Opinião

A importância da memória

Atualizado: 
06/01/2023 - 12:35
Será a memória a principal referência para a recuperação de funcionalidades?

A memória é uma função cognitiva essencial para as funções do quotidiano e a perda desta função pode ser catastrófica como é percetível pelo exemplo de doentes com défices de memória (por exemplo na doença de Alzheimer). Define-se pela capacidade de aprender, recordar e executar as competências aprendidas.

A memória envolve três etapas, sendo que podem ocorrer défices de memória por alterações em qualquer uma destas fases:

  1. Aquisição – processo pelo qual uma memória é armazenada no repertório mnésico;
  2. Armazenamento - processo pelo qual se organiza a informação e se guarda a memória ao longo do tempo, podendo mais tarde ser evocada;
  3. Evocação - processo pelo qual se “traz” à consciência uma memória armazenada.

Inicialmente é formada a memória sensorial, sendo que parte desse armazenamento é transformado em memória de trabalho ou de curto prazo, que não dura mais que alguns minutos e é-nos útil para organizar a informação sensorial que estamos a receber. A memória de trabalho é constituída pelas componentes auditiva e visual, ambas com uma capacidade relativamente limitada.

Outras características da memória de trabalho são os efeitos de primazia que, respetivamente, referem que as pessoas têm maior probabilidade de se lembrarem das coisas que lhes foram ditas mais recentemente (por exemplo os últimos 2 itens de uma lista) e que também têm maior probabilidade (no caso da lista) de se lembrarem dos primeiros itens da lista do que dos itens do meio da lista.

Posteriormente, a memória de trabalho pode ser armazenada e transformar-se em memória de longo prazo que pode mais tarde ser evocada. A memória de longo prazo divide-se sobretudo em 2 tipos:

  1. Memória declarativa ou explícita – referente à memória episódica (experiências pessoais) e/ou à memória semântica (factos, ideologias, conceitos); é explícita porque a sua evocação é consciente;
  2. Memória de procedimentos ou implícita – referente a procedimentos motores e cognitivos que executamos automaticamente; é implícita porque a sua evocação é inconsciente.

Entre as várias aplicações do conhecimento sobre o processo da memória, há uma que é transversal a toda a prática em contexto de saúde – conseguir que as pessoas memorizem toda a informação importante que lhes damos.

Estudos dizem que os doentes esquecem cerca de 50% da informação que lhes é dita pelos profissionais de saúde. Para adotar pequenas técnicas tendo esse fim em mente, é importante conhecer algumas características da memória:

  • Distinção – informação que se distinga ou que seja única é mais provável ser lembrada;
  • Elaboração e processamento – se a informação tiver um significado que tenha sido compreendido é mais facilmente lembrada;
  • Categorização – a informação é armazenada por categorias (ex: desporto, comida, animais) o que torna mais rápida e mais fácil o armazenamento de nova informação;
  • Contexto-dependentes – as memórias estão frequentemente associadas ao contexto em que foram adquiridas, pelo que num contexto semelhante a evocação da memória será mais fácil;
  • Poder da evocação – quanto maior a quantidade de informação que é evocada, melhor é lembrada a memória.

Sem memória não há: função – neurotransmissores (não existe transmissão dos impulsos de um neurónio a outra célula), atividade (as áreas envolvidas na memória são áreas também do Controlo Motor) e participação (neuroplasticidade, aprendizagem, evolução).

São várias as patologias associadas:

  • Doença de Alzheimer – Estado inicial caracterizado por alteração ligeira da memória declarativa e da orientação e dificuldade em encontrar palavras durante uma conversa. Progride para alterações demarcadas da memorização e orientação, alterações de humor, comportamento e personalidade. A prevalência da Doença de Alzheimer moderada a grave é de 5% nos doentes com mais de 65 anos e 20% nos doentes com mais de 80 anos.
  • Síndrome de Korsakoff - défice de vitamina B1 (tiamina) – visto em alcoólicos ou com anorexia nervosa. Caracteriza-se por lesões dos corpos e fibras mamilo-talâmicas. Apresentam amnésia anterógrada severa, confabulação (inventar histórias), ausência de insight, apatia e dificuldade na formação de memória declarativa.

As sinapses químicas podem induzir alterações plásticas que potenciam ou deprimem a transmissão sináptica. A potenciação de longo termo envolve alguns padrões de atividade sináptica que produzem um aumento duradouro na plasticidade sináptica. Essa plasticidade, serve de mecanismo para o armazenamento de informação duradoura. A potenciação de longo termo só é possível se fortes despolarizações nos neurónios pré e pós-sinápticos ocorrerem. “Neurons that fire together wire together” já dizia o neuropsicólogo Donald Hebb, que usou essa frase pela primeira vez em 1949 para descrever como os “caminhos cerebrais” são formados e reforçados por meio da repetição/memória.

Autor: 
Sérgio Loureiro Nuno - Fisioterapeuta e Docente Universitário
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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