Fator de risco cardiovascular

A inflamação é uma ameaça maior do que o colesterol

Atualizado: 
16/08/2024 - 12:49
Durante décadas, os médicos têm-se focado em baixar os níveis de colesterol dos doentes para prevenir a doença cardiovascular. No entanto, cientistas americanos indicam a inflamação como fator de maior risco.

As estatinas pertencem ao grupo de medicamentos mais prescritos a nível mundial, e percebe-se porquê – durante décadas, os médicos consideraram o colesterol elevado o principal fator de risco de doença cardiovascular. Mas uma nova metanálise1, recentemente publicada no The Lancet, contesta esta opinião e indica a inflamação como uma ameaça cardiovascular consideravelmente superior.

Grande análise de três estudos

Uma colaboração de Cientistas do Brigham and Women’s Hospital em Boston, Massachusetts, do Mount Sinai Heart, Nova Yorque, e do Cleveland Clinic Heart and Vascular Institute, no Ohio, realizaram uma análise que envolveu 31.245 doentes de alto risco cardiovascular a fazer terapêutica com estatinas. Os participantes do estudo foram recrutados de três ensaios multinacionais (PROMINENT, REDUCE-IT e STRENGTH).

A inflamação tinha maior impacto

Os investigadores analisaram o impacto da proteína C reativa (PCR) de elevada sensibilidade, um marcador de inflamação usado com frequência, e do colesterol LDL, para apurar de que modo estes dois fatores têm influência no risco de eventos adversos cardiovasculares major (MACE) na mortalidade cardiovascular e na mortalidade global.

Constataram que a inflamação (avaliada pelos valores da PCR) está claramente associada a MACE, mortalidade cardiovascular e mortalidade global. Por oposição, o colesterol não teve impacto nos MACE, e apenas teve um impacto reduzido na mortalidade cardiovascular e na mortalidade global.

Observado noutros estudos

Isto muda a perspetiva que encarou sempre o colesterol como o principal responsável. Por outro lado, vários estudos publicados nos últimos anos corroboram as observações apresentadas na revista Lancet. Por exemplo, investigadores suecos, sob a coordenação do Professor Urban Alehagen, cardiologista no Hospital Universitário de Linköping, publicaram vários estudos que demonstram uma relação inversa entre inflamação e mortalidade cardiovascular.

Risco de mortalidade 54% inferior

No estudo inovador KiSel-102, publicado na International Journal of Cardiology, em 2013, Alehagen e a sua equipa de cientistas demonstraram que a suplementação diária com 200 microgramas de selénio e 200 miligramas de coenzima Q10 fazia baixar a taxa de mortalidade cardiovascular em 54% entre idosos suecos saudáveis. Diversos estudos de acompanhamento, realizados posteriormente, mediante análise de amostras de sangue colhidas no âmbito do estudo KiSel-10, constataram que os níveis de PCR e de outros marcadores inflamatórios tinham diminuído significativamente no grupo que tomara suplementos ativos, comparativamente com grupo placebo.

Selénio e coenzima Q10

É sabido que o risco de inflamação crónica aumenta com a idade. Curiosamente, tudo indica que a adição de selénio e coenzima Q10, dois nutrientes essenciais que sofrem uma depleção com o avançar da idade, confere proteção. O selénio é um constituinte de diversas selenoproteínas, sendo várias delas antioxidantes potentes com efeito anti-inflamatório. Além disso, o selénio e a coenzima Q10 interagem entre si, numa ação bioquímica complexa recíproca.

O colesterol é essencial

Considerando que o colesterol é essencial para inúmeras funções do organismo, como a integridade da membrana celular, síntese de várias hormonas, síntese da vitamina D, e muitas outras funções, a estratégia de bloquear a síntese do colesterol com estatinas poderá não ser a melhor. E o que é mais importante é que a coenzima Q10 e o colesterol partilham a mesma via bioquímica (a chamada via do mevalonato), e é sabido que as estatinas afetam a síntese endógena da coenzima Q10 pela mesma razão.

Deve ser protegido contra oxidação

Essencialmente, o colesterol não é um problema, a menos que esteja sujeito a agressões dos radicais livres que o oxidam e provocam reação inflamatória na parede dos vasos. Isto acontece quando os macrófagos digerem as partículas de LDL oxidadas e produzem as chamadas “células espumosas”. Estas estão depositadas no endotélio dos vasos sanguíneos, onde criam condições para desenvolver inflamação. A coenzima Q10 e o selénio são ambos antioxidantes eficazes que protegem o colesterol LDL e outros lípidos contra peroxidação lipídica, e esta pode ser a resposta para evitar a reação inflamatória que parece ser a causa subjacente da aterosclerose.

Referências:

1Inflammation and cholesterol as predictors of cardiovascular events among patients receiving statin therapy: a collaborative analysis of three randomised trials,The Lancet, Volume 401, ISSUE 10384, P1293-1301, April 15, 2023

2Cardiovascular mortality and N-terminal-proBNP reduced after combined selenium and coenzyme Q10 supplementation: a 5-year prospective randomized double-blind placebo-controlled trial among elderly Swedish citizens, International Journal of Cardiology, 2013. Sep 1;167(5):1860-6.

Fonte: 
PharmaNord
Nota: 
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