Entrevista - Dra. Carolina Camacho

«Nas últimas décadas a taxa de incidência de cancro do ovário tem vindo a aumentar, em especial nos países ocidentais»

Atualizado: 
22/06/2022 - 11:46
Segundo os dados do Globocan, em 2020, foram diagnosticados, em Portugal, 561 novos casos de cancro do ovário. Nesse mesmo ano, mais de 400 mulheres morreram na sequência deste tipo de tumor, que embora não seja muito frequente, mantém elevadas taxas de mortalidade. Uma vez que se trata de uma doença inicialmente silenciosa, o diagnóstico chega, frequentemente, em fase avançadas da doença. Em entrevista ao Atlas da Saúde, a Oncologista Carolina Camacho, chama a atenção para os sinais de alerta, relembrando que “não existe nenhum exame de rastreio eficaz” para a doença.

Embora seja pouco frequente, o cancro do ovário é, de entre as neoplasias que afetam as mulheres, a que apresenta a mais elevada taxa de mortalidade. Começo por isso por lhe perguntar, em que consiste a doença e como se classifica? Quais os subtipos mais frequentes?

O cancro do ovário engloba um conjunto heterogéneo de neoplasias malignas, com origem em diferentes tipos de células constituintes deste órgão do aparelho ginecológico. As células aberrantes, que se multiplicam de forma descontrolada, desenvolvem uma formação tumoral cujo potencial maligno é determinado pela capacidade de migrar por diferentes vias (hematogenica, linfática e transcelómica) e se propagar à distância (metastização). O cancro do ovário pode ainda referir-se a diferentes topografias:  ovário, trompas de Falópio ou peritoneu.

Existem diferentes tipos de classificação, existindo dois grandes grupos: tumores epiteliais e os não-epiteliais. Este segundo grupo refere-se a tipos histológicos heterogéneos, mais raros e associados frequentemente a mulheres mais jovens, que inclui: T. Células Germinativas e T Células dos Cordões Sexuais e do Estroma. Cerca de 90% são tumores epiteliais que se classificam em serosos, endometrioides, mucinosos, células claras, seromucinosos e de Brenner. Os subtipos mais frequentemente diagnosticados são o carcinoma seroso de alto grau e, em segundo, o carcinoma endometrioide do Ovário.

Qual a incidência do cancro do ovário e seu prognóstico?

O Cancro do Ovário representa a 9ª causa de tumor maligno (excluindo cancro de pele não melanoma) segundo dados apresentados pelo GLOBOCAN 2020, com uma taxa de incidência padronizada de 6,6/100.000 mulheres em todo o mundo. Relativamente às neoplasias malignas do tracto ginecológico, os tumores do cancro do ovário correspondem a cerca de 30%. Nas últimas décadas a taxa de incidência de cancro do ovário tem vindo a aumentar em especial nos países ocidentais. Permanece o tumor maligno de origem ginecológica com taxa de mortalidade mais elevada em todo o mundo com taxa de 4,2/100.000.

Existem fatores de risco associados? É verdade que, por exemplo, a utilização de contracetivos orais ou a amamentação pode prevenir o seu desenvolvimento?

As causas para o desenvolvimento do cancro do ovário não estão totalmente esclarecidas, sendo que envolve diferentes fatores como genéticos, reprodutivos e ambientais.

De todos os fatores de risco estudados os que reúnem maior robustez de evidência estão relacionados com a história familiar e a predisposição genética. A ocorrência de familiares de 1º e 2º grau com história de cancro do ovário e de mama, em especial em idades mais jovens, prediz risco pessoal acrescido que, apesar de ser difícil de quantificar, deve ser orientado a consulta de avaliação de risco familiar. As síndromes de cancro hereditário identificadas estão associadas a mutações genéticas como mutação BRCA no Síndrome hereditário de cancro de mama/ovário ou o Síndrome de Lynch.

Outros fatores que determinam o aumento de risco de desenvolver cancro do ovário ao longo da vida incluem o envelhecimento, a obesidade, idade de início de menstruação precoce e/ou menopausa tardia (relação de risco não totalmente esclarecido com o numero de ovulações ao longo da vida), uso de terapêuticas hormonais de substituição, a ausência de história pessoal de gravidez (nuliparidade), infertilidade, a endometriose, e ainda alterações genéticas hereditárias (linhagem germinativa) e história familiar de cancro do ovário.

Por outro lado, são hipóteses associadas a prevenção da carcinogénese do ovário o uso de contracetivos orais, a amamentação, a multiparidade e a laqueação tubar.

Como é que se relaciona a presença de uma mutação genética de BRCA com o diagnóstico do cancro do ovário?

Os genes BRCA são genes responsáveis por funções oncosupressoras. São genes que codificam proteínas que normalmente reparam danos ocorridos no ADN, no ciclo celular e na transcrição de outros genes. Se estes genes (BRCA1 e BRCA2) estiverem mutados não serão capazes de corrigir esses danos, e as anomalias perduram na multiplicação celular.  A presença de mutação BRCA aumenta a probabilidade de desenvolver cancro de ovário ao longo da vida de 25-50%, enquanto que o risco da população geral é de 1,4%.

Qual ou quais as faixas etárias mais atingidas pela doença?

Segundo os últimos dados nacionais disponíveis – RON 2018 – as faixas etárias mais atingidas com o diagnostico de cancro de ovário em Portugal situam-se em mulheres com idades entre os 60 e 84 anos, todas com taxas de incidência superiores a 10/100.000. Entre os 75-79 anos a taxa de incidência é a mais elevada com 17,29/100.000 mulheres. Para este pico de incidência relacionam-se mais frequentemente os carcinomas de tipo epitelial.

Por outro lado, os tumores do ovário que afetam faixas etárias mais jovens, entre 15-30 anos, são tumores de Células Germinativas, Células dos Cordões Sexuais ou do Estroma Gonadal.

Apesar de se tratar de uma doença frequentemente assintomática em estádios iniciais, a que sinais devemos estar atentos? Quais os principais sintomas?

Quando uma neoplasia do ovário de desenvolve pode não causar incómodos relevantes para a mulher, pelo que se diz estar assintomática. Com o seu desenvolvimento e crescimento pode vir a apresentar condições que devem servir de alerta, com a observação célere da mulher pelo medico assistente/ginecologista. Comumente são atribuídas outras causas aos incómodos ligeiros, desvalorizando a gravidade e essa observação é retardada.

Esse conjunto de sinais e sintomas incluem: aumento de volume abdominal (“barriga inchada”), sensação de enfartamento precoce, perda de peso não explicada, desconforto na área pélvica, fadiga ou cansaço, dor a nível lombar, alternância dos hábitos intestinais como obstipação, ou alteração do padrão de micção (“vontade de urinar mais vezes”, urgência miccional).  

Tendo em conta algumas das suas manifestações clínicas, com que outras patologias se pode confundir o cancro do ovário?

Perante o quadro clínico mais frequentemente observado, impõe-se o diagnóstico diferencial outras massas anexiais, sendo estas situações sobretudo benignas como quistos do ovário. Estes podem apresentar um crescimento local indolente e exuberante provocando alguns sintomas semelhantes ao crescimento de um tumor maligno. Outras situações benignas acometem alguns tumores (adenomas ou papilomas), abcesso pélvico, endometriose, doença pélvica inflamatória. Situações de tumor maligno que se podem confundir com o cancro do ovário são o carcinoma uterino, pâncreas, gástrico, do colon ou do apêndice, por exemplo.

Como é feito o seu diagnóstico? E qual a importância do diagnóstico precoce?

O diagnostico é geralmente realizado após o início dos sintomas acima descritos. O desenvolvimento de ascite leva ao aumento de volume abdominal, condiciona dor e sintomas compressivos dos órgãos adjacentes, e leva à procura ativa dos serviços de saúde, muitas vezes em ambiente de urgência hospitalar. Menos frequente também podem ser detetadas as alterações anexiais (quistos complexos e suspeitos) ao exame objetivo ou em exames de imagem, realizados por rotina ou por outros motivos clínicas.

Na avaliação inicial é realizada a colheita de história clínica completa e exame objetivo. Os exames complementares de diagnostico incluem a ecografia abdominal, a tomografia axial computorizada e por vezes, a ressonância pélvica. Outros exames podem ser requisitados de forma a excluir outra origem tumoral, principalmente em situações de doença avançada. A avaliação analítica avalia o atingimento funcional dos órgãos vitais e é complementada pela determinação serológica de marcadores tumorais (Ca 125 e ratio Ca125/CEA).

Dependendo da fase da doença ao diagnostico pode ser realizada biopsia de lesão tumoral (guiada por ecografia ou TC). A laparoscopia exploradora é uma possibilidade se necessário avaliar critérios de irressecabilidade, e nesse caso, é realizada colheita de tecido tumoral e iniciado tratamento de quimioterapia neoadjuvante. Se a avaliação determina uma neoplasia ressecável o diagnostico, o tipo de tumor é determinado com a cirurgia de cito-redução completa.

Como referido, a deteção precoce da lesão maligna do ovário (em exames de rotina, por exemplo) permite a remoção cirúrgica total do tumor com maiores probabilidades de cura. A taxa de sobrevivência aos 5 anos, quando a doença está confinada aos ovários é de 80-90%. Por outro lado, se a doença é determinada em fases avançadas, a taxa pode reduzir para cerca de 10-30% aos 5 anos.

Qual o padrão atual de tratamento de primeira linha?

A escolha do tratamento primário do cancro de ovário depende de fatores de prognostico incluindo a presença de critérios de irressecabilidade. Se considerada a abordagem cirúrgica inicial com cito-redução ótima, é geralmente proposto o tratamento adjuvante de quimioterapia com dupleto: carboplatino e paclitaxel, 6 ciclos, com intervalo de 3 semanas cada.

Em casos selecionados, e avaliados em sede multidisciplinar, pode ser proposta o tratamento primário de quimioterapia de modo a reduzir o tamanho e a extensão do tumor, aumentando a probabilidade de cito-redução máxima que constitui o mais forte fator de prognóstico no cancro do ovário. A menor extensão cirúrgica possibilita também uma menor morbi/mortalidade peri-operatória. Depois da cirurgia é retomada a quimioterapia completado o total de 6 ciclos (3 após a cirurgia).

Em matéria de prevenção, o que pode ser feito? Faz sentido a existência de um rastreio para o diagnóstico precoce?

Apesar da importância da deteção precoce do cancro do ovário e de reconhecermos que muitas vezes é uma patologia maligna silenciosa, não existem testes com especificidade e sensibilidade suficientes para serem implementados na população geral. Assim não existe nenhum exame de rastreio eficaz.

Os meios de prevenção também não são consensuais, mas relacionam-se com os fatores protetores como o uso de contracetivos orais, a paridade.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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