Opinião

Esquizofrenia na população geriátrica – desafios para o futuro

Atualizado: 
27/09/2021 - 10:26
Nas últimas décadas temos vindo a assistir a uma mudança importante na distribuição demográfica da população geriátrica com esquizofrenia. A par do envelhecimento da população global, tem havido um aumento concomitante da longevidade dos doentes com esquizofrenia. É esperado que, em 2050, o número de pessoas com esquizofrenia com ≥ 60 anos duplique, afectando cerca de 10 milhões em todo o mundo.

O envelhecimento da população com esquizofrenia veio gerar um conjunto de necessidades específicas. Existem vários caminhos possíveis para a melhoria sintomática e recuperação funcional, tendo vindo a ser concebidas novas estratégias para aumentar o leque de opções disponíveis para atender a essas necessidades. A investigação nesta área é ainda escassa e os sistemas de saúde não se encontram devidamente preparados para enfrentar os desafios futuros que esta tendência irá trazer.

A esquizofrenia é uma perturbação mental grave com impacto importante para doente, familiares e comunidade. Quando nos referimos a doentes mais velhos com esquizofrenia, incluímos indivíduos que padeceram da doença durante grande parte da sua vida e casos de esquizofrenia de início tardio (menos frequentes e de maior dificuldade diagnóstica). Duas gerações de adultos mais velhos com esquizofrenia coexistem actualmente: por um lado, os idosos com ≥ 75 anos; por outro, indivíduos na faixa etária dos 55-74 anos. Este grupo de doentes mais jovens tem tendencialmente menor número de admissões hospitalares e maior exposição a intervenções terapêuticas individualizadas.

Os doentes mais velhos com esquizofrenia apresentam défices cognitivos substanciais, tanto a nível geral como no que concerne a domínios específicos; o curso longitudinal da função cognitiva é, porém, um tema ainda controverso. Contrariando as noções prévias, estudos recentes apontam no sentido dos sintomas negativos na população geriátrica com esquizofrenia não serem superiores aos da mais jovem, podendo haver flutuações ao nível da sintomatologia e do funcionamento.

A idade mais avançada não é necessariamente um período de estabilidade social, pelo que existem simultaneamente oportunidade de melhoria e risco de declínio. A investigação relativa ao funcionamento social tipicamente recorre a conceitos unidimensionais como o estado civil, ocupacional ou residencial; uma medida mais abrangente, a integração na comunidade, pode ser considerada como um dos grandes objectivos das políticas de saúde mental. A integração na comunidade constitui um exemplo de como poderíamos começar a abordar a prestação de cuidados à população geriátrica com esquizofrenia, ajudando na redução dos sintomas positivos e da psicopatologia em geral.

A trajectória ideal de recuperação clínica para a população geriátrica com esquizofrenia passaria pela redução significativa ou ausência de sintomatologia psicótica (remissão sintomática), pela integração na comunidade (recuperação funcional) e pelo envelhecimento bem-sucedido (saúde positiva) – sendo esta última a abordagem mais adequada ao grupo etário em questão. A actividade física deve ser promovida e a abordagem colaborativa privilegiada.

A prestação de cuidados aos adultos mais velhos com esquizofrenia implica o reconhecimento das necessidades físicas e psiquiátricas desta população e um investimento na área. Esta população é mais propensa a efeitos secundários da medicação, frequentemente necessitando de doses inferiores. Atendendo a este contexto, diversas estratégias não-farmacológicas têm sido planeadas visando especificamente doentes mais velhos. Vários ensaios controlados e randomizados têm mostrado resultados favoráveis de intervenções como a terapia de remediação cognitiva, o treino de habilidades sociais e a terapia cognitivo-comportamental. É, pois, premente implementar em larga escala medidas dirigidas à população geriátrica com esquizofrenia e fazer face aos desafios impostos por esta realidade.

Referências bibliográficas:

Cohen CI, Freeman K, Ghoneim D, Vengassery A, Ghezelaiagh B, Reinhardt MM. Advances in the Conceptualization and Study of Schizophrenia in Later Life: 2020 Update. Clin Geriatr Med. 2020 May;36(2):221-236. doi: 10.1016/j.cger.2019.11.004. Epub 2019 Nov 15. PMID: 32222298.

Cohen, C., & Meesters, P. (Eds.). (2019). Schizophrenia and Psychoses in Later Life: New Perspectives on Treatment, Research, and Policy. Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/9781108539593

Cohen CI, Meesters PD, Zhao J. New perspectives on schizophrenia in later life: implications for treatment, policy, and research. Lancet Psychiatry. 2015 Apr;2(4):340-50. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00003-6. Epub 2015 Mar 31. PMID: 26360087.

Autor: 
Sofia Ramos Ferreira
Horácio Firmino - Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Pixabay