos enormes de patologia a nível do pé e, por isso, a intervenção precoce do Podologista pode em última instância salvar-lhe a vida, porque um pé diabético negligenciado, ou maltratado vai desenvolver feridas crónicas, úlceras e infeções que podem custar a vida do doente. É importante que as pessoas saibam que a intervenção precoce de um profissional na avaliação dos sinais de risco do pé diabético pode evitar o aparecimento de lesões, feridas e úlceras, evitando, assim, as amputações e diminuindo a morte associada a estas complicações.
De acordo com os últimos dados divulgados, o pé diabético é a causa para mais de mil amputações dos membros inferiores. Na sua opinião, como poderíamos contrariar estes números? Sei, por exemplo, que defende a criação de consultas de podologia nos cuidados de saúde primários…
Temos mais de 1000 amputações por ano. Em Portugal, uma amputação no pé implica custos que podem atingir os 25 mil euros e estima-se que os custos com as amputações possam chegar aos 25 milhões de euros por ano, sendo uma situação que se pode evitar ao realizar um diagnóstico precoce, com identificação do grau de risco e com o acompanhamento de proximidade dos doentes diabéticos.
Dadas as condições socioeconómicas deste grupo de risco e pela dificuldade de acesso às consultas de podologia no privado, só com a proximidade das consultas de podologia nos cuidados primários, nomeadamente no SNS e nos centros de saúde, é que os doentes podem ter acesso a cuidados especializados e diferenciados durante a prevenção e o tratamento das patologias do pé diabético. Não deve ser considerado um custo, mas sim um investimento, porque a prevenção de uma única amputação que podia chegar aos 30.000€, justifica e é mais do que suficiente para os honorários de um Podologista nos cuidados de saúde primários.
De um modo geral, o que falta fazer para que esta área chegue a mais pessoas?
Em primeiro lugar é importante que as pessoas conheçam qual é o papel do Podologista, em que áreas podem intervir e quando é que podem recorrer. Acima de tudo, é importante que as entidades de saúde com responsabilidade na administração da saúde incluam o Podologista como um profissional indispensável nos cuidados às patologias do pé.
Para terminar, e no âmbito do dia do Podologista, que se assinalou no passado dia 8 de julho, que mensagem gostaria de deixar?
A mensagem que gostaria de deixar é que sendo os nossos pés um sistema muito importante para a nossa saúde, devemos observá-los, dar-lhes ouvidos e a devida atenção para que sempre que exista um sinal de alerta, procurem um Podologista para melhorar a sua condição de vida, prevenindo, assim, situações mais incapacitantes. O Podologista é o profissional indicado com conhecimentos.