“A lombalgia da Espondilite Anquilosante é tipicamente inflamatória: é pior de manhã e não melhora com o repouso”
Estima-se que atinja cerca de 0,7% da população portuguesa e que está associada à perda efetiva de dias de trabalho. A Espondilite Anquilosante é uma doença reumática crónica com grande impacto na qualidade de vida dos doentes, mas ainda assim é pouco reconhecida. Começo por lhe perguntar em que consiste a doença e quais as causas que lhe estão associadas?
A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crónica que se caracteriza pelo envolvimento da coluna vertebral, podendo afetar também outras localizações articulares e extra-articulares. A caraterística principal da EA é presença de sacroiliíte radiográfica, isto é, a presença de alterações estruturais das articulações sacroilíacas (entre o sacro e os ossos ilíacos) identificáveis no RX da bacia. Os acontecimentos que precedem estas alterações são fenómenos inflamatórios na periferia das articulações e que podem ser identificados por ressonância magnética (lesões de edema medular ósseo). Com o passar do tempo, as lesões de sacroiliíte podem evoluir para a fusão completa da articulação. Por outro lado, a doença pode atingir também outros segmentos da coluna (nomeadamente o cervical e lombar). Esse atingimento traduz-se pela formação de calcificações entre os corpos vertebrais (sindesmófitos) que posteriormente podem evoluir para estados mais severos, com a calcificação do ligamento longitudinal anterior (coluna “em bambu”). Este dano tende a acumular-se com a evolução da doença e com as queixas álgicas do doente, mas cursa também com diminuição significativa da mobilidade destes doentes.
As causas da EA são desconhecidas, no entanto reconhece-se o tabagismo como um fator de risco. Sabemos também que existe uma predisposição genética, sendo mais frequente o diagnóstico entre os familiares de doentes, sendo que o gene responsável pela maior parte dessa predisposição é o HLA-B27.
Quais as faixas etárias mais atingidas e quais os principais sintomas?
É uma doença que atinge essencialmente indivíduos jovens, sendo que o seu diagnóstico em indivíduos cujos sintomas começaram depois dos 45 anos, apesar de não ser impossível, é bastante raro. Assim, devemos estar especialmente atentos para esta entidade em indivíduos em que a lombalgia crónica tenha dado início em idades entre os 20 e 40 anos.
A sua principal manifestação é a lombalgia (“dor de costas”) crónica (duração superior a 3 meses) e de ritmo inflamatório. Com isto queremos dizer que a lombalgia está presente logo de manhã, ainda antes de existir qualquer esforço físico, podendo despertar o doente durante a noite, não melhorando com o repouso e, surpreendentemente, podendo melhorar com os movimentos. A rigidez matinal prolongada que a pode acompanhar é também frequente. A associação com outros sinais e sintomas periféricos como artrite, entesite e dactilite é também característico. Os doentes apresentam níveis de fadiga, perda de capacidade funcional para as suas atividades de vida diária e prejuízo da sua atividade laboral bastante importantes, mesmo em fases muito precoces da doença. Na doença mais evoluída, a perda de mobilidade da coluna vertebral e das articulações afetadas é também uma componente importante de perda de qualidade de vida.
O que distingue a dor que atinge estes doentes de uma simples dor de costas?
A lombalgia (“dor de costas”) mais frequente na população geral é a considerada lombalgia mecânica, isto é, uma lombalgia que tipicamente se agrava com o movimento, melhora com a adoção de uma posição mais confortável em repouso, é mais intensa ao final do dia e raramente se acompanha de rigidez matinal prolongada.
A lombalgia da EA é tipicamente inflamatória, com as características descritas no ponto 2: pior de manhã, não melhora com o repouso, acorda o doente durante a noite, não apresenta alívio com adoção de posição antiálgica e é geralmente acompanhada de rigidez matinal prolongada.
Para além da região lombar que outras partes do corpo podem ser afetadas por esta doença?
Além da lombalgia, estes doentes podem também apresentar dor pelo atingimento de localizações articulares e periarticulares periféricas, nomeadamente com fenómenos de artrite (tipicamente atingindo de forma assimétrica algumas articulações dos membros inferiores), entesite (inflamação de enteses, isto é, localizações onde tendões se inserem num determinado osso) e dactilite (ou “dedo em salsicha”, inflamação generalizada envolvendo articulação, tendões e tecido conjuntivo de um determinado dedo).
Além das manifestações articulares, esta doença pode ter também as chamadas manifestações extra-articulares, das quais destacamos: uveíte anterior (inflamação da câmara anterior do olho, traduzida habitualmente por episódio de “olho vermelho” doloroso) e inflamação inespecífica da parede intestinal. As manifestações que caraterizam a EA podem estar também presentes noutras doenças como a doença inflamatória intestinal (doença de Crohn e colite ulcerosa) e a artrite psoriática. Nesses casos, essas manifestações típicas da EA (como a sacroiliíte) são consideradas como parte do atingimento axial do qual essas doenças se podem acompanhar.
Além da dor, que outros sintomas podem acompanhar o quadro da espondilite anquilosante? Que patologias podem surgir associadas a esta doença?
Além das manifestações articulares e extra-articulares acima referidas, estes doentes têm também um conjunto de comorbilidades associadas. Um estudo recente internacional que juntou 3984 doentes demonstrou que as principais comorbilidades que afetam estes doentes são a osteoporose (13%) e a úlcera gastroduodenal (11%). Esta população apresenta também uma prevalência importante de fatores de risco cardiovascular, nomeadamente hipertensão arterial, tabagismo e dislipidémia.
Como é feito o seu diagnóstico?
Em doentes com lombalgia crónica, isto é, lombalgia com pelo menos 3 meses de duração, principalmente se iniciada antes dos 45 anos de idade, importa realizar um inquérito sistemático e exame objetivo minucioso para investigar a possível presença de outros achados associados a EA (que foram já descritos neste documento). O diagnóstico de EA é estabelecido se um doente, com achados típicos da doença, apresentar no RX da bacia alterações suficientes para ser definida uma sacroiliíte de acordo com os critérios de Nova Iorque modificados (estes critérios avaliam o grau de esclerose, estreitamento ou alargamento do espaço articular e erosões dessas artiulações). De referir também que hoje em dia, nos doentes que ainda não apresentam critérios de sacroiliíte radiográfica, é possível realizar o diagnóstico de espondilartrite axial não radiográfica (com base nos achados da ressonância magnética e /ou no estudo do genético – HLA-B27).
Sendo que esta doença apresenta uma evolução variável (em alguns casos a sua progressão é mais lenta, noutros mais rápida), quais as principais complicações associadas à doença?
As principais manifestações da doença são a dor, deformação, perda de mobilidade e manifestações extra-articulares, além das comorbilidades associadas e já referidas acima. Estas manifestações geram diminuição da função física dos doentes com consequente perda de produtividade laboral e de qualidade de vida.
Como se trata a espondilite anquilosante? Qual a importância, por exemplo, dos medicamentos biológicos (quais os principais benefícios destes fármacos)?
O tratamento destes doentes deve ser individualizado e está assente em dois grandes pilares: o tratamento farmacológico e o não farmacológico. O primeiro consiste essencialmente no uso de fármacos anti-inflamatórios que felizmente são eficazes na maioria dos doentes. É possível inclusivamente que induzam períodos de remissão prolongados em alguns deles. Estes fármacos já demostraram inclusivamente terem efeito benéfico na diminuição da progressão da doença.
Quando estas terapêuticas mais convencionais não proporcionam resposta satisfatória, causam efeitos secundários ou se apresentam como contraindicadas passa a ser necessário recorrer a fármacos biotecnológicos. Esta opção abre novos horizontes para esta população na medida em que tem a capacidade de poder mudar significativamente a evolução da doença, melhorando sobremaneira a qualidade de vida destes doentes.
O tratamento não farmacológico deve ser transversal a todos os doentes. A recomendação para hábitos de vida saudável, nomeadamente a evicção tabágica, alimentação equilibrada e a prática regular de exercício são de extrema relevância. Deve ser dada preferência aos exercícios que reforcem a musculatura da coluna e que promovam uma maior mobilidade articular. O Reumatologista tem um papel fundamental neste processo dada a experiência acumulada na abordagem a estes doentes e no manuseamento destes fármacos.
Após diagnóstico, quais os principais cuidados que o doente deve ter?
Após o diagnóstico o doente deve manter um estilo de vida saudável, com uma dieta adequada, exercício adaptado e controlo dos fatores de risco cardiovascular. O seguimento no Reumatologista é indispensável para monitorização da doença e ajuste terapêutico. O apoio do médico de Medicina Geral e Familiar é também extremamente importante, não só para complementar as orientações relativas à doença reumática, mas também para manter o seguimento e rastreio das restantes comorbilidades destes doentes.