“Eu nunca ouvi falar de Linfomas Cutâneos, até ter sido diagnosticado com a doença”
Não se sabe ao certo o que está na sua origem, apenas de que se trata de um tipo de Linfoma raro, que se estima que afete 1 a 9 pessoas por 100.000 habitantes, sendo mais prevalente entre o sexo masculino. “De uma forma global, a incidência dos linfomas cutâneos aumenta com a idade. A idade média de apresentação é de aproximadamente 50 anos e, na maioria dos casos, o diagnóstico é feito entre os 40 e 60 anos. No entanto, a doença também pode afetar os mais jovens e os mais idosos”, explica Iolanda Fernandes, Dermatologista no Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Estes tumores podem ser classificados, consoante a célula que lhe dá origem, em linfomas cutâneos primários de células T – o que acontece na maioria dos casos, em 75% de todos os diagnósticos -, ou em linfomas cutâneos primários de células B (25% dos casos).
De entre os tipos de Linfomas Cutâneos mais diagnosticados, encontram-se a Micose Fungoide e a Síndrome de Sezáry, ambos um subtipo de LCCT.
“Globalmente”, explica a dermatologista, os Linfomas cutâneos “apresentam grande variabilidade clínica, podendo observar-se eritrodermia, máculas, pápulas, placas, nódulos e/ou tumores, que podem ulcerar ao longo do tempo”. A Micose Fungoide, por exemplo, caracteriza-se pela presença de placas eritematosas que evoluem para lesões ulceradas, tumores em toda a pele ou ainda infiltração de medula óssea em estágios avançados. Inicialmente, estas lesões possuem um caráter genérico, similares às dermatoses inflamatórias, e acometem a pele em áreas não expostas ao sol, como cintura pélvica, nádegas, tronco inferior, virilhas, axilas e mamas. Mais tarde, tornam-se infiltrativas.
Já a Síndrome de Sezáry caracteriza-se pela forma eritrodérmica da Micose Fungoide e por afetar o sangue com células T neoplásicas. Esta, nos seus estágios iniciais pode apresentar lesões de pele indistinguíveis de outras doenças dermatológicas, como é o caso da psoríase, por exemplo, cuja eritrodermia tem uma origem inflamatória.
De acordo com a dermatologista do Centro Hospitalar Universitário do Porto, Iolanda Fernandes, “dada a grande variabilidade clínica, existem várias dermatoses com as quais os linfomas cutâneos primários poderão facilmente ser confundidos, incluindo eczemas, psoríase, toxidermias, lúpus, sarcoidose, outros tipos de tumores cutâneos, entre outras, é fundamental a observação por médicos que estejam devidamente familiarizados com estas doenças, nomeadamente por dermatologistas”, alerta, referindo que habitualmente o seu diagnóstico leva em média, entre quatro a seis anos.
Armando Magalhães, atualmente com 68 anos, recebeu o diagnóstico de Micose Fungoide em 2008, mas esteve anos a ser tratado para aquilo que pensava ser uma foliculite.
“Eu era enfermeiro na Força Aérea e estava, na altura em que começaram a aparecer os primeiros sintomas da doença, destacado nos Açores, onde fazia evacuações”, começa por contar recordando que lhe apareciam pequenos nódulos ou tumefações nas coxas e nas nádegas que julgou deverem-se a pelos encravados.
Armando diz que levou dois anos a procurar um médico para avaliar a situação. “Procurei um médico da Força Aérea que não ligou muito àquilo e que me disse que tinha de tomar antibiótico”, recorda adiantando que os tais nódulos acabavam por rebentar e surgir novamente em outro local.
Mais tarde, e já viver no norte do país, consultou uma médica que o aconselhou a ir a uma colega no Centro Hospitalar Universitário do Porto. Lá realizou análises “mais orientadas” e uma biópsia de pele que concluiu o diagnóstico: Micose Fungoide. Seguido, na altura, pela especialista em Imunoterapia e fundadora da Consulta Multidisciplinar de Linfomas Cutâneos e Mastocitoses (CMLC), Margarida Lima, deu início ao tratamento com radioterapia, que considera ter sido muito “soft” – “duas posições por dia, um minuto cada”, até que foi possível retardar o aparecimento de novos nódulos.
“A doença estagnou desde que dei início ao tratamento”, afirma confirmando que agora só faz medicação oral – “comecei com oito comprimidos diários, depois passei para seis. Agora só tomo quatro”.
Recorda que na altura, não reagiu muito bem ao diagnóstico, mas diz, “nunca estive preocupado com o prognóstico”.
“Já tinha ouvido falar em muitos tipos de linfoma, até porque trabalhei em oncologia, mas não em Linfomas Cutâneos”, admite.
“No geral, as pessoas, como eu, desconhecem esta doença. Quanto aos médicos, apesar de tudo e como lido com médicos de uma consulta especializada não sei se os restantes sabem que doença é esta”, diz admitindo, no entanto, que passou anos a fazer o tratamento errado.
Com o objetivo de manter a qualidade de vida, o tratamento é vigiado de perto pela consulta do Centro Hospitalar Universitário do Porto. “Sempre que vou ao hospital faço análises. Comecei a ir à consulta de três em três meses, agora vou de quatro em quatro”, conta adiantando que a medicação que toma “é sempre adaptada à evolução da doença”.
Pele vermelha, escamação e comichão: Síndrome de Sezáry
José Meira, tinha 43 anos quando começou a reparar que tinha a pele muito vermelha. “Fui à minha médica de família que suspeitou de uma alergia. Acabou por me mandar fazer análises”, começa por contar o bancário. Seguiram-se duas consultas em dois dermatologistas diferentes, até que o último achou “estranho” e pediu uma biópsia à pele. Chegado o resultado, o médico falou-lhe de várias possibilidades de diagnóstico e encaminhou-o para a Consulta Multidisciplinar de Linfomas Cutâneos e Mastocitoses (CMLC) do CHUP.
“Eu já ia com uma ideia do que seria. Fiz uma pesquisa muito vaga, até porque há muito desinformação na internet. Optei por tirar todas as dúvidas com a médica do Centro Hospitalar Universitário do Porto”, recorda revelando que em poucos dias foi encaminhado para o IPO do Porto para realizar o tratamento indicado para a Síndrome de Sezáry. “Ou seja, desde abril do ano passado, que estou a ser tratado com o objetivo de melhorar a minha qualidade de vida, retardando a progressão da doença”, afirma adiantando que a sua doença é caracterizada por ciclos. “Atualmente, estou numa fase pior e faço tratamento todas as semanas”.
José conta que tem muita escamação e muita comichão. Embora, os sintomas sejam mais visíveis no rosto, a doença manifesta-se no corpo todo. “As pessoas costumavam perguntar se eu andava a fazer solário, mas isso nem me incomodava”, afiança.
Admite que embora “nunca seja bom receber um diagnóstico destes, até porque nós pensamos que não nos vai acontecer nada”, faz a sua vida normal. “Não deixo que esta patologia interfira no dia a dia”, afirma. “Sei que tenho de fazer os tratamentos certinhos para que a doença não evolua”, e fora isso, ter alguns cuidados, nomeadamente, não apanhar sol. “Adoro fazer praia e foi uma das coisas que tive de abdicar”, revela explicando que todos os dias usa um protetor solar mineral com fator 50. Por outro lado, como uma das complicações da doença é as lesões puderem ulcerar, faz a aplicação diária de creme hidratante “para a pele não secar”.
“Como não é um tumor muito usual”, pensa que há menos conhecimento geral sobre a patologia. “A palavra tumor ou linfoma assusta, mas o conselho que eu dou é que não se assustem com o diagnóstico”, diz. “Eu encarei a doença como algo passageiro. Se encarramos as coisas de mente aberta é mais fácil!”, aconselha.