Entrevista

Literacia dos portugueses sobre o Cancro da Cabeça e Pescoço é “muito baixa” e tem de ser “melhorada para bem de todos”

Atualizado: 
22/09/2022 - 14:38
O Cancro da Cabeça e do Pescoço é já o 6º tipo de cancro mais comum na Europa, estimando-se que, na próxima década, o número de casos aumente drasticamente. De acordo com Leonor Abreu Ribeiro, especialista em Oncologia Médica, não só a população, mas também a comunidade médica, está pouco desperta para o problema, o que leva a que a referenciação dos doentes seja feita cada vez mais tarde. Do mesmo modo, explica “os fatores de risco desta doença ainda não estão suficientemente “enraizados” de forma a serem praticados naturalmente pela população”.

Apesar de ser um dos tipos de cancro mais frequentes, a sociedade ainda está pouco sensibilizada para o Cancro da Cabeça e Pescoço, tanto que o seu diagnóstico chega, quase sempre, em fases avançadas da doença. Assim, para ajudar a entender em que consiste, pergunto: de que estamos a falar quando falamos de Cancro da Cabeça e Pescoço?

O cancro da cabeça e do pescoço, inclui os tumores malignos do aparelho aerodigestivo, ou seja, os tumores que ocorrem na cavidade oral (composta pelos lábios, língua, pavimento da boca, gengivas e palato, este, o vulgo “céu da boca”), para além dos que ocorrem na faringe e na laringe. Desde grupo, fazem ainda parte, os tumores com particularidades próprias e que se originam na cavidade nasal, nos seios perinasais, nas glândulas salivares e na glândula tiroideia

Do conjunto de tumores que integram este grupo, quais os mais frequentes e aqueles que à partida podem apresentar um pior prognóstico, quer no que diz respeito à sua sobrevivência, que à qualidade de vida pós-tratamento?  

O tipo histológico do cancro da cabeça e do pescoço mais frequente, cerca de 90%, é o carcinoma pavimento celular (CPC), e ocupa o 7º lugar em termos de incidência dos tumores malignos a nível mundial. O local mais frequente é a cavidade oral, seguido da laringe e depois os localizados na faringe. Será difícil generalizar quais os que têm pior prognóstico em termos de sobrevivência e de qualidade de vida para o doente, pois o que aqui é fundamental é o estadio em que a doença é detetada. Isto irá determinar a possibilidade de um tratamento cirúrgico com intenção curativa ou um tratamento de radioterapia com ou sem quimioterapia também com intenção curativa. Se este objetivo for atingido, a sobrevivência será maior e poderá se alcançar o objetivo máximo da cura da doença. Se a cirurgia for necessariamente mais invasiva ou a área a irradiar for grande, ainda que se obtenha uma resposta clínica e imagiológica completa (ou seja, desaparecimento do tumor primário e das adenopatias, gânglios cervicais, do pescoço), a morbilidade será maior. As sequelas do tratamento poderão comprometer a qualidade de vida do doente e assim teremos um sobrevivente que não consegue retornar à sua vida habitual, sociofamiliar e profissional.

De um modo geral, a que sinais devemos estar atentos? Quais as principais manifestações clínicas do Cancro da Cabeça e Pescoço?

Os sintomas de alerta variam consoante a área anatómica afetada, mas podem-se resumir em odinofagia (dor ao engolir), disfagia (dificuldade em engolir), disfonia (alteração na fonação, “voz rouca”), lesões visíveis na cavidade oral ou na orofaringe (úlceras, feridas, “aftas”, dor, manchas esbranquiçadas ou vermelhas) e/ou uma tumefação cervical. Confundem-se com inflamações ou infeções, pelo que a chave será sempre que persistam mais do que duas semanas, após um tratamento sintomático, deve ser procurado um especialista na área de otorrinolaringologista, estomatologista e cirurgia maxilo-facial, para observação e orientação.

Na sua opinião, por que motivo este tipo de cancro é, muitas vezes, diagnosticado em fases já avançadas? E que diferença pode fazer o diagnóstico precoce?

Infelizmente, apesar das campanhas efetuadas nos últimos anos verifica-se que quer a população em geral quer mesmo na própria comunidade médica existe um desconhecimento deste problema e, consequentemente, um atraso no envio dos doentes para um diagnóstico precoce da situação. Da mesma forma, os fatores de risco desta doença ainda não estão suficientemente “enraizados” de forma a serem praticados naturalmente pela população. 

Neste sentido, o que pode ser feito para aumentar o número de diagnósticos em fases mais precoces da doença?

Campanhas de sensibilização da população e atividades de formação para os cuidadores, pais e clínicos, sobretudo os médicos assistentes dos doentes, sejam de Medicina Geral e Familiar, sejam de Medicina Interna e outras especialidades.

Na sua opinião, como está a literacia dos portugueses quanto a este tema?

Por tudo o que já disse, a literacia sobre este assunto ainda é muito baixa e tem de ser rápida e eficazmente melhorada para bem de todos.

No que diz respeito ao tratamento, que opções terapêuticas existem para tratar o Cancro da Cabeça e Pescoço? E o que se pode esperar no futuro nesta área?

O tratamento dos tumores da cabeça e do pescoço envolvem várias modalidades, sendo um tratamento multidisciplinar que envolve cirurgia, muitas vezes com técnicas de reconstrução com a colaboração da cirurgia plástica, radioterapia e tratamento sistémico. Poderão intervir no tratamento todos ou parte das especialidades, em conjunto ou em sequência dependendo da situação clínica. O tratamento sistémico, da responsabilidade da Oncologia Médica subdivide-se em 3 tipos – quimioterapia, terapêutica alvo, (os agentes biológicos), e a imunoterapia. Nas últimas duas décadas tem havido larga investigação no campo de novas modalidades terapêuticas, inicialmente para tratamento da doença avançada, o que constitui um grande ganho de sobrevivência média dos doentes, pois as opções terapêuticas eram aqui muito escassas. Na realidade cerca de 50% das situações vêm a sofrer metastização à distância, ou seja, recaída da doença não só localmente, mas também em outros órgãos, sendo o pulmão o mais frequente. No futuro esperam-se avanços no tratamento das doenças em fases mais precoces, incluindo imunoterapia e agentes biológicos, isoladamente ou em conjunto com a quimioterapia, visando-se sempre um prolongamento do intervalo de tempo sem doença e da sobrevivência global dos doentes.

Que iniciativas podemos esperar no âmbito do 10º aniversário da Make Sense Week? E a quem pretendem chegar?

Durante a semana de 19 a 23 de setembro decorre a Campanha Make Sense que visa precisamente o propósito de sensibilização para a existência desta doença, o que significa, como pode ser evitada e da importância de um diagnóstico precoce da doença. Pretende-se chegar ao público em geral e ocorrerão iniciativas de natureza vária, desde entrevistas nos meios de comunicação social, ações de sensibilização em escolas e rastreios em vários hospitais.

Que mensagens-chave gostaria de deixar quanto a este tema?

Para finalizar e em moto de mensagem chave, desejo que esta semana seja produtiva conseguindo-se o objetivo de uma eficaz sensibilização da população sobre a importância de adoção de estilos de vida redutores de risco para esta doença, (abolição de hábitos tabágicos e de alcoolismo, controlo na exposição a pó de madeira e outras exposições profissionais, e ao vírus HPV), e estarem mais atentos aos sinais de alarme afim de procurarem ajuda atempadamente, de forma  a poder ser no futuro uma doença tratável com possibilidade de retorno a uma vida com qualidade, através do tratamento da doença em estádios precoces. Nas situações de doença associadas ao consumo de tabaco e ao álcool, que continuam no nosso país a ser a maioria, reforço que a abstinência tabágica e alcoólica é importante também durante o tratamento, assim como no período posterior, pois aumenta a possibilidade de sucesso da terapêutica e, por outro, reduz o risco de recorrência da doença e de aparecimento de outro segundo tumor primário em qualquer das localizações do aparelho aerodigestivo.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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