Entrevista | Dr. Nuno Alegrete, Ortopedista Pediátrico

"Infelizmente, não há forma de prevenir o aparecimento ou a progressão de uma escoliose"

Atualizado: 
01/07/2024 - 14:45
Estima-se que entre 2 a 4% da população, em Portugal, sofra de Escoliose - uma deformidade da coluna vertebral cuja gravidade é muito variável, mas que, habitualmente, tem um grande impacto na vida do doente. De acordo com Nuno Alegrete, ortopedista pediátrico especialista na área de coluna, para além das repercussões físicas, "a associação com depressão, ansiedade, perturbações do sono, alteração do rendimento escolar, perturbações do comportamento alimentar, estão descritas e são reais". Assim, e no âmbito do Dia Internacional de Sensibilização para a Escoliose, que se assinalou no dia 29 de junho, o especialista alerta para a importância de se estar atento aos sinais - "assimetrias de cintura, desnível dos ombros" - , sublinhando que quanto mais precoce for o seu diagnóstico, "mais opções de tratamento (e mais simples) estão disponíveis".

Estima-se que entre 2 a 4% da população sofra de Escoliose e que a maioria dos casos são detetados durante a adolescência. Começo por lhe perguntar em que consiste o problema e porque o diagnóstico chega maioritariamente nestas faixas etárias?

A escoliose é uma deformidade da coluna vertebral. Ao invés de ser reta (quando olhada de frente),a coluna tem uma ou mais curvas, ficando em forma de C ou de S. Existem vários tipos de escoliose, no entanto, a mais frequente é a escoliose idiopática do adolescente. Este tipo de escoliose é responsável por cerca de 80% de todos os casos. Aparece depois dos 10 anos de idade (habitualmente na fase de crescimento rápido do início da adolescência) e é mais comum no género feminino, sendo a sua causa desconhecida.

Quais as causas ou fatores de risco para a Escoliose?

Há vários tipos de escoliose, que podem resultar de múltiplas causas: malformações congénitas das vértebras, doenças neurológicas, doenças neuromusculares, síndromes polimalformativos, tumores, fraturas... no entanto, a maior parte das escolioses são habitualmente de origem genética, muitas vezes hereditárias, e a sua verdadeira causa não é conhecida. Embora não haja uma associação clara entre o aparecimento da escoliose e fatores de risco, a presença de um familiar direto com escoliose, um baixo índice de massa corporal e a hiperflexibilidade do tronco parecem estar relacionados com uma maior incidência de escoliose idiopática.

Quais os principais sintomas da escoliose? É verdade que a dor não está entre as suas manifestações? A que sinais devemos estar atentos?

A dor é um sintoma muito pouco frequente da escoliose. Estima-se que apenas 23% dos doentes com escoliose tenham dor, o que não é muito diferente da população sem escoliose para as mesmas faixas etárias.

Habitualmente, a escoliose nota-se pelas alterações que provoca na forma do tronco: desnível dos ombros, assimetria na altura e na saliência das omoplatas, assimetria da cintura, inclinação lateral do tronco e assimetria nas costelas, quer na região posterior, quer na região anterior do tronco.

Que outras complicações podem surgir da decorrência da Escoliose?

Inicialmente, a escoliose é uma alteração na forma do tronco, com as repercussões estéticas que isso implica. Com a progressão e o agravamento da curva, aumenta o risco de dores e começa a haver sensação de cansaço para esforços maiores, nomeadamente para a prática desportiva. As curvas muito graves podem ocasionar dificuldade respiratória mesmo num dia-a-dia normal e, posteriormente, alterações de sobrecarga cardíaca.

Quais os benefícios de um diagnóstico precoce?

A escoliose é uma condição que pode ir progredindo ao longo da vida. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais fácil é orientar o tratamento adequado e evitar esta progressão. O tratamento é muito dependente da gravidade da curva no momento em que se faz o diagnóstico e, portanto, quanto mais precoce for esse diagnóstico, mais opções de tratamento (e mais simples) estão disponíveis.

Em que consiste o tratamento da escoliose?

Dependendo do tipo de curva e da sua gravidade, há várias opções de tratamento. Falando apenas da escoliose idiopática do adolescente – a mais frequente de todas – há três opções diferentes, dependendo da sua magnitude. Para as curvas mais pequenas, a realização de exercícios específicos de fisioterapia pode ser benéfica. A ciência ainda não conseguiu provar este benefício, no entanto, alguns estudos apontam nesse caminho. Para as curvas moderadas, a utilização de uma ortótese (colete) está fortemente indicada. Apesar de, durante muitos anos ser um tema controverso, os benefícios da utilização de um colete para travar a progressão de uma curva estão já demonstrados. Finalmente, para as curvas mais graves, a cirurgia é a solução recomendada. Existem várias possibilidades cirúrgicas, que devem ser avaliadas caso a caso, desde soluções em que a coluna fica imóvel (a clássica fusão vertebral), ou técnicas que permitem a manutenção da mobilidade e do crescimento, como são os mais recentes sistemas de distração dinâmica posterior ou o “vertebral body tethering” (VBT).

Em matéria de prevenção, que cuidados a ter?

Infelizmente, não há forma de prevenir o aparecimento ou a progressão de uma escoliose. Sendo, na grande maioria dos casos, uma situação de origem genética, não existe forma de a evitar. Não há, até à data, estudos que associem a escoliose com a prática desportiva (nem no sentido de prevenir, nem com efeito causador), o transporte de pesos (nomeadamente de mochilas escolares) ou com as “más posturas”.

Na infância, qual o real impacto de um problema como este? Não só a nível físico como psicológico?

O crescimento é uma fase de grandes mudanças e adaptações. A escoliose é uma perturbação desse caminho, com impacto a nível físico, psicológico e social. As escolioses que aparecem durante a infância tendem a ser mais graves, com repercussões físicas mais precoces, nomeadamente na capacidade de fazer exercício físico. Na adolescência, apesar das curvas serem, habitualmente, menos graves, acabam por ter um impacto psicológico maior pela sua repercussão estética. A associação com depressão, ansiedade, perturbações do sono, alteração do rendimento escolar, perturbações do comportamento alimentar, etc. estão descritas e são reais. Existem, felizmente, consultas de psicologia dedicadas ao apoio a doentes com escoliose, e que são fundamentais para o sucesso de todo o tratamento, sabendo que este deve ser transversal a todos os aspetos da saúde: uma melhoria do bem-estar físico, psíquico e social.

Que mensagem é importante passar para os doentes mais novos?

Há duas mensagens importantes: a primeira foca-se no diagnóstico. É importante estar atento aos sinais (assimetrias de cintura, desnível dos ombros) e não ter medo ou vergonha de referir essa situação aos pais, ao médico de família ou ao pediatra. A precocidade do diagnóstico é determinante para o sucesso do tratamento.

A segunda mensagem prende-se com a gravidade da escoliose e a necessidade de tratamento: na grande maioria dos casos, a escoliose não progride e é compatível com uma vida completamente normal, sem qualquer condicionamento ou restrição. No caso das situações mais severas, há várias possibilidades de tratamento, com elevada segurança e sucesso. E, finalmente, atendendo à repercussão estética que a escoliose pode causar, pode ser precisa ajuda especializada, para além da ortopedia.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.