“Ninguém está preparado para lidar com a doença mental grave”
De acordo com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, estima-se que a doença mental grave afete 4% da população adulta em Portugal. Neste grupo enquadram-se doenças como a esquizofrenia, a perturbação bipolar, a depressão major e formas graves de ansiedade, que “têm implicações significativas na vida do doente, chegando até a ser necessários cuidados hospitalares”.
Importam sublinhar que a doença mental pode “afetar qualquer pessoa, independentemente da sua idade, sexo, estatuto social, rendimentos, raça/etnia, religião, orientação sexual, personalidade ou qualquer outro aspeto relacionado com a identidade cultural”, no entanto, a maioria dos casos surge no início da idade adulta.
A Esquizofrenia, cujos primeiros sinais costumam surgir durante a adolescência ou no início da idade adulta, é uma perturbação mental complexa e grave que afeta a capacidade de pensar do doente, a sua vida emocional e o seu comportamento em geral.
Embora não seja conhecida uma causa única para a esquizofrenia, “pensa-se que diferentes fatores, como os genéticos, ambientais ou uso de drogas e substâncias ilícitas, contribuem para o desenvolvimento [da esquizofrenia], como acontece com outras doenças crónicas, como a diabetes e as doenças cardíacas”.
Caracterizada por sintomas positivos, como alucinações (por exemplo ver ou ouvir coisas que não existem) e delírios (ter crenças de natureza bizarra ou paranoide que não se enquadram no senso comum), sintomas negativos como a diminuição ou perda da vontade, a apatia, o embotamento emocional e afetivo e sintomas afetivos, como ansiedade, depressão e alterações emocionais em geral, esta patologia é acompanhada ainda de défices cognitivos que dificultam a sua interação e integração social.
Mal compreendida, no passado, muitos eram os que associavam as suas manifestações a problemas espirituais e acreditavam tratar-se de possessões demoníacas. Uma crença, enraizada, sobretudo, entre aqueles com menores níveis de escolaridade ou cultura.
“Embora a sociedade tenha evoluído, e hoje se fala cada vez mais sobre estas doença, ainda há muitas pessoas que não a compreendem”, começa por dizer “Alda”, mãe e cuidadora de um doente com esquizofrenia.
“Há 20/30 anos, não se falava de doença mental. Não se falava em depressão, muito menos em psicose ou esquizofrenia. Havia muito desconhecimento sobre estes temas…”, adianta lamentando que também ela tenha sido vítima da falta de informação.
“O meu filho sempre foi uma criança sossegada. Metida no seu mundo. Mas era alegre, tinha uns olhos vivos…”, recorda adiantando, que sempre havia tido dificuldade em fazer amigos.
“Nunca nos deu nenhuma dor de cabeça, como às vezes ouvimos outros pais contar… teve um percurso académico razoável”, acrescenta admitindo que com a chegada da adolescência o comportamento sofreu algumas alterações “que, admito, às quais não demos muita importância na altura”. “Passou a ter uma atitude errante, por vezes exagerada, mas eu e o pai trabalhávamos muito e achávamos que era uma fase que iria passar…”, conta admitindo que durante anos se sentiu culpada por não perceber que o seu comportamento poderia já indicar que alguma coisa não estava bem.
“Passou a ser desleixado, a zangar-se facilmente com as coisas… falava sozinho, gritava como se estivesse a discutir com alguém. Mas depois, tão depressa se alterava, como ficava em silêncio, horas a fio”, recorda acrescentando que nesses momentos achava “melhor deixá-lo a só”.
Alda recorda ainda que o filho passou a ter “manias”. “Sentia-se observado, dizia que ouvia as pessoas a dizerem mal dele”, e o contacto com os outros foi-se perdendo. “Até me custa dizê-lo, mas eu tinha vergonha de falar sobre o que se estava a passar com quem quer que fosse, mesmo com a família. Optava por deixar de estar com os meus irmãos e com os meus sobrinhos, recusava todos os convites”, conta. Não porque temesse comparações, mas porque sabia que ninguém ia compreender o comportamento do filho, tal como ela não o compreendia.
“Muitas vezes cheguei a questionar o que teria feito eu de errado para meu filho estar assim. Teria sido alguma coisa que fiz ou não fiz? Alguma coisa que disse e não devia?”, recorda.
A luta passou a ser diária, e a par da frustração que sentia por não saber como ajudar o filho vieram as discussões entre o casal. “O meu marido dizia que estava a ser branda e complacente com o comportamento do nosso filho… eu sentia-me impotente e sentia-me cada vez mais responsável pelo que estava a acontecer”, comenta acrescentando que quando ganhou coragem para falar pela primeira vez com alguém sobre o que se estava a passar foi confrontada com as tais crenças: “o teu filho tem algum problema espiritual…”.
“Alda” não sabia em que acreditar. “Confesso que a decisão de o levar ao médico se calhar chegou muito depois do que devia, mas foi quando já não aguentava mais. Acho que, no fundo, sempre quis acreditar que era uma fase e que tudo ia passar”.
O filho de Alda tinha 19 anos quando foi diagnosticado com esquizofrenia. Hoje tem 45.
“Foi muito difícil aceitar que o meu filho tinha esta doença”, tal como foi difícil fazê-lo aceitar que tinha de medicado. “Era uma luta constante… Mas se queria que ele melhorasse tinha de conseguir explicar-lhe com a maior calma do mundo que ele tinha de tomar a medicação…”, recorda adiantando que o filho passou a ser acompanhado por um psiquiatra e mais tarde por um terapeuta com o qual reaprendeu algumas aptidões sociais.
Hoje, lamenta que não tenha recebido mais apoio. “Hoje em dia as famílias são integradas no tratamento… eu não tive apoio nenhum…”, comenta acrescentando que muitos anos mais tarde foi diagnosticada com depressão. “Foram anos a lutar para sair da escuridão onde entrara. Por mim e pelo meu filho”, recorda. “As feridas saram, mas as marcas continuam cá, por isso é preciso muita atenção, muita compreensão e apoio para conseguir ir em frente”, refere adiantando que agradece o apoio dos médicos e dos terapeutas que, hoje, a rodeiam e que ajudaram a ter novamente algum “equilíbrio na vida”.