Entrevista | Dra. Margarida Martinho, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia

Miomas: "podem interferir de forma significativa na forma como a mulher vive a sua sexualidade"

Atualizado: 
03/10/2024 - 11:44
Frequentemente assintomáticos, os miomas são um tipo de tumor benigno que atinge, sobretudo, mulheres após os 50 anos. De acordo com Margarida Martinho, especialista em Ginecologia e Obstetrícia e Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, na sua "origem estão envolvidos fatores genéticos, hormonais e de crescimento" e entre os sinais de alerta, que surgem especialmente em mulheres em idade fértil, estão "hemorragias vaginais anormais, dores pélvicas intensas" e aumento do volume abdominal que podem impactar negativamente a sua saúde sexual.

Estima-se que entre 20% a 40% das mulheres em idade reprodutiva possam vir a desenvolver miomas uterinos, e essa prevalência pode chegar a 70%-80% aos 50 anos. Para abordar este tema começo por lhe perguntar em que consistem os miomas?

Os leiomiomas uterinos (também chamados miomas e fibromiomas) são os tumores pélvicos mais comuns e consistem num tumor mesenquimatoso benigno e monoclonal, que resulta de um crescimento e proliferação localizada das células musculares lisas do musculo uterino, o miométrio, rodeadas por uma pseudocápsula de fibras musculares normais comprimidas

Quais os principais sintomas ou sinais de alerta, e a partir de que idade podem surgir? Quais as faixas etárias mais atingidas?

Os miomas uterinos habitualmente não se associam a sintomas, mas em 30-40% dos casos podem manifestar-se por sintomas que dependem da sua localização e dimensões e são as mulheres em idade reprodutiva as mais afetadas. Os sintomas mais graves são as hemorragias uterinas anormais que se traduzem por uma menstruação mais intensa em quantidade e duração dor pélvica que pode ser intensa, um aumento do volume abdominal e sintomas de compressão dos outros órgãos vizinhos do útero como a bexiga e as mulheres referem que tem de ir frequentemente urinar e sentem um peso pélvico incomodativo. As hemorragias uterinas quando persistentes e prolongadas no tempo condicionam o aparecimento de anemia por deficit de ferro.

Quais as suas causas ou quais os fatores que lhe parecem estar associados? Existem mulheres mais predispostas que outras para ter miomas uterinos?

Na sua origem estão envolvidos fatores genéticos, hormonais e de crescimento. Estudos mostram que em cerca de 40% dos miomas apresentam anomalias nos cromossomas das suas células (translocações, deleções e trissomias) e sugerem que cada mioma surge de uma única célula de músculo liso. Também foi demostrado que as hormonas femininas como os estrogénios e a progesterona assim como outras substâncias produzidas pelas células musculares lisas e outras células do miométrio e designadas como fatores de crescimento promovem o crescimento dos miomas.

Os fatores de risco mais associados ao desenvolvimento de miomas uterinos são a idade a menarca precoce, a menopausa tardia, história de miomas em familiares de 1º grau, etnia afro-americana, obesidade, hipertensão arterial, dieta (carnes vermelhas, álcool, cafeína) e a nuliparidade.

Como é feito o seu diagnóstico?

O diagnóstico do mioma assenta inicialmente na valorização dos sintomas apresentados e pode suspeitar-se logo no exame ginecológico ao detetar-se um útero volumoso e nodular, mas é pela ecografia ginecológica que a maioria dos miomas são diagnosticados. Muito mais raramente, e nas situações de dúvida, pode ser necessário recorrer a uma ressonância magnética pélvica.

Que opções terapêuticas estão disponíveis para seu tratamento? O que pode condicionar a escolha do tratamento?

O tratamento deve ser definido em função da situação clínica da paciente e considerando a sua idade, mas sobretudo o seu desejo reprodutivo e em manter o seu útero. Recentemente os tratamentos médicos como os estroprogestativos ou progestativos isolados, mas sobretudo os Análogos da GnRH, os Moduladores Seletivos dos Recetores da Progesterona (Selective Progesterone Receptors Modulators ou SPERMs) e mais recentemente os antagonistas da GnRH pela eficácia no controle das hemorragias uterinas, mas também pelo potencial efeito na diminuição dos miomas têm assumido um papel importante podendo mesmo evitar o recurso á cirurgia ou melhorando as condições pré-operatórias da paciente. Os antagonistas da GnRH apresentam a vantagem de serem administrados por via oral, em tratamentos prolongados e por obviar a alguns dos efeitos secundários associados a outros similares como os análogos GnRH. O recurso ao tratamento cirúrgico excisionais (ou seja com remoção cirúrgica de tecido uterino, miomectomia ou histerectomia) ou não excisionais (com a destruição dos miomas por embolização ou energias) são ainda assim uma opção nas situações em que o tratamento médico não resulta ou a situação clínica o indica numa decisão que deve ser sempre individualizada e partilhada com a mulher após um aconselhamento adequado. Os tratamentos cirúrgicos podem ser preservadores da fertilidade como a miomectomia ou mais radicais quando se opta pela histerectomia total. Seja qual for a opção cirúrgica devem ser privilegiadas as técnicas minimamente invasivas como a abordagem laparoscópica ou histeroscópica.

Quais os riscos ou complicações para a saúde, caso não os sejam devidamente tratados?

As principais complicações de miomas volumosos não tratados são no caso de se associarem a menstruações muito abundantes, uma anemia grave com necessidade de tratamentos com ferro endovenoso ou transfusões ou, se pelo seu volume condicionarem compressão de órgãos pélvicos nomeadamente a bexiga e ureteres, situações de retenção urinária ou dor pélvica grave.

E, neste sentido, qual o seu impacto sobre saúde sexual e a fertilidade da mulher?

Os miomas sintomáticos podem interferir de forma significativa na forma como a mulher vive a sua sexualidade.

A sua vida sexual passa a ser frequentemente desconfortável, dolorosa e limitada pelo número de dias em que a hemorragia vaginal é intensa. Esta situação pode levar muitas mulheres a evitar ter relações sexuais, com o consequente impacto negativo na sua autoestima, líbido e satisfação sexual e eventualmente nos seus relacionamentos.

Além dos efeitos diretos na sexualidade feminina na vida sexual, os miomas uterinos podem também perturbar o ciclo reprodutivo e ter implicações na fertilidade, podendo associar-se a dificuldades em conseguir uma gravidez e aumentando o risco de aborto espontâneo e de parto prematuro.

Quais os principais mitos que existem quanto a este tema?

As principais crenças e receios ligados aos miomas são:

  • “Que os miomas uterinos sempre causam sintomas” e como vimos anteriormente apenas 30-40% causam sintomas
  • “Que todas as mulheres com miomas uterinos precisam de retirar o útero” e, no entanto, cada vez mais há tratamentos médicos ou conservadores que permitem tratar os miomas e seus sintomas conservando o útero não só porque a mulher ainda pretende ter filhos, mas também porque pretende uma solução menos radical
  • "Que os miomas em crescimento podem tornar-se tumores malignos” mas em mulheres em idade reprodutiva e com função hormonal os miomas podem crescer sem que isso signifique maior risco de malignidade mas apenas que respondem ao estimulo hormonal. Por outro lado, cada vez mais os estudos demostram que em mulheres pré-menopáusicas o risco de malignidade é muito baixo. A idade é o principal fator de risco de malignidade associada aos miomas.
  • “Que miomas só afetam mulheres mais velhas” e apesar de a sua frequência aumentar com a idade miomas sintomáticos podem surgir em mulheres mais jovens. Daí a importância de valorizar o aparecimento de sintomas associados aos miomas.
  • “Que quem tem miomas não poderá engravidar”, no entanto a relação entre miomas e infertilidade não é consistente e depende sobretudo da localização dos miomas e das suas dimensões. São sobretudo os miomas submucosos, que afetam a cavidade do útero e os miomas intra-murais de dimensões superiores a 4-5 cm que se associam de forma mais consistente com infertilidade.

Uma vez que pouco se fala sobre este tema e o seu impacto na qualidade de vida, que mensagens gostaria de deixar?

Em relação aos miomas é fundamental tranquilizar as mulheres que que sofrem de miomas pois para além de a maioria ser assintomática por outro lado há cada vez mais opções terapêuticas conservadoras e que permitem não só controlar os sintomas, mas muitas vezes optar por soluções cirúrgicas menos radicais ou invasivas. Por outro lado, importa enfatizar que as mulheres devem valorizar os sintomas precocemente sobretudo o aparecimento de hemorragias vaginais anormais, dores pélvicas intensas ou de um aumento do volume abdominal gradual e persistente ou mesmo uma associação destes sintomas. Neste contexto devem procurar uma avaliação médica cedo e não esperar pelo agravamento das queixas para procurar essa ajuda.

Acontece com alguma frequência que as mulheres demorem a relacionar alguns sintomas como o cansaço fácil devido à anemia atribuível às perdas menstruais, assim como o aumento de volume abdominal, com uma patologia ginecológica nomeadamente com miomas.

Estima-se que os miomas possam afetar cerca de 80 000 mulheres em Portugal. A maior prevalência ocorre durante a quinta década de vida de uma mulher (pode chegar a 80%), quando podem estar presentes em uma em cada quatro mulheres brancas e uma em cada duas mulheres afro-americanas. Apesar de menos frequentes nas mulheres em idade reprodutiva podem mesmo assim ter prevalência clinicamente significativa em 20% a 40% em mulheres entre 35 e 55 anos.

 
Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.