Esquizofrenia e Transtorno Bipolar: apresentações menos típicas podem confundir o diagnóstico
Esquizofrenia e Transtorno Bipolar são duas doenças mentais que afetam a maneira como as pessoas pensam e agem. No entanto, embora apresentem características distintas, às vezes não é fácil distingui-las. Por que é que isto acontece?
O seu diagnóstico definitivo precisa de seguimento ao longo do tempo e numa observação única podemos observar uma apresentação menos típica da doença e ser levados a acreditar erradamente que se trate de outro diagnóstico. A ciência atual ainda não disponibilizou testes ou exames que nos permitam rapidamente confirmar o diagnóstico (marcadores biológicos).
Para compreendermos quer uma doença quer outra, começo por lhe perguntar o que caracteriza a Esquizofrenia?
A esquizofrenia é provavelmente a doença mais grave em Psiquiatria. Tem um grande impacto no comportamento e no funcionamento intelectual da pessoa, e impede muitas vezes a sua participação ativa na sociedade, condicionando sofrimento psicológico e até mortalidade precoce.
As suas características são o desenvolvimento de dois grupos de sintomas de forma mantida ao longo do tempo: sintomas positivos como delírios e alucinações, e sintomas negativos como ausência de iniciativa ou diminuição da expressão emocional. Principalmente o segundo grupo de sintomas têm manifestação permanente e ainda não descobrimos tratamento eficaz.
Quais as suas principais manifestações, e a partir de que idade é frequente surgirem os primeiros sintomas?
As manifestações mais frequentes são por vezes melhor reconhecidas ou integradas pelos psiquiatras por serem pouco específicas (exemplo: isolamento social, diminuição generalizado do interesse nas coisas, ausência da expressão emocional) mas talvez as mais características e facilmente reconhecíveis sejam os delírios – a crença falsa e inabalável apesar das evidências do contrário (ex. acreditar erradamente que se está a ser perseguido); e as alucinações – uma perceção vivida como impossível de distinguir de uma perceção real que ocorre na ausência de um estímulo (ex. ouvir vozes que as outras pessoas não conseguem ouvir).
Em relação ao desenvolvimento dos primeiros sintomas, sabemos hoje que ocorrem pródromos, com alterações ligeiras e difíceis de caracterizar do comportamento, pensamento, socialização e funcionamento da pessoa que ocorrem anos a meses antes da chamada “fase activa” (que é a fase em que tipicamente as pessoas são levadas ao médico e também quando é mais fácil fazer o diagnóstico). A fae activa ocorre normalmente entre os 20 e os 30 anos e surge um pouco mais cedo nos homens do que nas mulheres.
Existem fatores de risco para a Esquizofrenia?
Os fatores de risco são: antecedentes familiares de esquizofrenia, nascimento no inverno-primavera, problemas durante a gravidez materna/nascimento: como infeções intra-uterinas, fome no primeiro trimestre de gestação, anemia, diabetes, pré-eclampsia ou idade do pai avançada. Dificuldades de aprendizagem na infância. Emigração com falta de enraizamento cultural. Características demográficas como ser solteiro, pertencer a classe social desfavorecida ou viver em ambiente citadino.
Como é feito o seu diagnóstico e quais os grandes desafios nesta área?
O seu diagnóstico é feito através da clínica, ou seja, não são necessários exames complementares de diagnóstico, uma vez que os resultados são normais ou mais tardiamente na doença estão alterados, mas não são específicos. É necessário um seguimento em Psiquiatria ao longo do tempo (meses ou anos) para confirmar o diagnóstico.
Em relação aos desafios, temos atualmente tratamentos que controlam de forma eficaz as alterações do comportamento, do pensamento e da perceção (como as alucinações), mas há ainda tratamento pouco eficaz dos chamados sintomas negativos, não sendo ainda possível parar a deterioração que a doença provoca e conseguir uma recuperação e reabilitação da pessoa. Muitas vezes a pessoa deixa de conseguir trabalhar e socializar ao nível prévio ao desenvolvimento da patologia.
Como se trata a esquizofrenia?
O tratamento deve ser feito em serviços de psiquiatria com programas dirigidos a esta patologia e envolvendo não só o doente e o Psiquiatra, mas também a família e outros técnicos. A base do tratamento farmacológico é a utilização de antipsicóticos.
No que diz respeito ao transtorno bipolar, quais as suas principais caraterísticas? Qual o comportamento típico de um doente bipolar?
A sua principal característica é ao longo da sua vida ter desenvolvido aquilo que designamos por “episódio maniforme” sem uma causa não psiquiátrica identificável. O quadro caracteriza-se por alterações do humor que pode ser eufórico ou irritável, diminuição da necessidade de dormir com aumento da energia, diminuição da atenção, sensação de grandiosidade ou aumento da autoestima, aceleração do pensamento, sentir-se mais falador do que o habitual, agitação e impulsividade. Fora destes episódios pode recuperar totalmente e estar sem alterações do humor ou apresentar sintomas de depressão.
A partir de que idade se pode manifestar? A que sinais devemos estar atentos?
A idade média é entre os 17 e os 30 anos. É particularmente difícil de fazer o diagnóstico antes deste intervalo, porque a adolescência é caracterizada por uma grande turbulência, sendo prudente fazer um seguimento maior antes de fazer o diagnóstico. Os sinais a que temos de estar atentos consistem em alterações mantidas durante alguns dias (e não apenas instabilidade) do humor, energia e expressão acompanhadas de alterações do comportamento.
Quais as causas deste transtorno?
É das perturbações psiquiátricas com maior hereditariedade familiar/genética podendo as crises serem precipitadas por acontecimentos de vida que induzam stress na pessoa.
Em que consiste o seu tratamento?
O tratamento consiste tipicamente na associação de psicoterapia com tratamento farmacológico. O tratamento farmacológico é tipicamente feito com estabilizadores de humor e antipsicóticos e tem de ser mudado frequentemente porque é diferente nos períodos de descompensação ou na fase de manutenção da doença e é escolhido conforme a polaridade predominante, presença de risco de suicídio e adesão ao tratamento.
A que outras comorbilidades se pode associar?
Mais frequentemente ao uso substâncias como álcool ou drogas, perturbações de ansiedade e antecedentes de hiperatividade e défice de atenção na infância
Uma pessoa pode sofrer de esquizofrenia e transtorno bipolar ao mesmo tempo?
Não. Por definição a esquizofrenia é uma doença mais contínua (sem intervalos livres) e apresenta sintomas psicóticos sem alterações do humor significativas enquanto a doença bipolar evolui por episódios (havendo recuperação entre episódios) e envolve por definição uma alteração de humor mesmo que na presença de sintomas psicóticos. Quando existem sintomas de humor de forma significativa e noutros períodos da vida episódios de psicose sem alteração de humor podemos estar perante uma Perturbação Esquizoafectiva.
Qual a importância do diagnóstico precoce?
Na doença bipolar quanto mais cedo se intervir melhor será o controlo da doença, menos repercussões irão ocorrer na vida do doente decorrentes das suas alterações do comportamento e em princípio mais cedo o doente irá desenvolver crítica para a doença. Pensa-se que será particularmente importante prevenir, evitar ou reduzir o desenvolvimento de episódios de mania por poder deixar sequelas cerebrais.