Fátima Oliveira: “Sou grata por todos os dias acordar e poder continuar a sonhar”
“Sempre fui saudável, praticante de desporto, com vida ativa no mundo laboral desde os 16 anos numa empresa do ramo automóvel, mais precisamente numa linha de montagem.
Em novembro de 2017, comecei a sentir algumas dores abdominais que expandiam para o ombro do lado direito quando respirava.
A primeira vez que me dirigi ao Hospital de Vila Nova de Gaia, estava no limite de suporte da dor, pois nada que tomasse me aliviava a mesma. Numa primeira abordagem tudo indicava para contraturas, tendo sido feito apenas tratamento com medicação venosa para alívio da dor, com indicação para fazer uns relaxantes musculares.
No dia seguinte mesmo não estando melhor fui trabalhar. Sempre fui uma pessoa dedicada ao trabalho, sempre dei o melhor de mim. Quando cheguei ao fim do dia de trabalho estava bem pior. Do meu trabalho a minha casa são cerca de 30 km, este percurso de regresso a casa pareceu uma eternidade. Desesperada, decidi voltar as urgências, voltando a ser-me dito a mesma coisa do dia anterior. Mais medicação e aconselharam que ficasse em repouso. A medicação dada na urgência aliviava a dor, sem, contudo, fazer com que esta desaparecesse.
Com alta médica regressei a casa. Quando me deitava sentia que algo tivesse rebentado na minha barriga. Voltei de imediato às urgências e com uma nova dose de medicação, fiz o caminho de regresso a casa com nova alta médica. No dia seguinte estava muito debilitada, o meu marido ligou para a saúde 24 que me encaminhou novamente para a urgência. A meio do caminho tudo piorou, tivemos de telefonar para o 112 e vieram ao nosso encontro. As dores eram tão fortes que não me lembro de metade do sucedido. Já nas urgências com pulseira laranja, uma médica tratou de colocar um cateter, e administram-me uma medicação para aliviar a dor. Foram no entretanto solicitadas análises, uma ecografia abdominal e um RX aos pulmões.
Chegados os resultados, a médica chamou o meu marido e disse-nos, que teria de ficar internada porque tinha uma pedra na vesicula com 17 milímetros e tinha de ser retirada. Na altura ficamos mais descansados uma vez já havia um diagnóstico. Sol de pouca dura. Em pouco tempo um grande volte face. Mandaram-me para casa uma vez que estavam a trabalhar com serviços mínimos, contudo ficaria referenciada com carácter de urgência para ser seguida em consulta de cirurgia geral. Fiquei com imenso medo. Assustadíssima, quando a médica me disse que existiam também uns nódulos no fígado, embora desvalorizando, dizendo para não me preocupar pois eram normais na minha idade. Após a confidência de que tinha seguro de saúde a médica sugeriu que procurasse uma segunda opinião.
Em relação ao Hospital Santos Silva em Vila Nova de Gaia. Sinto que fui vítima de negligência naquela urgência.
Não existindo melhoras marquei de imediato uma consulta para o Hospital da Luz. Na primeira consulta após dois dias, o Doutor Jaime Vilaça, cirurgião hepático disse que não tinha dúvidas em relação a pedra da vesícula, mas as dores e a forma como as relatava ele achava, que estava relacionado com o fígado, sem levantar grande alarme mandou-me fazer uma ressonância.
No meio disto tudo continuei a trabalhar. O resultado chegou cerca de 5 dias depois. A ressonância era inconclusiva. Disse-me que teríamos de fazer uma biopsia ao fígado. E como não me sentia melhor tínhamos de parar a atividade profissional até sabermos o que realmente eu tinha. Fazer a biopsia ao foi horrível. O resultado da biopsia foi pedido com muita urgência.
Tudo tinha começado no dia 1 novembro e já se tinham passado cerca de quinze dias sem que soubesse o que tinha. Dia 17 novembro o cirurgião telefonou-me e disse-me para ir ter com ele. Subi sozinha, enquanto o meu marido estacionava o carro. Assim que entrei o médico olhou para mim baixou a cabeça, e perguntou-me se tinha se estava só. Respondi que não, e ficamos em silêncio, um silêncio aterrador. Nervosa, persentindo más notícias, perguntei-lhe: É Cancro, doutor? Confirmado com um simples e desolador acenar de cabeça. Entretanto o meu marido chegou vê-me a chorar e numa trémulas e soluçadas palavras disse-lhe é Cancro. Ainda hoje não consigo exprimir tudo o que senti naquele momento. O meu primeiro pensamento foi a minha filha, tinha 9 anos na altura e os meus pais. Vinte anos atrás a minha irmã com 27 anos tinha tido linfoma. Foi duro, mas superamos tudo sempre juntos, somos quatro irmãos muito unidos. Voltar a fazer passar a minha família pelo mesmo era arrepiante. O meu marido um ano antes o Cancro levou-lhe a mãe. Foi difícil digerir toda aquela informação.
Não bastando o Cancro no fígado era secundário. Tínhamos ainda que descobrir o primário.
Nesse mesmo dia o Doutor Jaime tomou a liberdade, de falar com o Doutor Leal um médico muito experiente na oncologia. Esteve a falar connosco imenso tempo, mas a minha cabeça sempre a mil. Passou-me imensos exames e análises. Mas antes de ir fazer análises com toda a experiência dele preguntou se podia ver-me as mamas assim que começa a apalpação detetou um nódulo na mama esquerda. Não queria acreditar como nunca o senti. O foco era fazer exames, biopsia à mama para sabermos se ambos tinham os mesmos recetores. Volvidos uns dias chegou o resultado. Com 37 anos sou diagnosticada com Cancro da mama com múltiplas metástases hepáticas.
Do Hospital da Luz, passei de imediato para o IPO do Porto, onde conheci a minha médica, Doutora Susana. Um anjo. Temos uma grande empatia desde o primeiro dia. Estava muito frágil, na minha ignorância achava que operava mama, operava o fígado, fazia os tratamentos e tudo seria simples.
No meio de demasiadas perguntas a médica disse-me que o meu Cancro não tinha cura. Fiquei sem mundo. Aterrorizada, pensei na morte.
Numa segunda consulta a Doutora tinha feito reunião de grupo, para decidirem o tratamento adequado. E depois de dizer-me algumas opções falou-me num ensaio clínico que estava a decorrer em fase 3, havia apenas uma vaga. Falei com ela e sem hesitar aceitei. Não tinha nada a perder. Esperei pela autorização do Infarmed, que foi rápida. O meu tumor é HR2 negativo e um hormonodependente. O ensaio previa que estivesse na menopausa, como não estava teve de ser induzida, e fazer hormonoterapia, mais três comprimidos por dia durante 21 dias. O milagroso Ribociclib. Iniciei o meu primeiro tratamento a 21 dezembro 2017.
Foi tudo muito rápido porque já levava o diagnóstico e exames feitos do privado. Este tratamento não fez cair o cabelo. Por vezes, até como forma de aligeirar todo este fardo, pensava que se tinham enganado no diagnóstico e que não tinha Cancro.
Tive todo o apoio da família, sempre rodeada de amor, e de muita esperança.
Aos olhos da sociedade ignorante não estava doente, aparentemente estava bem. Para algumas pessoas só faz sentido, se tivermos carecas, com mau ar. Só nós conseguimos falar a mesma linguagem. Pedi ajuda psicológica foi fundamental.
O ensaio foi a melhor opção tomada. Ao fim de três meses o corpo estava a responder ao tratamento.
Devido a minha boa aparência fui vítima de Bullying nas redes sociais, contas falsas onde mencionavam que eu não queria era trabalhar. Mais tarde recebi mensagens a dizer que o meu tempo estava a acabar. Momentos difíceis, mais uma vez amigos e família estiveram sempre lá para mim.
Ao fim de um ano consegui controlar a doença, e as metástases foram desaparecendo. Comecei a acreditar que era possível viver com Cancro. Ter qualidade de vida. Entretanto fiz cirurgia profilática aos ovários visto que o meu tumor é hormonal.
Em 2020 com a doença completamente controlada já só tinha duas metástases, a médica decidiu fazer uma intervenção ao fígado. Uma Termo ablação para eliminar aquelas duas resistentes. Correu bem não precisei de operar nem remover a mama. Atualmente não há evidencia de doença.
Atualmente tenho 80% incapacidade estou com invalidez relativa. Não posso exercer a minha profissão.
Se é duro? Sim é muito duro, sofri muito, chorei imenso. Mas sinto-me uma mulher realizada. Tenho sonhos, projetos futuros. Se os vou concretizar ou não isso não sei. Sei que antes do Cancro tinha projetos sonhos e não se realizaram. Por isso faço-os na mesma.
Voltei à atividade física. Faço três vezes por semana Boxe. O meu marido é o professor, acompanhada pela filha que hoje tem 13 anos. A minha Inês!
A minha âncora, sempre muito querida e delicada comigo. O meu mundo.
Nunca desistam! Acreditem sempre!
Se passamos por dias maus? Claro que sim, mas cabe-nos a nós torná-los mais fáceis. Por nós e por todos aqueles que nos amam.
Não falo muito no trabalho, porque não tive oportunidade de regressar, mas também lamento por ter dado 24 anos de mim aquela empresa, e no fim sentir que apenas fui um apenas um número.
A vida é tão boa! Este Cancro chato que me acompanha para todo lado.
Como no meu caso correu sempre tudo, há dias que nem me lembro dele.
Com o meu testemunho quero transmitir-vos esperança. Acreditar na ciência, se hoje não existe a cura, amanhã pode existir.
Sou grata por todos os dias acordar e poder continuar a sonhar.”