Enxaqueca: perda de produtividade é uma das principais consequências em contexto laboral
Embora a enxaqueca possa atingir qualquer pessoa, em qualquer idade, - pensa-se, aliás, que esta possa surgir desde a nascença, “no entanto, os sintomas de enxaqueca em bebés podem ser muito difíceis de aferir por se confundirem com outras doenças e não haver possibilidade do bebé se expressar” -, esta é mais comum entre adultos, atingindo três vezes mais o sexo feminino. Não obstante, apesar de não se saber ao certo o que está na sua origem, admite-se que existe uma componente genética e ambiental associada ao seu desenvolvimento.
“A enxaqueca acontece no cérebro, nos nervos que dele partem e nas artérias que lhe fornecem sangue, num circuito chamado sistema trigeminovascular. Ainda não se sabe ao certo porque é mais sensível e fica erroneamente ativado nalgumas pessoas, mas há determinantes genéticos, que explicam a componente hereditária, e determinantes ambientais, que explicam porque é que nalgumas pessoas expostas a determinadas hormonas (como os estrogénios nas mulheres), medicamentos, alimentos, bebidas, variação no padrão de sono, e estímulos sensoriais como luzes e cheiros desenvolvem uma crise de enxaqueca”, começa por explicar a neurologista do Hospital Garcia de Orta, Liliana Pereira.
Infelizmente, por ser tão comum entre a população pode ser desvalorizada e considerada como apenas “mais uma dor de cabeça”, alerta a especialista. “Todos conhecem alguém que já teve uma e passou sem trazer consequências, alguém que oferece um comprido que já funcionou para ele/ela no passado e insiste que se experimente, ou oferece o seu conselho sobre alternativas terapêuticas não farmacológicas. Atendendo à componente hereditária da enxaqueca, muitos dos doentes também cresceram em estreita proximidade com um sofredor de enxaqueca e podem utilizar estratégias aprendidas por imitação neste contexto, pouco cientes das oportunidades de tratamento atualmente disponíveis”, explica.
Por isso, importa saber distinguir sintomas, valorizando o facto de que esta é uma patologia com elevado impacto socioecónomico, mas que tem tratamento, sendo todo o sofrimento evitável.
“A enxaqueca é uma doença do sistema nervoso central que pode começar horas a dias antes da dor propriamente dita, com sintomas prodrómicos como depressão, irritabilidade, letargia, sensibilidade exagerada às luzes e aos sons, dificuldade de concentração, bocejo ou outros, bastante variados”, descreve Liliana Pereira. “Para algumas pessoas pode ser apenas uma sensação indefinida e mal caracterizada de que uma crise de enxaqueca está iminente”, acrescenta.
Outro dado importante é que, se estima que “uma em cada três pessoas com enxaqueca tem também aquilo a que se chama aura, que é um conjunto de sinais neurológicos, como perturbação na visão, formigueiros ou dormência e dificuldade em encontrar ou compreender as palavras, que se instalam gradualmente e duram cerca de cinco a sessenta minutos”.
“Segue-se a dor que mais tipicamente é unilateral, pulsátil, de intensidade moderada a grave, agravando com a atividade física de rotina, como caminhar ou subir escadas. Acompanham muito frequentemente esta fase náuseas, vómitos, sensibilidade aumentada à luz e aos sons”, adianta a médica.
A dor que caracteriza a enxaqueca pode durar até 72 horas e sintomas como o cansaço ou dificuldade de concentração podem continuar a persistir para lá deste período.
“Estes sintomas podem não estar todos presentes no mesmo doente, mas são em número habitualmente suficiente para distinguir a enxaqueca da cefaleia tipo tensão, uma dor mais frequentemente bilateral, em pressão ou aperto (não pulsátil), de intensidade ligeira a moderada, não agravada pela atividade física de rotina e sem náuseas acompanhantes”, explica a neurologista.
Com um grande impacto no dia-a-dia de quem dela padece, - “a gravidade da enxaqueca é tão maior quanto a incapacidade que implicar na realização das tarefas de rotina daquela pessoa” -, estima-se que, no contexto laboral, esta seja responsável pela perda de 27 mil milhões de euros, todos anos, em matéria de produtividade. “Este valor engloba não só os dias de trabalho perdidos por falta, mas também a perda de produtividade do trabalhador que, presente no local de trabalho, devido à intensidade da dor, sintomas acompanhantes e queixas cognitivas, não consegue ter o seu desempenho habitual”, revela a especialista.
“Felizmente, há estratégias que os empregadores podem adotar para minimizar este impacto: instituir programas educacionais sobre enxaqueca, aumentando o alerta sobre a doença, programas de identificação da doença e acompanhamento médico do trabalhador, e instituir um ambiente promotor de saúde, com disponibilização de recursos como ginásio e saúde ocupacional, e limitação de fatores desencadeantes com ambientes muito ruidosos, com luzes brilhantes, má qualidade do ar e difícil acesso a água”, salienta.
«Quem tem desencadeantes bem identificados para as crises pode tentar evitá-los»
De acordo com a neurologista, sempre “que não haja uma resposta completa da crise aguda de dor à medicação de venda livre na farmácia e outras estratégias que a pessoa possa utilizar para obter alívio da dor, e quando o número de vezes que a dor se repete por semana ou por mês é suficiente para interferir no dia-a-dia da pessoa e limitar a sua aprendizagem na escola, produtividade no trabalho e capacidade de aproveitar os tempos livres”, deve ser consultado um médico, de modo a instituir o tratamento indicado.
Segundo Liliana Pereira, o tratamento da enxaqueca assenta em três pilares: o tratamento farmacológico da crise aguda de enxaqueca, o tratamento farmacológico preventivo e o tratamento não farmacológico.
“O tratamento da crise aguda tem como objetivo aliviar rapidamente a dor e os sintomas acompanhantes, que se ligeiros respondem habitualmente à medicação analgésica e anti-inflamatória disponível em venda livre nas farmácias”, diz. No entanto, se este não for suficiente, “pode ser necessário o uso de doses mais altas, apenas disponíveis com receita médica, ou o uso de medicação específica para a enxaqueca, que se chamam triptanos”.
“Nos casos em que as náuseas são um sintoma importante pode ser também necessário utilizar medicação específica para este sintoma, ou usar supositórios em vez de comprimidos para evitar que se perca o efeito da medicação”, acrescenta chamando a atenção para o facto de que “quanto mais rapidamente a medicação for tomada depois do início da crise maior será a probabilidade de fazer efeito, no entanto, há que ter cuidado e não tratar crises muito frequentes sem aconselhamento médico porque há o risco de ao tomar muitas vezes a medicação para a dor vir a causar mais dores de cabeça no futuro”.
“O tratamento preventivo nestes casos ajuda a reduzir o número de crises de enxaqueca por mês, a reduzir a sua intensidade e a melhorar a resposta aos medicamentos analgésicos”, diz.
Quanto ao tratamento não farmacológico, este implica mudanças no estilo de vida: “ter um horário regular de sono com o número de horas suficiente, ter uma alimentação saudável e boa hidratação ao longo do dia, e praticar exercício físico de forma regular, principalmente exercício aeróbico”.
De acordo com a especialista, “há várias comidas e bebidas que são identificadas pelas pessoas com enxaqueca como despoletando crises”. “Quanto ao exercício físico está demonstrado que a prática regular de exercício físico aeróbico pode ser benéfica na prevenção da enxaqueca. Mas se a pessoa já está com dor no momento em que inicia o exercício, é provável que vá piorar da mesma com a atividade física, pelo que nessa ocasião deve ser evitada”, revela.
Quando não for possível identificar os fatores que desencadeiam uma crise, “terapias realizadas pela Psicologia, como a terapia cognitivo-comportamental, podem ajudar a lidar com os desencadeantes inevitáveis”.