Epilepsia continua a ser uma doença mal compreendida
A “Epilepsia é mais do que ter crises”. Quem o afirma é Joana J. Ribeiro e Cristina Pereira, especialistas em neurologia e neuropediatria, relembrando que a epilepsia embora possa trazer alguns condicionalismos a quem dela sofre, pode ser controlada.
Em Portugal estima-se que existam cerca de 60 mil pessoas com epilepsia, destas, cerca de 40 mil tem a doença sob controlo. “A grande angústia é a sempre presente e imprevisível possibilidade de ocorrer uma nova crise”, revelam as especialistas. E sabendo que esta continua a ser uma doença mal compreendida, “em geral, estas pessoas evitam a exposição preferindo não assumir publicamente a doença”.
Por outro lado, Joana Ribeiro e Cristina Pereira chamam a atenção para a realidade daqueles que sofrem de formas mais graves da doença, ou seja, cerca de 20 mil portugueses, que além das crises convivem com inúmeras complicações associadas. “Os doentes com formas de epilepsia chamadas refratárias, isto é, que não respondem aos diferentes esquemas terapêuticos, sofrem de todas as consequências de uma doença crónica incapacitante: nas suas vertentes social, psicológica, pessoal, familiar. Neste grupo de doentes com formas mais graves de epilepsia as limitações são necessariamente maiores. Muitos deles não são completamente independentes e tem maior morbilidade e mortalidade”, revelam.
António Tiago, de 28 anos, e Maria Amélia, de 46, incluem-se neste último grupo, tendo sido igualmente diagnosticados durante a infância.
“Hesitei em relação a ser operada, pois sabia pouco acerca dos resultados destas intervenções”
Maria Amélia foi diagnosticada com Epilepsia com cinco anos, tendo iniciado o tratamento aos seis. Embora não tenha memória das primeiras crises, recorda-se de ter tido uma infância igual às outras. Sublinha, aliás, que “como sempre tive acompanhamento de um médico de neurologia”, aprendeu cedo como gerir a doença. “Sabia, por exemplo, que quando tivesse uma crise teria de estudar tudo de novo, porque a sensação com que ficava era a de que tudo tinha sido apagado da minha memória”, revela acrescentado que não permitiu que a patologia a definisse. “Nunca deixei de fazer a minha vida normal. Tinha os grupos de amigos e vida social e cultural, tendo até feito parte do grupo folclórico do local onde vivia, o que era uma atividade que exigia trabalho constante da nossa parte. Participei ainda nos Rotários, uma associação de solidariedade para ajudar a sociedade em diversas áreas”, recorda.
Com o seu testemunho pretende mostrar que “as pessoas com epilepsia são pessoas iguais às outras”. No seu caso, e embora se tivesse sentido discriminada enquanto estudava, nunca desistiu dos seus sonhos.
“Um dos meus sonhos era ser professora do 1.º ciclo do Ensino Básico, um sonho que alcancei em 2002. Para tal, tive sempre presentes algumas palavras de esperança, força de vontade, pensamento positivo e fé de que as coisas iriam melhorar”, afirma relembrando que foi a sua força de vontade que contrariou as piores expetativas que os outros tinham a seu respeito. “Na Universidade onde tirei o meu curso, uma das docentes chegou a perguntar-me se tinha pais e se tomava a medicação, afirmando que achava que eu não tinha competências para conseguir lecionar”, recorda lamentando que ainda exista tanto desconhecimento e preconceito relativamente a esta patologia.
A cirugia de Maria Amélia durou oito horas. Desde então não tem crises.
A verdade é que, apesar da epilepsia, Maria Amélia conseguiu concretizar todos os seus objetivos de vida. “Tomei medicação durante todo o meu tempo enquanto estudante e mesmo assim tirei dois cursos: um de professora do 1.º ciclo do Ensino Básico e outro de especialização em Ensino Especial, no domínio cognitivo-motor, que tirei em regime pós-laboral, porque estava a dar aulas ao primeiro ciclo ao mesmo tempo.
Depois, em 2008, fui operada e desde então não tive mais crises. Em 2011, casei-me e engravidei um ano depois, em 2012, sendo que a nossa filha nasceu em 2013”, conta.
“Isto tudo aconteceu porque nunca deixei de ser acompanhada pelo Dr. Francisco Sales, que é um médico e uma pessoa espetacular”, acrescenta sublinhando a importância de as pessoas com epilepsia procurarem acompanhamento médico tão cedo quanto possível.
“É importante aprender a viver com esta doença e não deixar de fazer a sua vida quotidiana!”, afirma relembrando que a medicação é o caminho para ter uma vida estável.
No seu caso foi necessário recorrer à cirurgia para estabilizar a doença, uma vez que a medicação falhava no seu objetivo.
Maria Amélia confessa que hesitou e, num primeiro momento, recusou ser operada. “Hesitei em relação a ser operada, pois sabia pouco acerca dos resultados destas intervenções. Na altura, havia muito pouca informação”, conta.
Em 2007 teve um acidente que a fez mudar de ideias. “Ia a conduzir e tive uma “ausência” [crise de epilepsia], o que fez com que perdesse os sentidos, sendo que fui contra uma casa e destruí o carro que os meus pais me tinham dado”, recorda. “Costuma dizer-se que é com os erros que se aprende” e foi o meu caso. Devido ao acidente que tive, decidi que era a altura para marcar uma consulta urgente com o Dr. Francisco Sales para fazer a cirurgia à epilepsia”, revela a professora.
Maria Amélia foi operada a 23 de abril de 2008 e não voltou a ter crises.
“Já aceitei o facto de fazer medicação o resto da minha vida”
António Tiago já experimentou várias opções terapêuticas, no entanto, nenhuma resultou no principal objetivo que é controlar as crises. “No meu caso, experimentei todas as opções terapêuticas e mantenho quatro até hoje. Também experimentei o Estimulador Neuro-Vagal mas não resultou comigo. Não sou candidato a cirurgia porque não foi encontrado o ponto de começo das crises. Já aceitei o facto de fazer medicação o resto da minha vida”, começa por dizer revelando que costuma ter uma ou duas crises por mês, na sua maioria, convulsiva.
Pela sua experiência, lamenta o impacto que a doença sempre teve na sua vida. “Nomeadamente, no desporto (o esforço físico provoca crises), nas saídas com os amigos (se tivesse uma crise, estragava a noite a toda a gente), não poder consumir bebidas alcoólicas, não poder tirar a carta nem conduzir. Sempre considerei esta doença uma prisão porque me tirou toda a liberdade que os rapazes necessitam quando crescem”, comenta acrescentando que a epilepsia condicionou também o seu percurso escolar: “Sempre tive dificuldades de aprendizagem relacionadas com alguma lentidão no meu raciocínio”. “Tive professores que, uma vez que eu não percebia bem algumas matérias, achavam que eu era simplesmente preguiçoso ou burro”, adianta lamentando o estigma que persiste associado à patologia.
“A doença tem e teve um enorme impacto na minha autoestima, principalmente, na adolescência. Eu próprio sofri de graves depressões devido a esse facto. A única maneira que encontrei para superar foi aceitando a doença e ter a certeza que temos à nossa volta pessoas que nos apoiam muito. Há milhares de pessoas com epilepsia em Portugal e é pena que não seja um tema mais divulgado”, diz salientando que “tenho que ter força de vontade e lembrar-me que tenho mesmo que viver com esta doença. Para o bem e para o mal, faz parte de mim”.
A nível profissional, a situação, revela, também nunca foi fácil. “Nas empresas em que trabalhei não fui vítima de bullying mas sim de discriminação e abuso psicológico. Daí à depressão é um passo porque ninguém imagina o peso e o medo que carregamos por trás de um sorriso”, lamenta.
Atualmente, desempregado, António Tiago não compreende porque não lhe é dada uma oportunidade para mostrar o seu valor.
"Até acontecer com o meu filho, eu conhecia a doença muito superficialmente", revela a mãe de Tiago
Esta “é uma doença como outra qualquer. Tem manifestações muito exuberantes, por vezes, mas rápidas e inócuas”. Por isso, a mãe de Tiago não hesita em sublinhar a importância que tem para estes doentes desempenhar uma atividade profissional para se sentirem válidos socialmente. “Aos empregadores, gostaria de deixar uma mensagem: que não temam contratar pessoas com esta patologia pois uma grande maioria mantém as suas competências intactas. Mesmo que haja uma lentificação na execução de certas tarefas, com a rotina esse problema esbate-se. São pessoas iguais às outras, sentem e vivem da mesma forma. Apenas precisam de uma oportunidade para demonstrar o quanto valem. A sua dedicação e empenho não têm preço pois eles sabem muito bem o que é ter nada e viver sem perspetivas de futuro. Por favor, ajudem estes doentes a sair da escuridão em que vivem e, alguns, sobrevivem”, apela.
“Era bom lembrar que não sou o único a ter a vida muito dificultada, por exemplo, ao ser despedido consecutivamente 5, 6, 7 vezes apenas porque tive uma crise”, conclui António.