Entrevista

A Incontinência Urinária continua a ser considerada uma “epidemia escondida”

Atualizado: 
27/05/2022 - 15:33
Tida por muitas mulheres como uma consequência natural do envelhecimento, falar sobre Incontinência Urinária ainda é tabu. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Bercina Candoso, presidente da Secção Portuguesa de Uroginecologia (SPUG) da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), explica que apesar de ser um problema que traz grande impacto na vida da mulher, tem tratamento. Quando associada à Síndrome de Bexiga Hiperativa, além de conduzir ao isolamento, à baixa autoestima e a estados depressivos, aumenta o risco de acidentes domésticos “com risco de fraturas aumentado, pela necessidade imperiosa e imediata que sentem de recorrer à casa de banho”.

Estima-se que, em todo o mundo, mais de 60 milhões de pessoas sofram de incontinência urinária. Em Portugal, cerca de 33% das mulheres com mais de 40 anos apresentam sintomas da doença, mas destas apenas 10% recorre ao médico. Neste sentido, começo por perguntar porque é que continuamos a evitar falar sobre um tema que, para além de frequente, causa um grande impacto na vida dos doentes?

A Incontinência Urinária continua a ser considerada uma “epidemia escondida”. E se vemos que nos estratos mais jovens e nas mulheres trabalhadoras um maior à vontade para exporem o seu problema ao seu médico, ainda existem muitas – a grande parte – que esconde ou que vive com o problema porque o considera inevitável, tendo em conta o exemplo das mulheres da família de gerações anteriores, que também se queixavam do mesmo problema. Aceitam como natural e inerente ao envelhecimento, o que não é, desconhecendo que existem tratamentos simples, médicos e cirúrgicos.

De que forma a Incontinência Urinária condiciona a vida de quem dela padece? Como se manifesta? E quais os principais sinais de alerta?

O termo Incontinência Urinária (IU), definido pela International Continence Society (ICS), refere-se à perda involuntária de urina. Como sintoma, a IU pode ser descrita voluntariamente pela paciente, relatada pelo seu cuidador ou questionada ativamente pelo clínico.

A IU é categorizada nos seguintes subtipos, conforme as circunstâncias em que ocorre:

  • IU de esforço – perda involuntária de urina com esforço físico (como tosse, espirro e prática de atividade desportiva);
  • IU de urgência – perda involuntária de urina associada a urgência miccional;
  • IU mista – associação de queixas de IU de esforço e de urgência;
  • IU postural – perda involuntária de urina com a mudança de posição corporal;
  • IU associada à retenção crónica de urina (designada anteriormente de IU por extravasamento) – perda involuntária de urina associada ao esvaziamento vesical incompleto, indicado por um resíduo pós-miccional elevado ou pela presença de uma bexiga indolor palpável ou percutível após a micção;
  • Enurese – perda involuntária de urina que ocorre durante o sono;
  • IU contínua – perda involuntária de urina contínua;
  • IU insensível – perda involuntária de urina sem que o indivíduo saiba como esta ocorre;
  • IU coital – perda involuntária de urina durante o coito (na penetração ou no orgasmo);
  • IU funcional – perda involuntária de urina resultante da impossibilidade de chegar a tempo à casa de banho, por défice cognitivo, funcional ou de mobilidade, apesar da integridade do trato urinário inferior;
  • IU multifatorial – perda involuntária de urina provocada pela interação de múltiplos fatores de risco, como comorbilidades, medicação, alterações fisiológicas inerentes ao envelhecimento e a fatores ambientais.

 

A IU pode existir isoladamente ou associar-se a outros sintomas do trato urinário inferior. Frequentemente são referidos sintomas de armazenamento / enchimento vesical em doentes com IU, tais como:

  • Frequência miccional diurna aumentada – aumento do número de micções nas horas em que o doente se encontra acordado; tradicionalmente, uma frequência diurna superior a 8 é considerada anormal, ainda que este limiar possa ser mais elevado em algumas populações;
  • Noctúria – despertar para urinar durante o período principal de sono;
  • Urgência – vontade súbita e imperiosa de urinar, difícil de adiar;
  • Síndrome de bexiga hiperactiva (BH) – urgência miccional, habitualmente acompanhada por frequência miccional aumentada e noctúria, com ou sem IU de urgência, na ausência de infeção do trato urinário ou de outra patologia.

Quais as principais complicações associadas à Incontinência Urinária?

Quando não tratada pode ser fator de isolamento, de baixa autoestima que em último caso leva a Síndromes depressivos. São mulheres que deixam de conviver até com a própria família, de executar as suas tarefas diárias, ainda que passem por ir só às compras ao supermercado.

Quando sofrem de bexiga hiperativa, como mais abaixo é explicado, estão sujeitas a mais acidentes domésticos e não só, com risco de fraturas aumentado, pela necessidade imperiosa e imediata que sentem de recorrer à casa de banho.

Quais as principais causas associadas a esta patologia? Há formas de a prevenir?

A Incontinência Urinária de Esforço (aquela em que a mulher perde com a tosse, espirro, riso, pegar em pesos, dar uma corrida) pode ser mais prevalente nas mulheres que tiveram partos vaginais, a própria gravidez, por alterações hormonais próprias e pela ação sobre os mecanismos de suporte da bexiga. No entanto, convém saber que a cesariana está associada a outro tipo de Incontinência Urinária – a de Urgência (a mulher sente uma vontade súbita e inadiável de urinar que não consegue inibir e perde ou pequenas gotas ou de forma catastrófica), e ao aparecimento de outros sintomas relacionados com alterações da inervação da bexiga que sofreu danos durante a cirurgia, como a noctúria (acordar com vontade de urinar várias vezes por noite), que tem efeitos muito prejudiciais na qualidade do sono destas mulheres, no descanso necessário para um dia de trabalho, aumento da frequência urinária (necessidade de ir mais do que 8 vezes por dia à casa de banho), o que pode prejudicar o relacionamento em determinados postos laborais.

Temos de ter ainda em conta que apenas 11% das mulheres que tiveram filhos vão apresentar um quadro de Incontinência Urinária. Por todos estes motivos, não existe qualquer razão para contrariar o que é natural – o parto normal, indicando uma cirurgia agressiva – a cesariana, para tentarmos evitar uma hipótese, que pode ser corrigida com uma cirurgia minimamente invasiva.

Durante a gravidez a mulher pode e deve ser ensinada e incentivada a fazer exercícios de fortalecimento do pavimento pélvico. Estes exercícios são conhecidos como os exercícios de Kegel.

Sabendo que IU está muitas vezes associada à síndrome de Bexiga Hiperativa (BH), peço que descreva esta condição. Quem está em risco e como se manifesta?

A síndrome de bexiga hiperativa é um conjunto de sintomas que têm origem numa perturbação do armazenamento de urina na bexiga: o músculo da parede da bexiga (detrusor) contrai-se mesmo quando esta contém um volume reduzido de urina.

O músculo da bexiga parece transmitir mensagens erradas ao cérebro, dando a sensação de que a bexiga está mais cheia do que realmente está. As contrações involuntárias diminuem o controlo que a pessoa tem sobre a bexiga e dão origem aos sintomas que caracterizam a síndrome de bexiga hiperativa, que incluem a necessidade urgente e frequente de urinar.

A bexiga hiperativa não está, na maior parte dos casos, relacionado com qualquer condição ou fator de risco conhecido, daí a maior parte ser considerada idiopática.

A bexiga hiperativa pode ser acompanhada de sintomas de incontinência urinária por urgência (ou urge-incontinência urinária). Isto acontece porque a necessidade de esvaziar a bexiga é de tal forma intensa que poderá acontecer uma perda acidental de urina, antes mesmo de chegar à casa de banho. Na incontinência por urgência, podem ser perdidas involuntariamente pequenas ou grandes quantidades de urina.

A Bexiga Hiperactiva pode ser prevenida? O que pode ser feito em matéria de prevenção?

Algumas pessoas procuram beber menos para reduzir os sintomas de bexiga hiperativa. No entanto, isto pode tornar a urina concentrada, irritar a bexiga e causar obstipação e produzir o efeito totalmente oposto. A quantidade diária de líquidos necessária deverá ser de 1,5 l de água. Alguns tipos de alimentos e bebidas podem irritar a bexiga e contribuir para a incontinência: chá preto, café, bebidas alcoólicas, refrigerantes, bebidas à base de citrinos (por ex. sumo de laranja), tomate e alimentos à base de tomate, alimentos condimentados, chocolate, adoçantes artificiais. Outros alimentos são recomendados para ajudar a combater a sintomatologia própria desta síndrome: sumo de arando ou de ameixa seca, ameixas, bolachas cracker sem sal, bolachas de aveia, gelatina e cereais.

Devem ainda combater a obesidade e a obstipação, que são fatores de agravamento de qualquer tipo de Incontinência Urinária.

Como é feito o seu diagnóstico?

O diagnóstico de bexiga hiperativa é feito principalmente com base nos sinais e sintomas apresentados pela pessoa e na exclusão de outras causas possíveis, tais como uma infeção. 

Falar com o seu médico sobre os seus sintomas é o primeiro passo. Apesar de ser um assunto íntimo, uma conversa com o médico é especialmente importante se os sintomas perturbarem as atividades do seu quotidiano.

E qual o tratamento?

O tratamento deve sempre ter início em medidas conservadoras, alteração de hábitos urinários – urinar por horário se necessário –, alteração de hábitos alimentares, como já referido.

Combater a obstipação é muito importante, assim como ensinar as doentes a tentar controlar a sua bexiga sempre que um episódio de urgência acontece, contraindo os músculos do pavimento pélvico, enquanto se dirige para a casa de banho sem correr.

A terapêutica farmacológica é oferecida quando as medidas conservadoras inicialmente implementadas (incluindo modificações comportamentais e exercícios dirigidos ao pavimento pélvico) são ineficazes. A escolha da farmacologia deve ter em conta os potenciais efeitos colaterais e o seu custo. A correta identificação do tipo de incontinência permite selecionar os fármacos a utilizar.

Em que situações é necessário recorrer ao tratamento cirúrgico?

Quando qualquer tratamento médico ou a sua associação falha, dispomos para o caso da bexiga hiperativa e incontinência urinária de urgência de procedimentos que poderão ser considerados cirúrgicos visto que devem ser efetuados em ambiente asséptico e idealmente em bloco operatório.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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